Editorial
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Gazeta do Povo
Paulo Guedes, ministro da Economia.| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME
“Nova tabela de preços só em 2023. Trava os preços, vamos parar de aumentar os preços”, pediu o ministro da Economia, Paulo Guedes, a membros da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) na tarde desta quinta-feira, durante participação por videoconferência. O presidente Jair Bolsonaro, que está nos Estados Unidos para a Cúpula das Américas e também falou aos empresários, foi menos enfático: “Vocês já têm colaborado nesse sentido, mas colaborem um pouco mais na margem de lucro dos produtos da cesta básica… Se for atendido, agradeço muito; se não for, é porque não é possível”.
Antes que alguém comece a fazer comparações com José Sarney, com a democrata norte-americana Elizabeth Warren ou com o argentino Alberto Fernández e praticamente todos os seus predecessores recentes, é preciso lembrar que ninguém falou em controlar ou tabelar preços (apesar do ato falho de Guedes em mencionar uma “tabela”); Bolsonaro e seu ministro fizeram um apelo aos empresários do setor de supermercados para que reduzam suas margens de lucro nos produtos da cesta básica, como forma de ajudar a domar a inflação, que segue em patamares muito altos apesar da recente desaceleração. Mesmo assim, o pedido evoca uma solução um tanto simplista para um problema bem mais complexo.
Um empresário supermercadista imbuído de um autêntico desejo de contribuir com o país terá muitos desafios a enfrentar se quiser atender o pedido de Bolsonaro e Guedes
João Galassi, presidente da Abras e dono de uma rede de supermercados na região de Campinas (SP), ecoou o pedido de Guedes ao afirmar que “a sociedade precisa da cadeia nacional de abastecimento” e que pretendia “lançar um desafio: nova tabela só em 2023”. No entanto, um empresário supermercadista imbuído de um autêntico desejo de contribuir com o país terá muitos desafios a enfrentar. Infelizmente, a inflação é fenômeno global e o Brasil se encontra a reboque de muitas circunstâncias que não controla, seja o preço internacional do petróleo, a disrupção nas cadeias produtivas mundiais a cada novo lockdown chinês, ou os efeitos do ataque russo à Ucrânia, já que os dois países são importantes produtores de commodities. Além disso, a julgar pelas palavras do antecessor de Galassi na Abras, João Sanvozo Neto, as margens de lucro dos supermercados nos produtos da cesta básica já são bastante baixas porque há muita competição no setor. A declaração foi feita em 2020, no momento em que produtos como o arroz disparavam nas prateleiras graças a um choque de oferta e ao aumento na demanda, com o brasileiro tendo de preparar suas refeições em casa graças às restrições de circulação durante a pandemia de Covid-19.
O varejo é a ponta final de uma longa cadeia; se as matérias-primas (muitas delas importadas), insumos, transporte e demais custos continuarem mais caros, um supermercado (ou o produtor, ou a indústria de processamento de alimentos, ou qualquer outro elo da cadeia produtiva) caminharia em uma linha fina que separaria o heroico do irresponsável ao zerar lucros ou absorver prejuízos em nome do combate à inflação. A Petrobras, que fez isso a pedido de Dilma Rousseff em 2014, só não faliu porque tinha o Estado por trás, como principal acionista; na iniciativa privada o resultado seria muito diferente. Sem lucro não há como uma empresa investir na abertura de novas unidades, na modernização de suas instalações e na contratação de novos empregados – todas atividades que ajudam a fazer a roda da economia girar, e que são fundamentais especialmente em época de desemprego alto e crescimento baixo.
As condições para que o setor supermercadista pudesse atender o pedido presidencial, é verdade, seriam melhores se também o poder público demonstrasse empenho semelhante. Houve redução de impostos, mas a reforma tributária, mencionada por Galassi no evento dos supermercadistas, está parada; mesmo uma simplificação modesta teria efeito benéfico sobre os custos do setor. Isso não quer dizer, no entanto, que seja impossível segurar os preços; apenas que se trata de tarefa muito difícil e que exige precisão para que o remédio não se torne veneno. Se houver meios de manter seu negócio em pé vendendo mais barato, o supermercadista o fará – ainda que não por um desejo de colaborar com o país e conter a espiral inflacionária, ao menos para prevalecer sobre a concorrência; no entanto, se os custos seguirem em alta, não seria sábio, da parte de um empresário, arriscar a sobrevivência da empresa (bem como dos empregos que gera e dos seus fornecedores) apenas porque um presidente da República e um ministro fizeram um pedido.
E Guedes, pela formação que tem, sabe muito bem o que acontece quando governos vão além de simplesmente pedir: controles de preços funcionam em um primeiríssimo momento, mas, à medida que mais e mais empresários logicamente se recusam a trabalhar com prejuízos seguidos, logo vem o desabastecimento. A Argentina dos “preços cuidados” já sofre com falta de diesel graças a políticas intervencionistas, e com o transporte de carga paralisado a escassez logo se estenderá a outros produtos, como o pão – isso no maior produtor de trigo da América Latina. Nenhum liberal tem como desejar destino semelhante para o Brasil.
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