Calafrios, pupila dilatada, borboletas no estômago – os hormônios estão por trás da química do afeto. Saiba o que acontece no corpo quando estamos apaixonados
Texto: Cindy Damasceno e Danilo Casaletti, especial para o Estadão / Design e infografia: Bruno Ponceano / Ilustração: Hugo Alberto – Jornal Estadão
Na música, na dança e na literatura: o ser humano tenta uma explicação concreta para o amor. É um burburinho que embrulha o estômago, dilata as pupilas e arrepia a pele – o que era, então, abstrato, se manifesta nas artes e no corpo. Por trás da euforia dos amantes, a química. O amante recebe durante o ‘apaixonamento’ uma tempestade de informações, e o organismo estimula a produção de hormônios para entender (e reagir) à paixão
REAÇÃO À PRIMEIRA VISTA
A primeira troca de olhares libera o ‘neurotransmissor da paixão’, a beta-feniletilamina. A substância acelera o fluxo de informações entre os neurônios
À FLOR DA PELE
Durante a paixão, o córtex frontal reduz a atividade – essa é a área cerebral responsável pelo julgamento crítico e a racionalidade
BORBOLETAS NO ESTÔMAGO
Calafrios, insônia e enjoos: as reações neste período inicial do ‘apaixonamento’ são causadas pelo bombardeio dos neurotransmissoresnoradrenalina,
adrenalina edopamina
PENSANDO LONGE
A presença da serotoninainfluencia no romance. Ela está por trás do “sonhar acordado” com a outra pessoa
INFINITO ENQUANTO DURE
Momentânea, a paixão tem data de validade. A tempestade de hormônios causa “estresse cerebral” e dura em média 18 meses
QUESTÃO DE QUÍMICA
Após a queda nos níveis de adrenalina e dopamina, entra em cena a ocitocina, responsável pelas sensações de carinho afeto. É neste momento que o casal desenvolve a intimidade do amor
O estudo do amor, explica o neurologista Saulo Nader, ainda acontece em um campo muito restrito, com pouca pesquisa ao longo do tempo. “Muitos deles estão relacionados ao uso da ressonância magnética, que estuda o metabolismo e tenta esboçar a química do cérebro frente a estímulos e, a partir disso, entender qual molécula química está mais envolvida”, conta o especialista.
Diferentemente do que se convencionou na iconologia do sentimento, o amor não se origina no coração. É no cérebro, nossa central de emoções, que começa o “caminho do cortejo”. “A substância mais importante é a dopamina, que estimula o centro de recompensa do cérebro. A pessoa experimenta uma enxurrada de dopaminaao ter contato com a pessoa amada. Isso gera bem-estar, e por isso ela busca aquele parceiro: para ter esse estímulo nesse centro de prazer”, explica Nader, chefe de equipe de internação do Hospital Israelita Albert Einstein e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia.https://arte.estadao.com.br/uva/?id=z9LWa2&show_title=false&show_description=false&show_brand=false
Para os especialistas da área, amor e paixão são dois momentos diferentes da afetividade. Isso porque antes de experimentar o “amor químico”, o corpo se apaixona. Intensa, a paixão surge já na troca de olhares. “Tudo começa com a beta-feniletilamina, neurotransmissor responsável pelo amor à primeira vista”, indica o endocrinologista José Marcelo Natividade. Neurotransmissores são substâncias que facilitam a troca de informações entre células, inclusive neurônios. A partir daí, o que se sucede é uma tempestade de sensações.
É nesta fase do apaixonar-se que entram, além da dopamina, os hormônios adrenalina, noradrenalina, e a serotonina. Os termos técnicos podem parecer distantes, mas a influência é conhecida à flor da pele. Esse é o time, de acordo com Natividade, responsável pela “sintomatologia” da paixão.
A ORIGEM DO AMOR
Cada um tem uma função nesta equação: a dopamina traz o prazer e mexe nos níveis do humor; a adrenalina acelera a corrente sanguínea e traz a vermelhidão na pele, característica no enrubescimento. A noradrenalina, por sua vez, nos deixa mais eufóricos e dispostos. “Nessa fase, vem a serotonina. Ela provoca aquela obsessão em que você sonha acordado com a pessoa”, explica o endocrinologista, também especialista na área de metabolismo humano.
Esse turbilhão de sinapses é temporário. A paixão, por trazer um forte “estresse cerebral”, dura em média 18 meses. É quando os níveis destes hormônios começam a baixar que o organismo começa a produzir a ocitocina, hoje entendido como o “hormônio do amor”. “Paralelamente, alguns hormônios que, dentre outras funções, estimulam sensações de carinho, afeto, intimidade e tranquilidade, começam a se elevar. Se estabelece a última fase desse processo todo, que é o amor”, explica Natividade. Aparece também a vasopressina, um hormônio antidiurético que alguns autores acreditam ser responsável pela união do casal e da atração sexual. O organismo também libera as endorfinas – que trazem consigo a sensação de tranquilidade e intimidade.
A forma como os dois hormônios contribuem para a criação de laços, no entanto, ainda está em estudo. “A ocitocina é liberada durante a amamentação e tem relação com o desenvolvimento de laço entre a mãe e o bebê. Se especula que a ocitocina e a vasopressina tenham ligação com a “monogamia”, com o fato da pessoa não buscar outros parceiros”, diz o neurologista Saulo Nadir. “Mas são estudos menores, muito se tem a aprender sobre isso.”
PAIXÃO, AMOR, E O QUE EXISTE ENTRE OS DOIS
O entendimento orgânico sobre amor é apenas uma forma de entendê-lo. “O que vem primeiro, o sentimento em relação à pessoa ou o hormônio?”, questiona Gregor Osipoff, psicanalista e especialista em neurociência. A própria manifestação da afetividade, defende o especialista, está ligada à referência de cada um sobre o que é amoroso. “De onde parte o primeiro amor? Ele é difícil explicar. A gente tenta trazer uma uniformidade, mas cada um traz a sua forma de amar.”
Maria de Lourdes Alves Borges, professora do departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina e autora do livro Amor (2004), diz que a filosofia trabalha, a partir da Idade Moderna, com o termo “a paixão do amor”. É o que leva o indivíduo a desejar sempre estar perto do ser amado. O sentimento, explica, pode ou não dar origem à relação comumente chamada de amor.
“Essa paixão já é o amor. Nós podemos ter outras paixões, como a da ambição, da tristeza, do ódio. É importante dizer que as paixões não são necessariamente duradouras. Elas são emoções. Podem surgir, até se demoram por um tempo, mas, depois, se dissipam”, diz, reafirmando o que dizem os médicos.
E a paixão platônica? “É a não realizada fisicamente. É um sentimento do período romântico, sobretudo do romantismo alemão. O curioso é que para Platão e para os gregos, ela não existia ainda, pois em O Banquete a paixão está ligada a Eros, que é o desejo físico”, explica Maria de Lourdes.
Como eles se apaixonaram
Em paralelo às discussões filosóficas e bioquímicas do sentimento, o amor acontece no cotidiano. Conversamos com casais para entender como, além de afeto, o amor é companhia.
‘Quando vi ela cantando pela primeira vez, me quebrou’
Juntos há quase dois anos, Cláudio Patrocínio, 26, e Sofia Martins, 24, se conheceram por meio de amigos, mas só se aproximaram um do outro após um “match” em um aplicativo de relacionamento – a combinação virtual veio um dia antes da pandemia. Meses depois, o primeiro encontro do casal, na praia, cercado por instrumentos musicais, trouxe o alinhamento. “Quando vi ela cantando pela primeira vez, eu sabia. Me ‘quebrou’ todinho”, conta.
Naturais de Fortaleza, no Ceará, o casal veio a São Paulo para oportunidades profissionais e dividem o mesmo teto há quatro meses. Cláudio foi aprovado em um processo de residência médica em radiologia na capital paulista. Até então, os dois não moravam juntos. “Transformamos essa casa em lar”, diz Sofia, bióloga e estudante de design. “Nossa família são nossas suculentas e nossas guitarras.”
Os medos e ansiedades da adaptação à nova rotina também foram divididos entre si. “Um é suporte do outro”, diz Sofia. “Estamos muito em sintonia, parece muito mais tempo, foi muita coisa vivida para gente chegar até aqui. Para viver junto e ter essa rotina não é mais uma casa, é a nossa família.”
‘Um dia percebemos que estávamos apaixonados’
No caso do astrólogo Ricardo Hida, 46, e do relações públicas Cássio Vilela, 40, o tempo para si é fundamental para o bem-estar da vida compartilhada. “Nosso relacionamento surgiu por amizade. Ficamos meses falando de questões da vida, saindo como amigos, até que um dia percebemos que estávamos apaixonados um pelo outro”, conta Ricardo. Estão juntos desde 2009, e desde então dividem o dia a dia.
“Temos atividades espirituais juntos, temos empresa juntos, mas respeitamos o momento de cada um”, diz. A convivência diária é entrecortada por rotinas privadas. “São momentos em que podemos sair, ir ao cinema. Até em casa temos dois escritórios”, explica o astrólogo.
Ao relembrar os primeiros dias de romance, Ricardo conta não ter passado pela fase “eufórica” associada à paixão. “Talvez essa seja a maior diferença de um relacionamento que começou na amizade”, diz. “Foi uma construção, talvez. O que eu vejo é um relacionamento que é sempre crescente e vai se solidificando.”
Para o astrólogo, o amor se constrói no trivial e confessa não comemorar datas como o Dia dos Namorados. “O amor está muito no cuidado. Você vai ao supermercado e lembra que a pessoa pensou em comer uma coisa e você compra. Você vê uma camiseta e um livro e você compra sem necessariamente ser uma data especial.”
‘Não foi uma história de cinema, foi tudo natural’
A história de Elisa e Daniel Moreno (ela, com 36 anos; ele, com 41) envolve uma procura por companheirismo com roupagem moderna. Após terem passado, individualmente, por experiências negativas de relacionamento, os dois recorreram aos aplicativos para encontrar um par. “Não foi uma história de cinema. A gente se conheceu pelo aplicativo e foi rolando”, conta Elisa.
Elisa lembra que já estava “exausta” dos apps quando conheceu Daniel. “O Daniel foi a segunda ou terceira pessoa com quem conversei e já estava exausta”, relembra Elisa. Juntos há oito anos, mas casados há um mês, os dois defendem que o que uniu os dois foi a vontade de ficarem juntos.
De um lado ela, professora de costura, do outro ele, ilustrador. Se encontraram na afinidade compartilhada pela arte e pela papelaria. “Sabe quando você encontra uma pessoa que tem a ver com você? É tudo muito visual nesses aplicativos, na conversa virou outra coisa, ficou mais interessante”, conta Daniel. Os dois moram juntos há quatro anos e encontraram afinidade, também, nas decisões diárias. “Os sonhos se tornaram coletivos. Respeitamos o espaço do outro e temos essa preocupação de estar sempre fazendo coisas legais”, diz Elisa.
‘A gente escolheu mais cedo amar o outro todos os dias’
Foram oito meses entre os primeiros olhares e o dia da união de Mariana Araújo, 30, e Erick, 35. Ela, biomédica, e ele engenheiro de software, se conheceram em São Paulo no ambiente de trabalho. “Uma pessoa admirável, profissionalmente falando. Rolou uma química no olhar e ele ficava me perguntando todos os dias quando nós iríamos sair. Até que eu aceitei, quatro anos atrás, e estamos juntos desde então”, relembra Mariana.
Decidiram morar juntos três meses depois deste primeiro encontro. Além da vontade de ficarem juntos, a questão financeira pesou na decisão: passavam tanto tempo um do lado do outro que não fazia sentido custear dois apartamentos diferentes. A experiência de dividir as contas serviu, também, como “test-drive”. Cinco meses depois que passaram a dividir o mesmo teto estavam casados – o pouco tempo, dizem, não interferiu em como os dois enxergam o amor.
“Mudou que a gente escolheu mais cedo amar o outro todos os dias. Eu vejo que amor não é só sentimento, é uma escolha também”, diz Mariana.
‘Passamos um ano e meio sem nos ver’
As atrizes Camila Fávero, 26, e Nathalia Darhuld, 29, estão em um relacionamento amoroso desde 2019, apesar de terem se conhecido na faculdade há 10 anos. Isso por uma sucessão de encontros e desencontros, relembra Camila. Elas se reuniram tempos depois, no carnaval, três anos atrás. “Muita química já estava rolando ali, ficamos grudadas uma na outra”, conta. Um intercâmbio de Camila para os Estados Unidos adiou o contato físico das duas, que vivenciaram os primeiros momentos do namoro à distância. O relacionamento virtual foi prolongado pela pandemia. “Passamos um ano e meio sem nos ver”, diz Camila.
Quando ela voltou, decidiram que iriam morar juntas. Se adaptar à rotina uma da outra foi difícil. “Fui de um momento em que estava muito sozinha para outro em que estava constantemente com uma pessoa. É saber equilibrar quando você não precisa desses momentos de solidão e ter um espaço para dizer, por exemplo, que se precisa de um espaço”, conta Camila. O dia a dia deixou uma lição: que existem muitas maneiras de se fazer amar. “É muita tranquilidade saber que se é amada. Com os defeitos, com as qualidades, com os dias ruins, com os momentos de prazer. É saber que tenho onde me apoiar.”
‘Ele não me pediu em namoro, me deu um beijo’
Bancários aposentados, Márcia e Silvio Monteiro se conheceram no escritório há quase quatro décadas. “Eu trabalhava à tarde e ele, no turno da noite. No início, foi só amizade. Depois de uns seis, sete meses, a gente começou a se olhar diferente. Ele não me pediu em namoro, me deu um beijo e foi assim”, conta Márcia. Desde o primeiro beijo até esta entrevista, já se passaram 39 anos.
Ela, hoje com 60 anos, recorda que o diferencial foi a confiança – havia passado por relacionamentos anteriores onde sentiu pouco espaço para isso. Hoje, casados e com uma filha, o casal viu no tempo a oportunidade de aproveitar um ao outro. “Demoramos 10 anos para ter um filho. Nesse tempo, ficamos muito mais juntos. A gente sempre gostou de sair, de viajar.”
Agora, no dia a dia de aposentadoria, Márcia e Silvio curtem a companhia um do outro em todos os momentos. “Fazemos tudo juntos”, conta. O que fica de lição, diz Márcia, é que o caminho é longo, mas compensa. “Com o tempo, a gente vai aprendendo e vai confiando, vai crescendo e amadurecendo. Vale a pena quando a gente ama de verdade, quando a gente é parceiro.”