Ministros indicados por Bolsonaro
Por
Renan Ramalho
Brasília
Nunes Marques e André Mendonça, últimos ministros empossados no STF, não poderão mais alterar os votos dos antecessores| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de excluir os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques de julgamentos em que seus antecessores – respectivamente Marco Aurélio Mello e Celso de Mello, hoje aposentados – já votaram embute o risco de acarretar uma perda bilionária de receita para a União. O impacto pode ultrapassar os R$ 75,8 bilhões em quatro processos tributários afetados pela mudança, segundo cálculo presente na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Além disso, o INSS também pode ter de pagar mais para uma parte dos aposentados, em razão de outro processo afetado, de caráter previdenciário, em que se discute a “revisão da vida toda”, que aumenta o valor das aposentadorias com base em contribuições elevadas antigas. Só neste caso, o impacto é de R$ 46,4 bilhões em 10 anos, ainda conforme a LDO. Ou seja, o prejuízo potencial somado chega a R$ 122,2 bilhões.
Todos esses processos eram analisados numa sessão virtual, na qual os ministros votam de maneira remota ao longo de uma semana, diretamente no sistema eletrônico do STF. Nesses julgamentos, é possível a qualquer um deles pedir um “destaque” para levar o julgamento para a uma sessão presencial no plenário, com debates orais.
Quando isso acontecia, o placar da votação era zerado e todos os 11 ministros podiam votar novamente, incluindo os novatos que substituíram os aposentados, mesmo que estes últimos já tivessem votado na sessão virtual. Isso mudou. No último dia 9, por sugestão de Alexandre de Moraes, a maioria decidiu preservar e não descartar os votos dos aposentados, o que, na prática, exclui André Mendonça e Nunes Marques de julgamentos importantes.
Um deles envolve a fórmula de cobrança do PIS e da Cofins, tributos federais. A Receita inclui na base de cálculo o valor que a empresa paga de ISS, tributo municipal. Mas o STF já decidiu, por exemplo, excluir dessa base o ICMS, tributo estadual, e o mesmo deve ocorrer com o ISS.
Em 2020, o assunto começou a ser discutido numa sessão virtual e o ministro Celso de Mello, já aposentado, votou pela exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Houve um pedido de destaque e, agora, na sessão presencial, Nunes Marques não poderá votar em seu lugar, perdendo a chance de adotar uma posição diferente, a favor do governo. Mendonça, por sua vez, poderá participar, uma vez que Marco Aurélio não havia votado.
Se a maioria seguir Celso de Mello, a União poderá perder R$ 35,4 bilhões, segundo cálculos previstos na LDO.
O segundo processo afetado pela mudança na votação dos julgamentos discute se a União pode cobrar PIS e Confins sobre valores que as empresas deixam de pagar de ICMS, por possuírem crédito tributário em razão de benefícios fiscais concedidos pelos estados.
Em 2021, Marco Aurélio votou contra essa cobrança. Na época, cinco ministros o acompanharam, formando maioria a favor dos contribuintes. Gilmar Mendes, que havia votado a favor da União, pediu destaque para levar o caso a julgamento presencial. André Mendonça, que assumiu no lugar de Marco Aurélio, poderia mudar o voto dele, virar o jogo e dar vitória ao governo. Mas, com a preservação do voto do antecessor, não poderá mais.
Resultado: o governo só reverte a derrota se um dos que acompanharam Marco Aurélio – Rosa Weber, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski ou Luis Roberto Barroso – mudar sua posição no julgamento presencial, algo raro de ocorrer. O custo para a União é estimado em R$ 16,5 bilhões, segundo a LDO.
Um terceiro processo envolvendo o PIS e a Cofins, também afetado pela mudança nos julgamentos, discute se eles incidem sobre ganhos das empresas com locação de bens móveis – na maioria dos casos, firmas que alugam equipamentos e máquinas para a construção civil. Marco Aurélio votou contra a cobrança e Alexandre de Moraes a favor.
O presidente do STF, Luiz Fux, levou o caso para o plenário físico e, na retomada do julgamento, Mendonça não poderá votar a favor do governo, para possibilitar a cobrança. A LDO calcula que, em caso de derrota, a União perca R$ 20,2 bilhões.
Outro processo que pode tomar um novo rumo envolve a constitucionalidade de uma multa cobrada pela Receita sobre restituições de tributos considerados indevidos. Se uma empresa deixa de pagá-los por entender que tem direito a isso, mas a Receita discorda, ela pode aplicar “multa isolada” de 50% sobre o valor. As empresas dizem que já existe outra “multa de mora” de 20% para essas situações.
No STF, o assunto começou a ser discutido em 2020 numa sessão virtual. Na época, Celso de Mello votou contra a multa de 50%, acompanhando o relator, Edson Fachin. Fux resolveu levar o caso para um julgamento presencial e nele Nunes Marques não poderá rever a posição de Mello. Se derrotada, a União pode perder R$ 3,7 bilhões.
Voto de Mendonça poderia alterar resultado da “revisão da vida toda” no STF
Na seara previdenciária, a mudança nos julgamentos pode impactar o INSS no julgamento do processo conhecido como “revisão da vida toda”. A ação questiona regra de 1999 que desconsidera contribuições maiores feitas por trabalhadores até julho de 1994 para o cálculo de suas aposentadorias. Em março, numa sessão virtual, formou-se maioria de 6 a 5 para derrubar a regra, e assim aumentar o valor dos benefícios.
No ano passado, quando começou o julgamento virtual, Marco Aurélio votou a favor dos aposentados. Em março, após votar a favor do INSS, Nunes Marques pediu destaque, o que daria a André Mendonça a oportunidade de votar no lugar de seu antecessor e virar o placar. Com a preservação do voto do ministro aposentado, isso não será mais possível.
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