Revés no combate à corrupção
Por
Thaméa Danelon – Gazeta do Povo

Rio de Janeiro – Edifício sede da Petrobras no Centro do Rio. (Fernando Frazão/Agência Brasil)


Imagem ilustrativa.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A operação Lava Jato demonstrou a ocorrência de um acordo espúrio entre uma dezena de construtoras, partidos políticos, operadores financeiros, e executivos da Petrobras. O referido acordo consistia na realização de cartéis entre as empreiteiras com intuito de combinar preços superfaturados em licitações realizadas pela estatal. Os valores do preço eram repartidos entre três partidos políticos, o Partido dos Trabalhadores (PT), que era o governo da situação durante 2003 a agosto de 2016; o Partido Progressista (PP); e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sendo estes dois últimos partidos da base aliada.

Os responsáveis pelas principais diretorias da Petrobras – Abastecimento, Internacional e Serviços – recebiam uma generosa fatia da propina, e as indicações desses diretores eram feitas pelos três partidos mencionados. O PT era responsável pela indicação da Diretoria de Serviços, tendo nomeado o executivo Renato Duque, e o operador financeiro era João Vaccari. A Diretoria de Abastecimento era de indicação do PP, onde Paulo Roberto Costa foi nomeado, e o operador era o doleiro Alberto Youssef; já o MBD indicava o titular para a Diretoria Internacional, sendo nomeado Nestor Cerveró, e o respectivo operador era Fernando Baiano.

Todos os envolvidos eram remunerados com valores públicos desviados da Petrobras, e as construtoras eram agraciadas com obras bilionárias, tanto no Brasil como em outros países, incluindo Angola, Argentina, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Moçambique, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela. A título de ilustração, devemos lembrar que o ex-gerente da Diretoria de Serviços, Pedro Barusco, após realizar acordo de colaboração premiada e reconhecer os crimes praticados, devolveu aos cofres públicos a estratosférica quantia de 100 milhões de dólares, que recebeu como propina e encontrava-se depositada em bancos suíços.

Paulo Roberto Costa possuía no exterior R$ 79 milhões obtidos ilicitamente, valor que também foi devolvido à Petrobras. Durante o avanço das investigações, as construtoras envolvidas na Lava Jato realizaram acordos de leniência com os órgãos de investigação, como Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União. Por conta de tais acordos, já foram devolvidos mais de 6 bilhões de reais aos cofres públicos pelas empreiteiras envolvidas nos escândalos de corrupção.

Somente no ano de 2017, em apenas 10 dias, a Braskem – petroquímica do Grupo Odebrecht – devolveu R$ 736,5 milhões, e a Andrade Gutierrez R$ 94 milhões. Em julho de 2019, a Camargo Corrêa se comprometeu a devolver R$ 1,4 bilhão em acordo de leniência. Somando-se todos os acordos, as construtoras deveriam devolver R$ 8 bilhões, sendo certo que já foram pagos R$ 1 bilhão.

A Lava Jato demonstrou a realização de obras completamente irrelevantes e altamente custosas, muitas delas com  objetivo principal não de atender aos interesses da sociedade brasileira, mas, sim, irrigar os bolsos de políticos corruptos e empresários desonestos

Entretanto, atualmente as empresas Odebrecht (atual Novonor), Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e UTC pretendem revisar seus acordos de leniência e as justificativas oferecidas por elas seriam as dificuldades financeiras em que se encontram, por conta da recessão econômica; efeitos da pandemia; e também pela não existência de grandes obras públicas atualmente. Devemos voltar a atenção para esse último ponto trazido pelas construtoras, qual seja: o fim das grande obras, e constatar que esse ponto é extremamente positivo.

Evidentemente, obras de infraestrutura – ao menos as de fato necessárias – são primordiais para o crescimento e progresso de uma nação. Contudo, o que a Lava Jato demonstrou foi a realização de obras completamente irrelevantes e altamente custosas, muitas delas com  objetivo principal não de atender aos interesses da sociedade brasileira, mas, sim, irrigar os bolsos de políticos corruptos e empresários desonestos. Como exemplo, podemos citar a Refinaria Abreu e Lima no Nordeste, uma obra que jamais se pagará. O orçamento inicial para sua construção foi de US$ 2 bilhões, contudo, resultou em um custo final à Petrobras de US$ 18 bilhões.

Também foi demonstrado o superfaturamento de quase todos os estádios construídos e reformados para a Copa do Mundo de 2014, havendo grandes indícios de corrupção nessas obras, tais como os estádios de Manaus, Natal, Brasília e Cuiabá, sendo que em alguns estados não há nem campeonatos de futebol de relevância nacional.

Possivelmente há um grande fator que impulsionou esse movimento das empreiteiras para tentar renegociar seus acordos de leniência, o desmonte da Lava Jato, ocasionado, principalmente, pelas mais altas cortes de nosso país, as quais anularam inúmeros processos de diversos envolvidos, como os dos ex-presidentes Lula e Temer; do ex-ministro Guido Mantega; e do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha.

Além dessas anulações, os tribunais soltaram diversos réus, disseminando uma percepção de impunidade e desesperança no efetivo combate à corrupção. É por isso que as empreiteiras pretendem surfar nessa onda de anulações, solturas e prescrições, com o intuito de lucrarem, novamente, por conta de um sistema de Justiça disfuncional, ineficiente e benevolente com a criminalidade.

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