Ninguém gosta de perder

 Por André Vellozo* – O Estado de S. Paulo

Megaciclos caminham para o poder dos dados 

Megaciclos caminham para o poder dos dados 

As cinco maiores empresas de dados do mundo valem juntas US$ 7,2 trilhões, enquanto os cinco maiores bancos do mundo valem apenas US$ 1,2 trilhão. Existe uma diferença de US$ 6 trilhões, entre quem processa quase todos os dados e quase todo dinheiro do planeta. Neste exato momento, Big Tech e big finance colidem, e silenciosamente desenham novas fronteiras para negócios, infraestrutura e clientes.

Com a mudança do paradigma tecnológico de software para dados, países, empresas e indivíduos, disputam soberania, capacidade e autonomia de processamento de dados. Esta é uma das maiores mudanças da história da humanidade, pois impacta o modo de produção e a economia. Nos próximos anos o PIB global poderá atingir US$ 1 quatrilhão. O desafio é a redução da assimetria.

É normal sentirmos medo diante de tamanha mudança. Entre explicações e justificativas, erros e acertos, o mundo de tecnologia e o de finanças, disputam o protagonismo deste momento. Porém, duvidar da criatividade e da capacidade de construirmos um futuro melhor nunca foi a atitude que impulsionou a humanidade. Entre estar certo ou ser feliz, uma coisa é verdade, pessimismo e medo não são bons conselheiros. Eu garanto.

Dada a turbulência do mercado nas últimas semanas, a queda histórica da Nasdaq, e as mensagens persistentes de retração, inflação e recessão, achei que poderia ser valioso compartilhar uma visão particular sobre o que realmente está acontecendo e por quê. E especialmente, apontar algo muito maior que parece estar passando desapercebido.

O software e o mundo

Em 20 de agosto de 2011, o cofundador do Netscape e investidor, publicou um artigo no Wall Street Journal: “Por que o software vai comer o mundo.”

Sua previsão era de que as empresas de software iriam atacar e transformar indústrias tradicionais em todo o mundo. Em português seria: “disruptar”. O artigo no Wall Street Journal foi uma estaca no chão e um grito de guerra para a indústria do software: “O vencedor leva tudo!”

Em diversos países, empreendedores e investidores fizeram surgir milhares de startups. Assistimos indústrias e mercados serem transformados, e empresas desaparecerem frente ao surgimento de gigantes como a Amazon, Netflix, Airbnb, WeWork, Uber e outros. Dez anos e mais de 1.000 unicórnios depois, podemos dizer que o “software já comeu o mundo!”

Hora de encarar a realidade. Construir negócio tecnológicos, de alto crescimento, alta margem e altamente defensáveis é brutalmente mais difícil agora. Há menos empresas e setores frágeis o suficiente para se “disruptar”, e o modelo “o vencedor leva tudo” parece que atingiu seus limites.

Está provado que é possível escalar uma companhia muito rápido e dominar todo um mercado. O Vale do Silício tem receita e métricas, gurus e frameworks para isso. Mas, depois de escalar desta forma, se você quiser rentabilizar, vai ser necessário descer camada por camada do negócio, e enquanto faz isso vai precisar manter o monstro vivo. Este esforço não custa duas, mas três vezes mais do que o caminho convencional: uma para escalar, outra para rentabilizar e a terceira para manter o monstro vivo enquanto faz as duas primeiras. Precisa de muito dinheiro.

Startups podem transformar mercados e indústrias tradicionais e até criar ciclos verticais de disrupção. Mas elas são, desde o nascimento, limitadas ao tamanho de seus mercados-alvo.

Com a terceira maior queda histórica da Nasdaq dos últimos 20 anos, as avaliações de unicórnios (startups avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais) despencaram, e ajudaram a arrastar o mercado de ações de tecnologia com eles. É o fim da era dos unicórnios. A mensagem do mercado é: evite a espiral da morte e não pense em elefantes cor de rosa!

É verdade que a recente turbulência do mercado e as persistentes tensões macroeconômicas explicam muito disso, e que as séries de TV WeCrashed e The Dropout colaboram para se criar uma percepção duvidosa da indústria. Mas não se engane nem por um segundo, há algo muito maior por trás disso. Forças de inovação e disrupção impulsionam mercados e o mundo. De uma maneira ou de outra.

Megaciclos de inovação e disrupção

Um megaciclo emerge de uma mudança no paradigma tecnológico causada pela disrupção. Megaciclos são fenômenos poderosos que redefinem as relações nas camadas de tecnologia e impactam o modo de produção da sociedade. 

Megaciclos podem ser testemunhados toda vez que uma bolha de tecnologia estoura. Quando o valor dentro dela – pessoas, conhecimento, propriedade intelectual, produtos, conscientização do consumidor – não pode mais ser transformado em riqueza pelas empresas investidas, e torna-se parte do combustível para o próximo ciclo.

O negócio do venture capital é investir em terceirizar riscos de inovação em P&D, e financiar alguma disrupção vertical, enquanto promove a disrupção que trará o próximo megaciclo. As companhias e fundos que navegam megaciclos são as que dão o nome e a reputação a atividade.

O último megaciclo mudou o paradigma tecnológico de hardware para software, e os investimentos “em” e pró-tecnologia fizeram o PIB Mundial expandir cerca de US$ 77 trilhões, indo de US$ 7,3 trilhões em 1977, para US$ 84,7 trilhões em 2020.

Megaciclos produziram as maiores empresas do planeta e também os maiores fundos de venture capital. Confundir inovação com disrupção é onde o dinheiro troca de mãos. Por isso venture capital só tem sucesso de verdade nos ciclos de disrupção.

Companhias de tecnologia podem gerar ciclos de disrupção em indústrias e negócios tradicionais. Mas, quando a inovação consegue encontrar seu caminho para revolucionar o próprio mercado de tecnologia, ela pode desencadear um megaciclo.

Neste exato momento, estamos experimentando os sinais do maior megaciclo de todos os tempos. Se há dez anos o motto foi o “software vai comer o mundo”, nos próximos anos será “dados vão regenerar o planeta”.

Um megaciclo é um fenômeno de convergência, onde negócios, tecnologia e sociedade se combinam em um só vetor e geram a energia para se criar um tipo muito diferente de companhia: as high-tech disruptor companies (HTDs). Estas sim criam riqueza exponencial.

Como encontrar uma HTD? Com as feridas das últimas semanas na psique dos investidores, o mercado de ações evitará chavões tecnológicos por algum tempo. Essa é uma oportunidade para ser assertivo.

Não há como diferenciar uma HTD de uma empresa comum usando as métricas padrão. Então, antes de começarmos a questionar valuations, vamos tentar entender como a última geração de disruptores fez o que fez. Confirmemos se estamos vendo mesmo os sinais do próximo megaciclo e se conseguimos verificar o surgimento de uma sólida mudança de paradigma.

Como HTDs desafiam o status quo, elas são raras, evasivas e sensíveis ao tempo. Da mesma forma, os investidores com mandato e capazes de identificar este tipo de oportunidade são poucos e distantes entre si. Por isso é necessário se criar um framework que ajude investidores a identificarem este tipo de oportunidade.

HTDs são gestadas lentamente. Levam cerca de oito anos para aparecerem. Período onde testam sua tese pioneira, e se preparam pacientemente para o momento de disrupção. Possuem fundadores e time emblemáticos. Preservam e amadurecem seu core-team, tecnologia e estratégia.

Durante os anos de gestação elas retêm o P&D e não tem “sucesso” em ir a mercado. São companhias que enfrentaram incontáveis tipos de adversidades, inclusive políticas e econômicas, pois são forjadas no contra-fluxo do mercado. É um trade-off duro para quem experimenta. Esse trade-off desenvolve uma clareza de propósito que outras companhias custam a encontrar ou pagam caro para achar depois de lançadas. Esse processo cria a base para acelerar penetração de mercado, muitas vezes com grande upside de valor de marca.

Investir agora em HTDs irá desencadear o próximo megaciclo. Uma vez encontradas, e caso se comportem como suas antecessoras, estas companhias podem se tornar de grande valor para a economia global, liderando mercados muito maiores do que qualquer outra companhia na história.

O brasileiro André Vellozo é um dos funddores da startup DrumWave, que quer auxiliar usuários a ganharem dinheiro com a venda dos dados pessoais

O brasileiro André Vellozo é um dos funddores da startup DrumWave, que quer auxiliar usuários a ganharem dinheiro com a venda dos dados pessoais

Mudança de paradigma

O modelo de negócios que permite que as camadas do stack de tecnologia que conhecemos funcionem é o de monetização de aplicações. Vendendo software monetiza-se também o fabricante de devices, o sistema operacional, o carrier, o Wi-Fi, a cloud, o fabricante de micro-processadores, enfim, todos aqueles envolvidos na cadeia de computing, networking e storage. Menos o consumidor final. Este paga a conta.

Até este momento, o software foi fundamental para o mundo produzir dados valiosos. Mas agora o mundo depende de dados para produzir software valioso.

A transformação digital e a monetização dos dados miram a disrupção da indústria de tecnologia, estão transformando suas regras de engajamento e por consequência a forma como entendemos as nossas vidas, e os negócios.

Novas regras de custódia e hostingvaluation de dados, e a categorização de dados como um novo tipo de asset, estão promovendo a disrupção da indústria de tecnologia. Se dados são realmente um asset, o benchmark não é o da indústria de tecnologia nem o de marketing. O benchmark é o mercado financeiro.

A recente regulamentação focada na privacidade dos dados tratou de reforçar as barreiras entre as diferentes camadas do stack, e reforçou tembém os limites entre as relações que ocorrem dentro dele. Ela surge com o objetivo de proteger o titular do uso não autorizado de seus dados. Para impedir que qualquer um dos agentes do stack faça o uso fora do objeto de seu contrato e da natureza de sua relação com o usuário.

Esta mudança do paradigma de tecnologia transforma omodelo de negócios, de monetização de aplicações para monetização de dados. Diferente da privacidade, mas não em oposição a ela, a propriedade de dados trata da liberdade que o usuário tem de explorar o valor dos seus dados, e re-estabelecer o papel de cada agente do stack. Desta vez, empodera o usuário, dando a ele autonomia sobre o valor dos seus dados.

O próximo megaciclo

O próximo megaciclo muda o paradigma tecnológico de software para dados, e caso se comporte da mesma forma que o ciclo anterior promete expandir o PIB mundial em aproximadamente US$ 841 trilhões, indo de US$ 84,7 trilhões em 2020, para próximo de US$ 1 quatrilhão em 2062. Com esta projeção se refletindo também no valor de mercado capturado pelas líderes do ciclo, teríamos cerca de US$ 80,2 trilhões a serem capturados como valor de mercado pelos HTDs desta megaciclo.

Como chegamos até aqui?

O Vale do Silício tem perdido sua vitalidade. Todo mundo é livre para escolher as brigas que quer brigar, mas quem compra fraqueza, paga por fraqueza e no final leva fraqueza. Nos últimos anos procurou-se projetos fáceis, em indústrias e mercados frágeis, para atrair dinheiro fácil e usou-se uma fórmula para escalar a própria ideia de escalabilidade. Mas explorar a fraqueza tem limites.

À medida que a Singularity University promovia o sonho de se replicar Vales do Silício pelo mundo – unicórnio após unicórnio – a idéia de que o “software vai comer o mundo” foi sendo reforçada. Bem no finalzinho de um megaciclo, investidores e empreendedores de todo o mundo impulsionaram métricas agressivas de “o vencedor leva tudo!” em diversas HTD. Kaput!

HTD não são unicórnios. Eles não podem ser produzidos artificialmente. Sua mágica é entregar riqueza exponencial. HTD são o espírito que define a geografia do que pode ser chamado de Vale do Silício.

Como fizeram seus predecessores, HTD tem a missão de enfrentar o status-quo. Não tratam de desafiar motoristas de taxis, nem atacar mercados maduros barateando serviços financeiros para depois fazê-los caros novamente. HTD criam valor e riqueza ao mesmo tempo. Isso exige uma ética e um respeito pelo propósito do negócio, do tipo que empresta o significado ao respeito pelo dinheiro.

Ninguém tem se esforçado mais para encontrar um HTD do que Masayoshi Son. Se você carrega as cicatrizes do fim do último Megaciclo, lembre-se das recentes perdas de US$ 27 bilhões do SoftBank.

Enquanto o mundo gira inevitavelmente em direção à disrupção ou disfunção, o a16z – uma das mais respeitadas firmas de Venture Capital do Vale do Silício – acaba de patrocinar uma rodada de US$ 70 milhões para financiar a companhia de blockchain de Adam Neumann, o fundador da WeWork. Você percebe a lacuna? Você consegue ver o ciclo?

Uma vez que o alvo está na mira, timing é tudo. Entramos em uma era onde deixar de ganhar é muitas vezes pior do que perder.

*é cofundador da DrumWave, possui mais de 20 patentes registradas no USPTO e mora em Palo Alto, Califórnia

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By valeon