Editorial
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Gazeta do Povo

Dinheiro / Real – 25-05-2017 – O Real é a moeda corrente oficial da República Federativa do Brasil e é conhecida pelo R$l. A cédula de um real deixou de ser produzida, entretanto continua em circulação alguns exemplares. As demais cédulas de real continuaram sendo produzidas normalmente pela Casa da Moeda. Entre elas, as notas de: 2,5,10,20,50 e 100. Na foto, detalhes de uma nota de 100 reais.


Tripé macroeconômico adotado no governo FHC foi abandonado e trocado pela “nova matriz econômica” no governo Dilma.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Desde o sucesso do Plano Real, implantado em julho de 1994, com o qual o Brasil conseguiu vencer a inflação crônica que havia anos vinha impedindo crescimento econômico e desenvolvimento social seguro e contínuo, tornou-se uma espécie de consenso que, qualquer que seja o governante eleito, a política econômica deve ter um eixo estrutural básico estável. Um dado eixo foi escolhido, planejado e implantado no governo Fernando Henrique Cardoso e tinha por base um tripé: austeridade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante. Embora existam outras opções de política econômica, é necessário que o eixo estrutural escolhido tenha bases sólidas e seja mantido por tempo suficiente para apresentar resultados, sem o que não é possível avaliar suas qualidades e eventuais defeitos.

A economia de um país carrega as bases estruturais de sua realidade, aquilo que é o esqueleto da economia nacional, e sofre as influências das situações e eventos conjunturais, aqueles que acontecem em determinados momentos e mudam com o tempo, mas que interferem fortemente no desempenho produtivo e no desenvolvimento social. Como elementos estruturais, o Brasil tem seus recursos naturais – extenso território, condições para uma rica agropecuária, abundantes fontes de água doce, amplas reservas minerais, biodiversidade única etc. –, uma realidade urbana composta de 5.570 municípios, dos quais 80% têm menos de 50 mil habitantes, as vias de transporte rodoviário e ferroviário, o sistema portuário aéreo e marítimo, e um sistema estatal consolidado. Essa realidade está dada e é sobre ela que a política econômica deve trabalhar.

A estrutura econômica brasileira – que tem outros componentes além dos citados – é de expansão lenta e relativamente difícil, e é considerando essa realidade que a política econômica deve escolher as intervenções onerosas (as que exigem recursos financeiros para sua execução, como é o caso dos investimentos em infraestrutura física) e as intervenções não onerosas (que não exigem dinheiro, pois são regras de comportamento e ação diária, como leis que criam monopólios, velocidade máxima em rodovias etc.). Praticamente não há discordância quanto aos objetivos socioeconômicos principais, que são o crescimento econômico, a geração de empregos, a superação da pobreza, o aumento da renda por habitante e, por consequência, a melhoria do padrão de vida de toda a população.

A gestão da política não comporta invencionices nem ideias mirabolantes, principalmente ameaças de ruir as bases da economia livre de mercado e o ambiente institucional favorável ao empreendedorismo e aos negócios

A cada eleição presidencial, os concorrentes sempre prometem fazer o país crescer e melhorar as condições de vida de todos e, em linhas gerais, praticamente todos prometem política econômica boa, sólida e conducente à prosperidade material, ainda que divirjam sobre os caminhos que prometem trilhar para atingir os objetivos. Há certo consenso no meio político de que o controle da inflação, o equilíbrio das contas públicas e os resultados positivos nas contas externas são elementos necessários para a saúde econômica do país e para criar um clima favorável ao investimento privado nacional e estrangeiro.

Quando Lula foi eleito presidente, em 2002, havia dúvida razoável sobre como ele iria gerenciar a economia, já que o discurso radical do PT, desde a criação do partido, era baseado em certo ódio ao capitalismo, amor ao socialismo e forte inclinação ao aumento do tamanho do setor estatal. Percebendo que a imagem de seu partido era de certo radicalismo anticapitalista, Lula divulgou durante a campanha a “Carta aos Brasileiros”, na qual prometia respeitar as bases de uma economia saudável, sem radicalismos nem aventuras socialistas. Uma vez eleito, seu governo foi beneficiado por uma conjunção de fatores – como a ausência de crise internacional, expansão das exportações de commodities e aumento dos preços dos produtos brasileiros exportados – e, apesar do escândalo do mensalão, surgido em 2005, o primeiro governo de Lula terminou com bom índice de aprovação, devido à boa situação das contas externas, controle das contas públicas e da inflação, e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que, sem ser extraordinário, foi bom.

Qualquer governo que consiga sucesso em algumas áreas e algumas políticas públicas não colhe êxito e popularidade caso se saia mal nas cinco áreas essenciais: situação fiscal, contas externas, inflação, crescimento e emprego. O mérito de Lula foi o de, no primeiro mandato, ter apoiado as autoridades econômicas no trato com responsabilidade da política fiscal, da política monetária e da política cambial, seguindo as bases montadas no governo Fernando Henrique Cardoso, e não ter cedido às pressões de alas do seu partido para “mudar tudo que aí está”. Quanto à boa situação das contas do país com o resto do mundo e o aumento das reservas internacionais, isso foi possível graças à elevação nas receitas de exportação causadas pelo aumento constante dos preços internacionais das commodities exportadas pelo Brasil.

A tentação gastadora, no entanto, revelou-se mais forte no fim do segundo mandato de Lula, que lançou as bases da “nova matriz econômica” aplicada com toda a força por sua sucessora, Dilma Rousseff. Os maus resultados colhidos em seu governo deveram-se, em boa parte, à reversão da boa situação internacional, à ampliação de gastos com o funcionalismo estatal deixada como legado por Lula (derivada de generosos reajustes salariais e aumento do quadro de servidores), além, é óbvio, dos enormes erros cometidos por Dilma e Guido Mantega – ministro da Fazenda entre 2006 e 2014 –, especialmente o abandono do tripé macroeconômico que vinha desde FHC. A brutal recessão dos anos 2015 e 2016 resultou da retração internacional, dos erros de Dilma e da baixa taxa de investimentos, especialmente em infraestrutura física. Os baixos investimentos sempre foram a marca do Brasil, permaneceram assim no governo de Lula e Dilma, e tornaram-se um dos maiores entraves ao crescimento da economia e da melhoria social.

A questão essencial é que somente uma política econômica com bases sólidas, reconhecidas e que se mantêm estáveis por anos seguidos é capaz de fornecer as condições para a expansão dos investimentos estatais, criar um ambiente favorável ao aumento dos investimentos privados e fazer o Produto Interno Bruto (PIB) crescer continuamente de forma a elevar a renda por habitante, conseguir baixas taxas de desemprego, reduzir a pobreza e melhorar o bem-estar social. A gestão da política não comporta invencionices nem ideias mirabolantes, principalmente ameaças de ruir as bases da economia livre de mercado e o ambiente institucional favorável ao empreendedorismo e aos negócios.

O mundo está cheio de exemplos de países, alguns bem próximos do Brasil, que empobreceram por culpa de governos hostis ao capitalismo, à propriedade privada e ao empreendedorismo. Se a economia piora todos os anos, ninguém consegue impedir o aumento do desemprego e da pobreza, o agravamento dos problemas sociais e o empobrecimento geral, mesmo que o país seja rico de recursos naturais. A economia não é uma ciência exata, mas cobra um alto preço das nações que agridem sua lógica e aplicam experimentos heterodoxos que nunca deram certo em nenhum país.


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