Crise institucional

Por
Alexandre Garcia – Gazeta do Povo

Estátua da Justiça Supremo Ttribunal Federal A Justiça é uma escultura localizada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, feita em 1961 pelo artista plástico mineiro Alfredo Ceschiatti. Publicado em 21/11/2019 –


Símbolo da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O trágico incidente em Foz do Iguaçu mostra o quanto os ânimos estão acirrados por causa da eleição de outubro. Muita gente alerta para o risco de uma ruptura institucional. Gente que deve estar em outro país, porque rupturas institucionais estão ocorrendo na cara de todos nós. A primeira foi em 31 de agosto de 2016, quando a presidente foi condenada, mas não respeitaram o parágrafo único do artigo 52 da Constituição, pelo qual presidente condenado fica inabilitado de exercer função pública por oito anos. Presidia a sessão de julgamento no Senado o próprio presidente do Supremo, tribunal guardião da Constituição. Depois disso, infringiram até cláusulas pétreas do artigo 5.º, em que direitos e garantias fundamentais foram cancelados, a despeito de o artigo 60 proibir sua abolição.

Além disso, o artigo 53, sobre a inviolabilidade de senadores e deputados por quaisquer palavras, foi para o lixo, assim como o artigo 220, que trata da liberdade de expressão por qualquer processo e a vedação da censura. E, culminando, veio o “inquérito do fim do mundo”, assim chamado pelo dissidente ministro Marco Aurélio, que deixa perplexo quem pensa que é pedra de toque do direito o devido processo legal. No inquérito, quem se sente vítima ou ofendido é quem investiga, denuncia, julga e pune, seja quem for, mesmo sem ter foro no Supremo. Tudo isso sem falar nas intromissões em outros poderes, como mandar o Senado abrir CPI ou proibir o chefe de governo de nomear um subordinado.

Muita gente alerta para o risco de uma ruptura institucional. Gente que deve estar em outro país, porque rupturas institucionais já estão ocorrendo na cara de todos nós

Assim, preocupar-se com ruptura futura é passar recibo de alienação da realidade. E quem não fica preocupado com isso age como o personagem do poema de Martin Niemöller: um dia levaram seu vizinho judeu; no outro, seu vizinho comunista; depois, seu vizinho católico, e ele não se importou por não ser judeu, comunista, nem católico. No quarto dia o levaram e já não havia ninguém para reclamar. Tem gente que até torceu para levarem seus contrários, mas vejam o que escreveu Eduardo Alves da Costa em “No Caminho, com Maiakovski”: Primeiro roubam nossa flor e nada dizemos; depois, pisam no jardim e matam nosso cão, e não dizemos nada. Depois, o mais frágil deles entra em nossa casa, rouba-nos a luz e, “conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta e já não podemos dizer nada”.

Enquanto for com os outros, silêncio. Mas esse silêncio cúmplice também é um silêncio do suicídio de nossos direitos e liberdades. Está tudo posto na mesa; já aconteceu, já pisaram nas nossas flores, já levaram nosso vizinho. Poucas vozes gritam no Senado, onde se ouve o silêncio da omissão. O ativismo judicial se expande ante o passivismo de senadores, nos quais o medo arranca a voz da garganta. No crime de estupro, a medicina legal estuda o hímen complacente. No Brasil de hoje, o estupro da Constituição é admitido por mentes complacentes.

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