Pagamento instantâneo
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Cristina Seciuk – Gazeta do Povo
Lançado em novembro de 2020, o Pix começou a ser desenhado ainda em 2018 dentro do Banco Central.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Menos de dois anos depois de lançado, o Pix se consolidou como um dos principais meios de pagamento do país. Em operação desde novembro de 2020, a ferramenta teve rápida e forte adesão do brasileiro, que encontrou nele uma alternativa descomplicada e gratuita para a realização de transferências eletrônicas: foram mais de 9,5 bilhões de transações no ano passado e 9,7 bilhões só no primeiro semestre de 2022, com movimentação que supera a cifra dos R$ 4,6 trilhões.
Mas, para o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o sucesso do pagamento instantâneo seria motivo de descontentamento e indisposição de banqueiros com o governo de Jair Bolsonaro. O fato de representantes de “bancões” terem assinado a carta em defesa da democracia e da urna eletrônica foi encarado por Nogueira como uma espécie de retaliação.
Outra movimentação similar foi divulgada nesta quarta-feira (27). A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) decidiu assinar manifesto de teor semelhante, intitulado “Em Defesa da Democracia e da Justiça”, a ser lançado em agosto e que já conta com apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e de outras organizações da sociedade civil.
Em seu Twitter, ainda antes do posicionamento da Febraban, o ministro escreveu que essas instituições perderem R$ 40 bilhões ao ano com o Pix e, por isso, “não surpreende que o prejudicado assine manifesto contra o senhor”, em referência ao presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL).
O ministro não citou a fonte da informação sobre os supostos R$ 40 bilhões anuais perdidos. Segundo reportagem de fevereiro do jornal O Estado de S. Paulo, os quatro maiores bancos do país listados na B3 – Itaú Unibanco, Bradesco, Banco de Brasil e Santander – teriam perdido R$ 1,5 bilhão como consequência do Pix em 2021. Por outro lado, as receitas gerais das instituições cresceram e o lucro foi recorde, somando R$ 81,63 bilhões no ano, o maior desde 2006, de acordo com a Economatica.
Outros integrantes do governo já deram a entender que o Pix deve entrar no debate eleitoral. “O presidente tem muita coisa para mostrar no período eleitoral. Ninguém sabe que o Pix foi projeto do governo dele”, disse o ministro das Comunicações, Fábio Faria, em maio.
O próprio Bolsonaro afirmou neste ano que o pagamento instantâneo é uma ação de seu governo, muito embora inicialmente tenha dito desconhecer o sistema. Em 5 de outubro de 2020, dia em que o cadastro de chaves Pix foi liberado, o presidente respondeu o seguinte ao ser parabenizado, por um apoiador, pela implantação do pagamento instantâneo: “Não tomei conhecimento. Vou conversar esta semana com o Roberto Campos [presidente do Banco Central]”.
Pix já afeta TEDs e DOCs, mas não arranha lucros dos bancos
Superveloz, sem taxas para pessoas físicas nem restrições de horário, o Pix viu seu número de usuários cadastrados saltar 72% na comparação entre março de 2021 e o mesmo mês de 2022. É o que mostra pesquisa da Febraban realizada pela Deloitte, que aponta ainda a perda de espaço de outros serviços.
Dados do Banco Central dão conta de que o Pix superou os tradicionais (e custosos) TED e DOC oferecidos pelos bancos já em março de 2021, quando deixou para trás também os popularíssimos boletos em volume de utilização. Agora, os achados da Deloitte para a Febraban demonstram que o sistema de pagamento instantâneo vem substituindo parcialmente essas modalidades.
Conforme os dados, transferências por meio de TEDs e DOCs registraram quedas de 26% no mobile e de 38% no internet banking entre os anos de 2020 e 2021, como efeito da chegada do Pix. Apesar desse relativo esvaziamento, a avaliação geral dentro do setor bancário sempre foi de que há espaço para os mais diversos serviços, sem expectativa de que a novidade tivesse o condão de decretar o fim de outros tipos de transferência.
Ainda antes de o Pix se tornar realidade, a própria Febraban já defendia que os três serviços conviveriam e seriam utilizados conforme a conveniência do usuário, cada qual com características próprias e capazes de atender a necessidades também variadas. Em paralelo, o advento dos pagamentos instantâneos abriu outras oportunidades e novos modelos de negócios, como a oferta de empréstimos de baixíssimo valor, fazendo girar a roda de serviços apesar do revés do Pix.
Em alusão a essas esperadas novidades, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou em novembro de 2020 que “o [cenário de] futuro tende a ser os bancos terem uma fatia menor, mas de uma torta muito maior”, sem perdas de receita que prejudicassem os grandes do setor independentemente de avanços na concorrência.
Banco Central: o pai do Pix
O sistema de pagamentos instantâneos passou a integrar o repertório financeiro do brasileiro durante a presidência de Bolsonaro. Mas o Pix é parte de uma agenda mais ampla e de longo prazo do Banco Central, que tem a modernização do sistema bancário como um de seus focos e que extrapolou mandatos.
Chamada originalmente de Agenda BC+, ela foi lançada pelo Banco Central em dezembro de 2016, poucos meses depois de Michel Temer (MDB) assumir o Executivo em decorrência do afastamento e posterior impeachment de Dilma Rousseff (PT).
A agenda foi estruturada sobre quatro pilares: mais cidadania financeira, legislação mais moderna, Sistema Financeiro Nacional (SFN) mais eficiente e crédito mais barato. A partir deles, o Banco Central elencou ações a serem desenvolvidas nos anos seguintes para alcançar avanços em cada um dos segmentos e “gerar benefícios para a sociedade brasileira”, com espaço para que ela fosse “complementada e aperfeiçoada ao longo do tempo”.
Em seu primeiro ano, 2017, a Agenda BC+ ficou concentrada nas quatro linhas originais, com avanços como a aprovação do marco legal punitivo do sistema financeiro, limitações no uso do crédito rotativo e estudos sobre o modelo de autonomia do Banco Central. Foi em 2018, ainda na presidência de Michel Temer e com o BC sob Ilan Goldfajn, que outras ações passaram a compor a agenda. Entre elas estavam os pagamentos instantâneos, que foram tema de um grupo de trabalho dedicado dentro do Banco Central e que contou com a participação de cerca de 130 instituições como bancos, fintechs e cooperativas.
O fórum durou sete meses e encerrou atividades com a divulgação dos requisitos fundamentais para o ecossistema de pagamentos instantâneos brasileiro, lançando as bases para o que viria a ser o Pix.
O comunicado, datado de dezembro de 2018, estabelece as características básicas do sistema, inclusive a governança para a definição de regras, as formas de participação, a infraestrutura centralizada de liquidação, os serviços de conectividade e o provimento de liquidez.
Conforme o documento, “o Banco Central do Brasil atuará na liderança do desenvolvimento dos pagamentos instantâneos no Brasil, com o objetivo de criar, de uma perspectiva neutra em relação a modelos de negócio ou participantes de mercado específicos, as condições necessárias para o desenvolvimento de um ecossistema de pagamentos instantâneos que seja eficiente, competitivo, seguro, inclusivo e que acomode todos os casos de usos”.
Já em 2019, primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro, a Agenda BC+ foi reformulada. Rebatizado como Agenda BC#, o projeto passou a incluir verticais de inclusão, competitividade, sustentabilidade e transparência junto dos pilares anteriores de queda no custo do crédito, modernização da lei e eficiência no Sistema Financeiro Nacional. Sob a bandeira da competitividade, com foco em inovação, os pagamentos instantâneos avançaram seguindo a trajetória que já havia sido posta em curso dentro da instituição.
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