Homenagem

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo


Leonardo da Vinci: queimado na fogueira por questionar a infalibilidade das urnas eletrônicas.| Foto: Reprodução

Eu estava tranquilo, bebendo uísque com suco de boitatá, ouvindo punk rock gaúcho e lendo “A Lua Vem da Ásia”, clássico nonsense de Campos de Carvalho (o autor homenageado por esta crônica), quando me deparei com a notícia de que o Tribunal Superior Eleitoral [ajoelha-se e faz reverência] decidiu redobrar os esforços para conter a disseminação de “fatos sabidamente inverídicos” sobre as urnas eletrônicas, o sistema eleitoral, o surgimento do Universo e a extinção dos dinossauros. Aí, sem mais delongas, derramei a bebida, escorreguei nas bolinhas de gude que alguém jogou sorrateiramente no chão, bati a cabeça e, quando acordei, comecei a escrever esta crônica.

  1. As primeiras urnas eletrônicas chegaram nas caravelas. Eram instrumentos rudimentares, mas seguros e desde já invioláveis – de acordo com Pedro Álvares Cabral, que acumulava a função de capitão da frota e presidente do TSE à época. Trocadas por pau-brasil, num primeiro momento as urnas eletrônicas foram motivo de festa nas aldeias. Com o tempo, porém, surgiram dúvidas e, com as dúvidas, a desconfiança. A situação piorou depois da eleição apertada da cacique Dilma Guarani-Kaiowá. E só não vou contar o que aconteceu com o bispo Alexandre Sardinha para não ser acusado de fazer apologia ao canibalismo.
  2. Em 1789, golpistas mineiros revoltados com o imposto de 20% cobrado para que a Monarquia pudesse dar a todos, todas e todes saúde, educação, segurança e moradia, planejaram a famosa Inconfidência do Pão de Queijo. Além da diminuição dos impostos e da degola do Rei Roberto Carlos, os fascistas exigiam democracia e eleições livres com voto auditável. Graças a Joaquim Silvério, contudo, a milícia foi desmobilizada e, por 9×2 (de acordo com as urnas eletrônicas da época), Tiradentes foi condenado à forca.
  3. Você sabe que as urnas eletrônicas sempre foram seguras – e ai de quem duvidar! O que você não sabe é que a primeira grande suspeita de fraude envolvendo as maquininhas infalíveis ocorreu em 1888, quando do Plebiscito Nacional Sobre a Escravidão. As pesquisas da época mostravam uma clara vantagem dos escravagistas, embora seu principal líder, João Maurício Wanderley (PT-BA), não pudesse sair às ruas. Com receio de que o resultado da votação pudesse ser manipulado, os abolicionistas até tentaram uma mobilização, mas foram duramente repreendidos. No final das contas, os abolicionistas venceram no segundo turno, mas até hoje há quem diga que foi no primeiro.
  4. No hinduísmo há um deus para cada coisa. Nada mais natural, portanto, que exista lá um templo dedicado às urnas eletrônicas. Projetado por Oscar Niemeyer, o Templo da Tecnologia Perfeita (cuja sigla em sânscrito é TSE) fica na cidade de Faquínia. O templo é habitado por monges positivistas que a cada dois anos realizam o Festival do Voto Eletrônico, que atrai milhões de turistas para verem o ritual em que elefantes, usando togas pretas, pisoteiam imensas caixas cheias de papeizinhos nos quais as pessoas expressam seus sonhos. É cruel.
  5. Em 1912, ano do naufrágio do Titanic (que carregava uma preciosa carga de urnas eletrônicas), Niels Bohr, usando um ábaco que pertenceu a um sábio chinês chamado Xi Jinping (sem parentesco com o ditador atual), fez os primeiros cálculos para a construção de uma urna eletrônica quântica. Por falta de verbas, contudo, o projeto nunca foi adiante.
  6. Ao longo dos séculos, gênios como Leonardo da Vinci, Graham Bell, Nikola Tesla e Patativa do Assaré fizeram diversas sugestões que, em teoria, tornariam as urnas eletrônicas mais seguras e o sistema eleitoral como um todo mais transparente. Por causa disso, todos foram incluídos no Inquérito das Fake News, acusados de heresia contra a autoridade eleitoral constituída e queimados em praça pública.
  7. Adolf Hitler, além de ser vegetariano e genocida, desconfiava das urnas eletrônicas. E aqui vale uma curiosidade etimológica: foi durante o conhecido Discurso Infame Número 5 em Sol Menor, proferido em Nuremberg, que Hitler cunhou a palavra “hacker”, depois de engasgar com uma casquinha de amendoim.
  8. Entre os objetos deixados na Lua por Louis Armstrong e seu primo menos famoso, Neil, estavam um disco dos Beatles, um livro de direito constitucional de Alexandre de Moraes, um berimbau e uma urna eletrônica. Que funciona até hoje!
  9. Em 2019, o iate em que George Soros estava afundou no Pacífico. Obrigado a escolher quem e o que salvar do naufrágio, o bilionário (interpretado por Billy Zane) pulou no bote salva-vidas levando consigo o cartão de crédito corporativo da Open Society e uma urna eletrônica – que mais tarde ele usou para, em Código Morse, e ainda perdido na imensidão azul, determinar os resultados das eleições democráticas no Butão e em Bangladesh.
  10. Nas eleições de 2021, dois hackers, chamados Zé Antônio e Carlos Eduardo, usaram a senha #ForaBozo1234 para invadir o sistema do TSE. O objetivo, declararam os meliantes posteriormente, era só promover a “causa da zoeira” (possivelmente uma referência ao líder nazista Hans Zoeira). Na ocasião, eles usaram o teclado alfanumérico hiper-seguro, bem como o software de altíssima precisão, para escrever 50135 (que, se lido de ponta-cabeça, forma rudimentarmente a palavra “SEIOS”) e promover campeonatos de pingue-pongue eletrônico em milhares de seções eleitorais de todo o país.
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