Política

Por
Diogo Schelp


Para recuperar a agenda contra a corrupção preciso “mudar a música que toca” no Congresso Nacional| Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Ao longo dos anos 90, até a eleição de Lula, em 2002, o PT se apresentava aos cidadãos brasileiros como o único partido verdadeiramente imaculado, contra a corrupção dos partidos “de elite” que comandavam o país. A experiência nos municípios e estados geridos pelo PT até então demonstrava que não era bem assim, mas o país precisou viver os dois mandatos de Lula e o mandato e meio de Dilma Rousseff para finalmente ver derrubada a máscara da ética petista.

Jair Bolsonaro foi eleito na esteira da decepção dos incautos dos tempos do PT e com a promessa de extirpar a prática do toma lá da cá da chamada velha política. O ex-capitão e deputado federal de muitos mandatos de fato conseguiu convencer uma parcela significativa do eleitorado de que era o autêntico candidato contra a corrupção.

Mas antes mesmo de ele assumir a Presidência, já se revelavam para o Brasil as maracutaias típicas do baixo clero parlamentar que ocorriam nos gabinetes da familia, como a prática da rachadinha.

Ao longo de seu mandato, Bolsonaro não avançou na pauta contra a corrupção, seja por não mover uma palha pela aprovação do projeto nesse sentido de seu então ministro e ex-juiz Sergio Moro, seja por não ter apoiado a Operação Lava Jato como havia prometido na campanha. E pensar que muita gente acreditou que faria isso.

Depois, passou a minimizar as evidências de que a corrupção continuou existindo na cúpula do Poder Executivo, como se fosse inevitável.

Mas é injusto afirmar que o presidente é o único responsável pelo retrocesso na agenda contra a corrupção no país. Os ocupantes do Congresso Nacional têm sua parcela significativa de culpa. Esquerda, direita e o velho Centrão uniram-se para esvaziar leis que coibiam o comportamento antiético na gestão pública e para tirar o poder investigativo do Ministério Público. E juntaram-se para reconduzir à chefia do MP um procurador-geral da República que se gaba de “não criminalizar a política” — o que para bom entendedor significa pegar leve com malfeitos por parte daqueles que deveriam representar o povo, em vez de expoliá-lo.

Diante de um cenário eleitoral em que os cidadãos brasileiros parecem dispostos a deixar de lado o tema da integridade para optar entre Lula e Bolsonaro, o caminho que resta para avançar, ou recuperar, a agenda contra a corrupção é o de eleger deputados federais e senadores comprometidos com o tema da ética pública.

É nesse caminho que aposta um novo movimento da sociedade civil chamado Projeto 200+, que pretende apoiar a eleição de parlamentares que se comprometam a atuar e votar no Congresso Nacional em favor de uma lista básica de questões consideradas essenciais para criar um ambiente de maior integridade ética na política.

A lista de compromissos que precisa ser assinada pelos candidatos que pretendem aderir à proposta consiste em fortalecer a democracia com práticas de maior transparência e fiscalização e com a rejeição do uso do orçamento em troca de apoio político; reduzir o fundo eleitoral; apoiar a prisão em segunda instância e o fim do foro privilegiado; renunciar caso seja condenado por corrupção e crimes afins; capacitar-se constantemente para o exercício do mandato.

Para os candidatos que já exercem um mandato legislativo, há a exigência adicional de que tenham trabalhado e votado contra o aumento do fundo eleitoral, contra a PEC que tentou reduzir o poder de atuação do MP e contra a mudança na Lei de Improbidade Administrativa.

Os fundadores do Projeto 200+, que já conseguiram a adesão de candidatos de mais de uma dezena de estados e partidos, afirmam que a iniciativa pretende-se apartidária e aberta a todas as ideologias.

“Sem entrar no mérito do porquê, mas o fato é que a agenda contra a corrupção regrediu nos últimos anos. E percebemos isso porque vimos um corrupto sendo solto e porque continua existindo corrupção no alto escalão do governo”, diz Charles Putz, um dos coordenadores do projeto.

“Atualmente, em qualquer discussão sobre política as pessoas começam a falar sobre a disputa para a presidência. Já o voto para o Legislativo não está recebendo a atenção que merece. Esse é o poder mais importante, que escreve as leis nas quais o Judiciário vai ter que se basear para julgar e que o Executivo terá que seguir, além de ter a responsabilidade de fiscalizar o governo e aprovar o orçamento”, lembra Putz.

“A gente precisa aproximar o Congresso dos eleitores”, complementa Guy Manuel, também coordenador do Projeto 200+.

A diversidade ideológica e a adesão de candidatos de diferentes regiões do país são importantes para os organizadores da iniciativa, pois estão convencidos de que essa não é uma pauta exclusivamente de direita ou de esquerda, urbana ou dos rincões do país.

Segundo um levantamento feito pelo grupo, na atual legislatura não chegou a 8% a proporção de parlamentares que votaram de acordo com a lista acima. Aqueles que atuaram em favor dessa agenda pertencem a quinze partidos diferentes e apenas dois, de espectros políticos antagônicos, têm uma maioria de deputados que votaram de maneira consistente pela pauta da integridade: o Novo e o Psol.

Guy Manuel atribui esse dado em parte ao fato de ambos os partidos terem linhas ideológicas coerentes e por haver um alto grau de coesão de seus integrantes a essas linhas. Mas isso não significa que outros partidos não possam vir a ter também essa característica de adesão majoritária à agenda da integridade ética. Basta mudar a “música que toca no Congresso”, segundo a metáfora usada por Charles.

A meta do Projeto 200+, como o próprio nome indica, é eleger mais de 200 deputados federais e senadores que se comprometam com a lista acima. Mas por que 200 e não a totalidade dos deputados e senadores? Afinal, o desejável seria que todos dançassem conforme a música da ética pública.

Charles Putz explica que, em um grupo de pessoas, haverá sempre uma minoria que está sempre fazendo coisa errada e, no outro extremo, uma minoria radicalmente íntegra e correta. No meio há uma massa grande de pessoas que dançam conforme a música. “Dentro dessa lógica, entendo que no Congresso está tocando a música errada. Se colocarmos lá 20 parlamentares compromissados com essa agenda, vamos provocar bastante ruído na música atual. Se colocarmos 200 ou mais, porém, esses serão capazes, talvez, de mudar a música que está tocando.”

“Trata-se de uma barreira de 40% contra práticas não republicanas na política”, resume Guy.

E o que fazer com os candidatos que, depois de eleitos, resolverem virar as costas para o compromisso assumido com a agenda contra a corrupção? Aí entra o trabalho mais importante e mais difícil da atuação cidadã: acompanhar, fiscalizar e cobrar a atuação dos parlamentares. Aqueles que descumprirem a promessa serão expostos publicamente. Em última instância, podem até ser processados.

Da mesma forma que ganharam vitrine para alavancar suas candidaturas, virarão vidraça caso se afastem dos compromissos firmados.

Diogo Schelp
Diogo Schelp, jornalista, foi editor executivo da revista Veja, onde trabalhou durante 18 anos. Fez reportagens em quase duas dezenas de países e é coautor dos livros “Correspondente de Guerra” (Editora Contexto), finalista do Prêmio Jabuti 2017, e “No Teto do Mundo” (Editora Leya). **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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