Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Por Marcela Villar e João Scheller – Jornal Estadão
Dos 448 deputados federais candidatos à reeleição, 28 apresentaram uma média de um projeto de lei ou menos por ano na atual legislatura. Neste pleito, eles buscam mais um mandato na Câmara – a Casa do Congresso que representa o povo brasileiro e, enquanto instituição do Poder Legislativo, tem entre as funções básicas justamente a elaboração, o debate e a aprovação de leis. Quatro desses parlamentares não encaminharam projeto algum: Nilson Pinto (PSDB-PA), Junior Lourenço (PL-MA), Cristiano Vale (PP-PA) e Hermes Parcianello (MDB-PR).
Ao todo, foram 15.929 projetos levados à Câmara pelos 513 deputados ao longo de pouco mais de três anos e meio. A média é de 31 iniciativas por congressista – cerca de oito por ano. Especialistas ouvidos pelo Estadão ponderam que a atuação de um deputado não deve ser resumida à apresentação de PLs, porém eles são o principal e mais corriqueiro instrumento do Legislativo.
O Estadão coletou as informações no Portal da Transparência da Casa. O levantamento considera as propostas de lei feitas até o início deste mês e descarta deputados suplentes ou aqueles que se licenciaram do cargo para assumir outras funções, como Teresa Cristina (PP-MS) e Onyx Lorenzoni (PL-RS), ambos ex-ministros do governo Jair Bolsonaro (PL).
Há 23 anos em Brasília, Nilson Pinto, por exemplo, está desde 2015 sem sugerir um PL. “Não acredito que este país precise de mais uma leizinha, que mais parece regimento de prédio ou de associação”, afirmou ao Estadão. O deputado disse que tem se empenhado na elaboração de Propostas de Emendas à Constituição (PECs). No atual mandato, ele apresentou uma e redigiu 36 emendas a PECs, além de participar da elaboração do Orçamento. Todas as iniciativas, no entanto, foram em coautoria.
Já Parcianello, que chegou à capital federal antes, em 1995, está no sétimo mandato e, desde 2012, não propõe nenhum PL. Frangão, como é conhecido, é vice-líder do MDB desde 2005 e já foi membro de quatro comissões, como suplente e titular. Procurados, nem ele nem assessores responderam à reportagem. Lourenço não foi localizado. Cristiano Vale, por sua vez, afirmou que “não visualizou nenhum problema específico” para motivar a apresentação de um PL.
Demandas sociais
Cientista político e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Julio Rocha disse que trabalho não falta aos deputados. “A quantidade reduzida de projetos de lei significa que a ação parlamentar também é reduzida. Não há como fazer uma quantificação, mas um projeto por ano é muito insuficiente, porque as demandas sociais são constantes”, afirmou. Rocha pontuou, no entanto, que outras funções devem ser levadas em conta na atividade parlamentar.
Entre as atribuições de congressistas estão a fiscalização do Poder Executivo e a participação em comissões ou ainda na atividade partidária, por exemplo. “Um deputado que tem muito poder na instituição não precisa apresentar projetos, ele pode investir seu poder apoiando pautas com as quais concorda. Não necessariamente o deputado que apresenta o projeto é o mais importante daquela articulação política que faz com que a proposta vire lei”, disse João Feres, cientista político e membro do Observatório Brasileiro do Legislativo (OBL), ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A maior parte dos parlamentares citados, no entanto, além de apresentar poucos ou nenhum PL, não teve destaque geral em outras áreas de atuação na Câmara. Segundo índice do Legisla Brasil, plataforma que analisa a produtividade parlamentar a partir de 17 indicadores, 26 dos deputados citados são classificados com nota 2, de uma escala de 1 de 5, e um deles, Parcianello, tem nota 1. O deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), em razão de mudança no registro de nome durante a legislatura, ainda não consta da análise da plataforma.
Não acredito que este país precise de mais uma leizinha, que mais parece regimento de prédio ou de associação
Nilson Pinto (PSDB-PA), deputado federal
“O que a gente fez foi pegar o que está na Constituição sobre o trabalho que os deputados têm de exercer. Em resumo, eles devem legislar, fiscalizar e representar a população”, disse Luciana Elmais, cofundadora da organização. “O que fizemos foi distribuir essas três obrigações em vários indicadores para ver se eles estão cumprindo com elas”, afirmou.
Propostas apensadas
Dos 57 projetos de lei propostos pelos 28 deputados, 33 foram aprovados. Somente dois deles foram de autoria individual. Todos os outros foram apensados, ou seja, aglutinados com projetos semelhantes já apresentados por colegas.
Dentre eles estão alguns de grande relevância, como o PL 1.895/2021 adicionado ao PL 373/2021, que tratou do pagamento do auxílio emergencial até o final de dezembro de 2021. Já o PL 3.189/2019, juntado ao PL 10.996/2018, de autoria de Fernando Monteiro (PP-PE), atualizou o Marco Legal do Saneamento Básico, e o PL 2.287/2022, de João Carlos Bacelar (PL-BA), alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para desvincular o pagamento de multas do pagamento do licenciamento de veículos. Ele foi inserido no PL 40/2020.
Procurado pela reportagem, Bacelar disse que prefere sugerir projetos de impacto, que tragam benefícios para a população. Monteiro não foi localizado.
Um deputado que tem muito poder na instituição não precisa apresentar projetos, ele pode investir seu poder apoiando pautas com as quais concorda
João Feres, cientista político e membro do Observatório Brasileiro do Legislativo (OBL)
Houve também projetos de lei menos relevantes, como três dos quatro sugeridos pelo deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE) para nomear viadutos. Foi aprovada também a sugestão de se instituir o Dia Nacional da Força Jovem Universal, grupo da Igreja Universal, no segundo sábado de janeiro, de Jorge Braz (Republicanos-RJ) e outros parlamentares, que agora aguarda pela apreciação no Senado. Coelho Filho e Braz não retornaram às tentativas de contato da reportagem.
‘Sou obrigado?’
Questionados sobre a baixa produtividade de projetos de lei apresentados, os deputados minimizam a importância da apresentação do tipo de proposta durante a atividade parlamentar. Parte deles justifica o fato pela atuação em comissões ou atividades partidárias, enquanto há quem questione a necessidade de apresentar novas mudanças na legislação.
Para o deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), por exemplo, “quantidade não é qualidade”. “Não adianta termos 10 mil leis sem elas serem cumpridas”, afirmou. A resposta é semelhante com a do deputado José Priante (MDB-PA). Ele afirmou que existem muitos “projetos desinteressantes” propostos na Câmara e destacou sua participação como presidente de comissão e nas votações.
Já Márcio Biolchi (MDB-RS) disse que os quatro anos comandando seu partido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) fizeram com que a apresentação de PLs não fosse prioridade. “O menor problema no Brasil é lei. Em vez de concentrar na apresentação de propostas, me dedico a avaliar as que estão tramitando”, afirmou.
O deputado Giacobo (PL-PR) também não vê a necessidade de propor novas leis, em razão da quantidade de PLs já existentes. “Sou obrigado a colocar? Já tem bastante projeto em andamento”, disse. Já Stefano Aguiar (PSD-MG) ficou surpreso ao saber que havia proposto somente dois PLs desde 2019. Ele pediu para verificar o número com sua secretária por não se lembrar de cor de um PL relevante que tenha sugerido. Ela foi procurada, mas não deu retorno à reportagem.
O deputado Dimas Fabiano (PP-MG) destacou, em nota, a presença em plenário e a posição de primeiro lugar no ranking Observatório Político da Confederação Nacional dos Municípios. “Exibir números de criação de leis não soluciona os problemas do País”, afirmou. A opinião é próxima à da do deputado Júlio Cesar (PSD-PI), que disse acreditar que o número de PLs é “um critério muito raso” para se analisar a atividade parlamentar. Ele destaca ainda sua participação como presidente de comissões, vice-líder partidário e coordenador da bancada do Nordeste.
Sou obrigado a colocar? Já tem bastante projeto em andamento
Giacobo (PL-RR), deputado federal
O deputado Giovani Feltes (MDB-RS) afirmou ter priorizado a aprovação de projetos vindos do Executivo e outros já apresentados à Câmara. “Apesar de serem dois projetos de sua autoria exclusiva, participa como coautor em outros textos que tramitam na Casa”, afirmou, em nota. A informação, no entanto, não consta do Portal da Transparência da Câmara.
Os deputados Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), Fernando Monteiro (PP-PE), Jorge Braz (Republicanos-RJ), João Marcelo Souza (MDB-MA), Mauro Lopes (PP-MG), Misael Varella (PSD-MG), Paulo Freire Costa (PL-SP), Sérgio Brito (PSD-BA), Gelson Azevedo (PL-RJ), Paulo Azi (União Brasil-BA), André Abdon (PP-AP), Luiz Carlos (PSDB-AP), Alcides Rodrigues (Patriota-GO), Átila Martins (PSD-AM), Paulinho da Força (Solidariedade-SP), Hermes Parcianello (MDB-PR) e Junior Lourenço (PL-MA) não retornaram às tentativas de contato da reportagem até a publicação deste texto.