Hora da decisão
País chega ao 1.º turno polarizado e com dois projetos para escolher
Por
Leonardo Desideri – Gazeta do Povo
Brasília
Os candidatos a presidente Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).| Foto: EFE/Joédson Alves; Sérgio Dutti/PSB
O Brasil chega ao primeiro turno da eleição presidencial de 2022, neste domingo (2), com 11 opções na urna, mas é quase certo que o resultado caminha para duas possibilidades: a volta ao poder do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou a reeleição de Jair Bolsonaro (PL).
Há seis anos, em março de 2016, o atual presidente viajou a Curitiba e, em manifestação perto da sede da Polícia Federal, soltou foguetes para comemorar a condução coercitiva de Lula, que prestaria seu primeiro depoimento à Operação Lava Jato. Já naquela data, Bolsonaro falava como candidato à Presidência da República: “Pela primeira vez a direita vai mostrar sua cara. Temos propostas e temos voz. O processo da roubalheira do PT era um projeto político, que graças a Deus está acabando”, afirmou, em declaração à Gazeta do Povo.
Dois anos depois, em 2018, Lula começaria a cumprir a sua pena de 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e Bolsonaro seria eleito presidente da República. O petista nunca recebeu um veredito de absolvição – como tenta insistentemente sugerir ao longo desta campanha –, e as provas de sua participação em um megaesquema de corrupção com o objetivo de perpetuar o PT no poder continuam sendo robustas; mas, em uma sequência de decisões controversas com inegável teor político, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a condenação dele em 2021 e definiu que Lula poderia se candidatar.
No meio-tempo das decisões do Supremo que recolocaram Lula no jogo, a pandemia da Covid-19 criou problemas inesperados para Bolsonaro. O presidente precisou lidar com os efeitos socioeconômicos das medidas de isolamento social, ao mesmo tempo em que entrava em intenso conflito com políticos de dentro e fora do governo, formadores de opinião influentes e o próprio STF por conta de seus posicionamentos polêmicos sobre lockdown, vacinas e tratamento para a Covid.
Mesmo após a passagem de Lula pela prisão e os efeitos negativos da pandemia sobre a imagem de Bolsonaro, a sensação de que a eleição estaria polarizada entre os dois cresceu progressivamente no país, seja pela falta de apelo popular dos vários políticos que se apresentaram como potenciais alternativas – a chamada “terceira via” –, seja pelo carisma das duas figuras que chegam como favoritas à disputa deste domingo.
A votação para as eleições de 2022, que ocorrerá de forma simultânea em todo o Brasil, começa às 8h do horário de Brasília e vai até as 17h deste domingo.
Terceira via não conseguiu furar polarização
O ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB), a senadora Simone Tebet (MDB) e o candidato Ciro Gomes (PDT) foram todos cogitados como possíveis alternativas à polarização entre Bolsonaro e Lula. Nenhum deles chegou próximo de vingar. Moro e Doria nem mesmo se tornaram candidatos a presidente.
Para o cientista político Christian Lohbauer, a dificuldade de se constituir uma terceira via nestas eleições começa no fato de que os dois principais candidatos são grandes conhecidos do público. “É uma eleição plebiscitária. É uma disputa em que o povo elege entre duas histórias de vida”, afirma. “Algo inédito é que um ex-presidente concorre contra um presidente. As pessoas, o cidadão comum, conhecem muito essas figuras. Para alguém aparecer como terceira via, teria que ser uma figura com a mesma dimensão. E não tem. Isso contribui para dificultar a terceira via.”
Para além da popularidade dos dois, contudo, Lohbauer vê outro empecilho para a terceira via: a sua falta de organização e de carisma. “Esse movimento forçado, de gente bacana, bonita e cheirosa, para lançar um candidato de terceira via não tem mais força política nenhuma. Me choca alguém achar que vai organizar uma coisa desse tipo 90 dias antes da eleição. Não vai mesmo. Estava na cara que ia acontecer isso. Lançar uma candidatura como a da Simone Tebet – que é uma figura respeitável, tem uma carreira política, teve cargos públicos relevantes, não é de São Paulo e Rio, ou seja, [tem] todo um perfil bonitinho… Mas você achar que vai pegar uma figura como essa, que 90% dos brasileiros não sabiam quem era… Não vai chegar nem a 5%. Como eles acham que vão lançar uma candidatura como essa em três meses? O cidadão olha e fala: ‘Quem é essa? De onde ela apareceu?’ Os próprios políticos falam: ‘Quem é essa? Já conversou comigo?’ Querem achar que vão resolver um problema aos 47 do segundo tempo. Não vão. Vai ser Bolsonaro e Lula mesmo”, comenta.
Paulo Kramer, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), aponta também a identificação dos principais nomes da terceira via com um modo de fazer política que não é mais capaz de atrair o eleitor brasileiro. “A terceira via, para o eleitor médio, tem muito aquela cara da velha política, que o eleitorado, de uma maneira geral, repudia. Na política, a interpretação vale mais do que os fatos. Sabemos que nem Lula nem Bolsonaro são ‘outsiders’. Sabemos que ambos estão dentro do sistema já há muito tempo. Mas, de qualquer maneira, eles conseguem projetar para seus públicos a imagem de que eles são antissistema, coisa que os candidatos da chamada terceira via não conseguem.”
Lula e Bolsonaro continuam com um forte poder de mobilização do povo, cada qual a seu modo, observa o sociólogo Lucas Azambuja, professor do Ibmec-BH. “A máquina de mobilização do PT, por mais que talvez não seja do mesmo tamanho que foi no passado, ainda exerce influência – principalmente quando ela tem do lado, de maneira consciente ou inconsciente, a colaboração de artistas, de alguns jornalistas e de parte das instituições de ensino que transmitem certa visão de mundo”, diz.
“Já o Bolsonaro soube capitalizar muito bem este momento que a gente vive hoje na política em que a mobilização é muito mais importante através das redes sociais e com a linguagem de redes sociais do que a mobilização característica do PT, que é a mobilização de bar, de associações, de sindicatos e tudo mais”, complementa Azambuja.
Para Lohbauer, Bolsonaro e Lula têm algo muito parecido: a capacidade de transmitir proximidade com o povo. “O Lula é um encantador de serpentes, um mago, um Macunaíma, um mentiroso, que cumpre o ideal weberiano do populista demagógico já conhecido universalmente. E o Bolsonaro fala uma linguagem muito próxima das pessoas, faz umas piadinhas inconvenientes, ignora o plural… Isso, se não for natural, vai ser identificado como mentiroso e não vai ter efeito. Se for autêntico, é muito poderoso”, comenta.
O aumento da popularidade de Bolsonaro no Brasil coincidiu com a ascensão, na opinião pública, das chamadas pautas de costumes – isto é, um conjunto de temas relacionados a valores fundamentais cuja discussão era monopolizada por formadores de opinião de esquerda e que a velha política não se interessava em abordar: aborto, ideologia de gênero, liberdade de expressão, porte de armas, drogas, enfrentamento da violência etc.
“Principalmente na eleição de 2018, Bolsonaro tinha um discurso muito coerente com uma parcela expressiva da população que começou a não ter medo de se definir como direita, de se identificar com pautas conservadoras”, diz Azambuja.
De olho nessa parcela do eleitorado, Lula fez alguns movimentos para tentar atrair evangélicos e, pela primeira vez, sentiu a necessidade de falar com frequência em Deus durante a campanha. O petista, no entanto, deixou escapar falas que tendem a repelir de imediato grande parte dos cristãos do país. Deixou claro, por exemplo, que simpatiza com a ideia de expandir o direito ao aborto, e não conseguiu reprimir sua essência marxista, reiterando durante a campanha o mesmo tipo de discurso de estímulo ao conflito que marcou toda sua carreira política.
Em relação ao combate ao narcotráfico e à violência urbana, o petista já sugeriu que pretende retomar ideias falidas que levaram o país aos maiores índices de homicídios de sua história, afetando especialmente os pobres. Lula propõe menos rigor na repressão e uma “atualização de doutrinas” na formação dos profissionais de segurança pública, aderindo a um discurso cada vez mais comum na extrema-esquerda de aversão à classe policial e racialização do debate sobre a violência.
“Com essa história de jogar brancos contra pretos, nordestinos contra sulistas, ricos contra pobres, MST contra o agronegócio, quem instaurou esse clima [de conflito] no país foi o lulopetismo. E tem provado do seu próprio veneno nos últimos quatro ou cinco anos”, afirma Paulo Kramer.
Para o cientista político, o fato de Bolsonaro e Lula exacerbarem com mais clareza duas visões de mundo conflitantes é o motivo principal pelo qual os dois chegam como favoritos à Presidência. “Eles traduzem melhor e com mais eloquência do que qualquer outro candidato duas visões antagônicas de Brasil. A terceira via fica naquela coisa morna, nem lá nem cá. Muito embora a gente tenha no Parlamento um multipartidarismo exacerbado, quando se trata das disputas para o Executivo, o que a gente tem é o ‘contra’ e o ‘a favor’. É sempre assim.”
Bolsonaro e Lula opõem busca por liberalização da economia contra Estado regulador
Na economia, Bolsonaro e Lula também apresentam, ao menos à primeira vista, visões opostas do que seria ideal para o Brasil.
Bolsonaro chegou ao poder com a promessa de um governo “conservador nos costumes e liberal na economia”, em oposição ao Estado mais regulador dos 14 anos da era PT. A pandemia dificultou o plano liberalizante do ministro da Economia Paulo Guedes.
Mas, ainda assim, houve uma tentativa inédita nesse sentido, de acordo com Lohbauer. “Se você olhar o primeiro ano do governo Bolsonaro, eles fizeram um exercício genuíno de mudança de estrutura. Fizeram uma limpeza da dívida. Ficaram muito longe de aplicar um plano liberal, porque não conseguiram privatizar nada. Existe uma resistência das corporações, que faz parte da história de nosso país, contra a redução do tamanho do Estado. Mas eles começaram. Se não houvesse a pandemia, eles iam conseguir? Acho que não iam conseguir, porque há muitas forças contra uma agenda liberal de verdade no Brasil. Mas esse governo tentou. E logo veio a pandemia. Quando vem a pandemia, não tem plano liberal que se aplique em um ambiente de emergência, de guerra, de fome, de queda de PIB. Não tem. Até os países do mundo com perfil mais liberal fizeram programas sociais massivos, com recurso público na veia”, comenta.
Para Lohbauer, o desastre na administração das estatais e a vista grossa para as invasões de terra, por si só, já deveriam ser suficientes para o brasileiro rechaçar a volta de uma gestão petista da economia. Bolsonaro teve “menos tempo e mais dificuldade para governar, e o que ele entregou foi bem menos pior em matéria de governança, corrupção, transparência, crescimento, investimentos etc.”, afirma ele.
Outro ponto importante para qualquer análise, de acordo com o especialista, é que o PT pegou a economia em circunstâncias privilegiadas. “Não dá para comparar maçã com banana, comparar o crescimento econômico do período do PT com o crescimento econômico do período do Bolsonaro. Para começar, a Dilma teve dois anos de pujança mundial, comercial e econômica, e o Brasil cresceu -3% e -3,5% em 2015 e 2016. Isso é o PT. Essa é a capacidade que eles têm de adotar políticas públicas econômicas erradas e fazer com que o país cresça -3,5% enquanto o mundo cresce 5%. No atual governo, aconteceu algo que não ocorreu nos últimos 100 anos: uma pandemia universal, uma paralisação da economia mundial, um endividamento absoluto de todas as economias, inclusive as economias desenvolvidas. E o Brasil passou pela pandemia com uma situação econômica administrável. O país conseguiu atravessar a pandemia, e os primeiros resultados de retomada estão aí nos números oficiais”, observa.
Para ele, o PT desperdiçou oportunidades de promover um crescimento expressivo do Brasil não só na gestão de Dilma como também no período em que Lula governou o país. “O período dos governos Lula, primeiro e segundo, pelo menos até 2008, foi um dos períodos de maior crescimento da história da economia mundial. Deu ferro, soja, milho e petróleo a preços impagáveis. E o Brasil recebeu tanto dinheiro como nunca recebeu na vida, e gastou tudo, se endividou ainda mais. Isso foi o período do Lula. As pessoas têm que estudar história recente. Querem comparar essa passagem histórica com a atual, agora, com a pandemia? Não dá”, afirma.
Para Paulo Kramer, na hipótese de Lula ganhar a eleição, “ele teria espaço de manobra para fazer política econômica muito mais limitado do que teve quando governou o Brasil pela primeira vez”. “Primeiro, por causa de todas as dificuldades que a herança do lulopetismo deixou, provando a inviabilidade de uma política econômica baseada mais no Estado que no mercado. Há, por outro lado, uma direita de conservadores e liberais que já não têm medo de se assumir publicamente – e eu não me refiro apenas aos políticos, mas também aos eleitores, ao povo. Tudo isso vai criar um ambiente de limitações”, diz.
Na opinião de Lohbauer, o problema de Lula na economia começa na imprevisibilidade – até agora, o candidato não deixou claro o que pretende fazer, como apontou editorial recente da Gazeta do Povo. “Como ‘la garantía soy yo’, pode sair qualquer coisa. Ele faz o que quer e fala o que quer. Ninguém questiona nada. Não duvido que eles resolvam tributar a exportação agrícola. Isso seria um verdadeiro desastre. Tem quem diga que ele não faria isso, mas não dá para ter ideia do que o PT faria. Só tenho a convicção de que a qualidade da administração federal cairia de forma absoluta. Já é ruim, e ficaria pior ainda”, diz.
Já o governo Bolsonaro, em caso de reeleição, deverá mostrar – já sem as limitações impostas pela pandemia – até que ponto a sua crença em uma agenda liberal e na importância da responsabilidade fiscal se sobrepõe ao populismo imediatista. Para Kramer, isso não significa que Bolsonaro deva deixar de lado as políticas sociais. “Não existe contradição entre uma política social ativa e vigorosa e uma economia liberal. Até porque o liberal sabe que o que é capaz de resgatar com eficiência e rapidez a dívida social é a economia de mercado, e não a economia estatizada. A economia estatizada leva a estagnação, corrupção, crescimento negativo e estouro das contas públicas.”
Lohbauer comenta que, mesmo que ganhe, Bolsonaro não deverá conseguir implementar uma agenda liberal autêntica. “Se ele ganhar e tiver um segundo mandato completo, não consegue trazer nesse período uma transformação para um país liberal. O que pode conseguir, e eu tenho esperança de que consiga, é uma retomada de desenvolvimento, que é uma coisa que a gente não vê desde 2008. Isso envolve criação de riqueza, criação de emprego e aumento de renda. Isso já seria um pedaço de uma agenda liberal, para começar a pensar em agenda liberal verdadeira”, observa.
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