Editorial
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Gazeta do Povo
Daniel Ortega e Lula em 2010, durante visita do ditador nicaraguense a Brasília.| Foto: EFE/Fernando Bizerra Jr
Já faz algum tempo que certas afirmações não podem ser feitas em voz alta no Brasil sem que “fiscais da verdade” e “editores da sociedade” queiram multar, desmonetizar, censurar ou até prender – tudo, claro, em nome da “democracia”. Pois nesta quarta-feira o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Tribunal Superior Eleitoral, acrescentou mais um item à lista de tabus: a amizade que une o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, que em seu país aboliu as liberdades religiosa, de expressão e de imprensa. Tanto não se pode mais falar disso em público que Twitter e Facebook foram obrigados, em liminar, a remover cerca de 30 publicações que destacam os laços que unem a dupla. Uma destas publicações foi feita pela Gazeta do Povo em seu perfil no Twitter, ao noticiar a suspensão do canal da rede de televisão CNN no país centro-americano.
Logo na primeira página da decisão, Sanseverino menciona a “publicação por diversos perfis de redes sociais conteúdos manifestamente inverídicos em que se propaga a desinformação de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a invasão de igrejas, perseguiria os cristãos, bem como apoiaria a ditadura da Nicarágua”, acrescentando que, segundo a petição da coligação de Lula, “as publicações buscam associar que o candidato Lula apoiaria veementemente um regime autoritário e que persegue cristãos, o que sabiamente é uma inverdade”. E Sanseverino conclui que “as publicações impugnadas transmitem, de fato, informação evidentemente inverídica e prejudicial à honra e à imagem de candidato ao cargo de presidente da República nas eleições 2022. As publicações transmitem de forma intencional e maliciosa mensagem de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é aliado político do ditador da Nicarágua Daniel Ortega, e assim como ele será contra os evangélicos e irá perseguir os cristãos”.
Jamais alguém deveria ser proibido de dizer que Lula e Ortega são aliados, porque esta é a mais pura verdade. Jamais alguém deveria ser proibido de dizer que Ortega persegue cristãos, porque esta é a mais pura verdade
É preciso perguntar em que planeta Sanseverino vive para afirmar, com tanto despudor, que são “evidentemente inverídicas” as afirmações de que Lula apoia Ortega, ou de que o ditador nicaraguense persegue os cristãos em seu país. Os laços entre ambos estão fartamente documentados, inclusive com episódios bastante recentes. A Nicarágua não era uma democracia pujante que degringolou apenas nos últimos meses; Ortega já impunha um regime de força sobre seu país havia ao menos alguns anos, e na eleição de 2021 chegou ao ponto de perseguir seus opositores, prendendo alguns e mandando outros para o exílio. Isso não impediu o PT de lançar uma nota saudando a vitória do socialista (sobre a qual, ainda por cima, pairaram muitas suspeitas de fraude) como uma “manifestação popular e democrática” e afirmando que os sandinistas nicaraguenses ajudariam a transformar a América Latina em uma “região de paz e democracia social que possa servir de exemplo para todo o mundo”. O mal-estar causado foi tanto que a nota foi removida do site do partido posteriormente, sob a alegação de que ela não tinha sido “submetida à direção partidária”.
Mas, para que não restasse dúvida alguma da aliança que une lulopetismo e sandinismo, o próprio Lula saiu em defesa de seu amigo dias depois, em entrevista ao El País. “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder, e Daniel Ortega não?”, questionou o petista, criando uma equivalência entre um regime parlamentarista democrático, em que as regras do jogo são seguidas à risca, e um regime presidencialista em que o Estado de Direito foi abolido para garantir a perpetuação de Ortega no poder. Não se trata, portanto, de dizer que Lula é apenas aliado de Ortega, embora não concorde com a forma como o ditador governa seu país; mesmo depois que a tirania se implantou, o lulopetismo seguiu e segue endossando o nicaraguense – o que não surpreende, pois Cuba e Venezuela são ditaduras há muito mais tempo e o PT jamais lhes retirou apoio. Em outras palavras, sim, Lula apoia veementemente um regime autoritário, e que persegue cristãos a ponto de encarcerar bispos, proibir manifestações públicas de devoção, expulsar congregações inteiras e fechar canais de televisão confessionais – e laicos, como no caso da CNN, episódio que Sanseverino quer impedir a Gazeta de noticiar no Twitter. Não há inverdade alguma nisso.
Inverdade mesmo quem promove são os advogados de Lula e o ministro Sanseverino quando dizem que, de acordo com as publicações, Lula, assim como Ortega, “será contra os evangélicos e irá perseguir os cristãos”. Afinal, nenhuma das cinco postagens censuradas que Sanseverino cita em sua liminar diz isso; o que elas fazem é afirmar que quem está perseguindo os cristãos é Ortega (o que é verdade), e que ele conta com o apoio de Lula (o que também é verdade) – o quinto trecho mencionado, aliás, nem trata de perseguição aos cristãos, pois se refere ao corte de sinal da emissora CNN. Se isso é o melhor que o ministro conseguiu reunir para justificar a censura, podemos afirmar sem a menor sombra de dúvida que quem está promovendo fake news não são os autores das publicações derrubadas, mas os advogados e o ministro que atribuem às vítimas do arbítrio afirmações que elas não fizeram.
Jamais alguém deveria ser proibido de dizer que Lula e Ortega são aliados, porque esta é a mais pura verdade. Jamais alguém deveria ser proibido de dizer que Ortega persegue cristãos, porque esta é a mais pura verdade. Impedir quem quer que seja, candidatos, parlamentares (que, ainda por cima, estão protegidos pela imunidade material, descrita no caput do artigo 53 da Constituição Federal), pessoas comuns ou veículos de comunicação, de dizer publicamente a verdade é de uma sanha ditatorial poucas vezes vista desde o fim do regime militar, 37 anos atrás. Mas é o que o petismo e setores do Judiciário vêm fazendo sem a menor hesitação. Cada novo episódio de censura imposto pelos tribunais superiores, com o silêncio cúmplice ou mesmo o aplauso de muitos setores da própria imprensa e da sociedade civil organizada, é uma marretada na ainda jovem democracia brasileira.
Que Lula e seu império da mentira queiram calar quem escancara a camaradagem entre o PT e ditadores latino-americanos é esperado; a mentira está na essência do lulopetismo. Mas que um juiz eleitoral aceite dessa forma transformar-se em censor é inaceitável e mostra como a democracia já ruiu pelas mãos daqueles mesmos que afirmam trabalhar para defendê-la.
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