Supremo Tribunal
Por
Renan Ramalho
Proposta que circula em Brasília prevê aumentar de 11 para 16 o número de ministros do STF| Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF
A ideia de ampliar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como forma de reequilibrar a relação entre os poderes, voltou a circular em Brasília. O assunto virou foco de atenção de vários dos atuais integrantes da Corte, críticos da medida, e também de deputados que já trabalharam ou discutiram a proposta nos últimos anos.
Em conversa com alguns parlamentares, a Gazeta do Povo constatou que há interesse, na direita e na esquerda, em discutir o assunto de forma mais abrangente, mas focando em outras mudanças que reduzam o poder da Corte. No Centrão, o interesse na ampliação de ministros é mais evidente. Representantes de todos os grupos, no entanto, dizem que o mais apropriado é discutir o tema a partir de fevereiro de 2023, na próxima legislatura. Esta visão é compartilhada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O assunto ressurgiu porque, na última sexta-feira (7), o vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS) afirmou que irá trabalhar por um número maior de cadeiras no STF, pelo fim das decisões monocráticas e pela fixação de mandatos para os integrantes da Corte. “Nossa Suprema Corte tem invadido contumazmente aquilo que tem sido atribuições do Executivo e do Legislativo e, muitas vezes, rasgando o devido processo legal”, disse, numa entrevista à GloboNews.
No domingo (9), o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse em entrevista a dois canais do YouTube que a proposta chegou a ele na semana passada e que decidiria se a encamparia após as eleições. Mas acrescentou que, caso reeleito, poderia descartar a sugestão se o “Supremo baixar um pouco a temperatura”. Nesta terça-feira (11), durante agenda política em Pelotas (RS), Bolsonaro voltou atrás. Disse a jornalistas que aumentar o número de ministros do STF “não está no meu plano de governo” e que esse assunto é uma “invenção” da imprensa.
Aumento da base de apoio a Bolsonaro no Congresso alimenta discussão
O fato é que o STF voltou ao centro das discussões políticas depois que a eleição aumentou a base de apoio de Bolsonaro na Câmara e no Senado. Desde o início do atual mandato, o presidente reclama de decisões dos ministros que contrariam suas políticas; a crítica é compartilhada por muitos parlamentares que também veem ingerência indevida da Corte em leis aprovadas no Congresso.
Um aumento na composição diluiria o poder de cada ministro e poderia dar a Bolsonaro, caso reeleito, maioria na Corte. Hoje, ele já tem dois indicados entre os 11 ministros: Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Num eventual próximo mandato, terá direito a indicar mais dois. Numa eventual ampliação para 16 no número total de ministros, como se discute, Bolsonaro ainda poderia fazer mais cinco indicações. Assim, terá indicado nove ministros entre os 16, com maioria no STF.
A ideia é mal vista entre vários dos atuais integrantes do STF, que consideram a medida autoritária e, que se adotada, o Brasil seguiria o caminho de Venezuela, Hungria e Polônia, com presidentes que concentram muito poder. Os ministros evitam falar em público sobre o assunto, para não dar a ele mais visibilidade. Afinal, cada um perderia poder. Mas dois ministros aposentados vieram a público na segunda-feira (10) expressar contrariedade, sinalizando a visão da maioria da Corte atualmente.
Marco Aurélio Mello, que deixou o STF no ano passado, disse que a ideia é “saudosismo puro”. “No regime de exceção houve o aumento para 16 (AI-2). Logo a seguir a razão imperou. Arroubo de retórica que não merece o endosso dos homens de bem. O meio justifica o fim e não o inverso”, afirmou à BBC.
Celso de Mello, que se aposentou em 2020, disse em nota que a ideia sempre surgiu em “períodos de exceção” e “para sufocar a independência da Corte” – citou medidas nesse sentido de Getúlio Vargas, em 1931, e do general Castello Branco, em 1969. A pretensão de Bolsonaro e seus apoiadores, afirmou, visa “a perversa e inconstitucional finalidade de controlar o STF e de comprometer o grau de plena e necessária independência que os magistrados e os corpos judiciários devem possuir, em favor dos próprios jurisdicionados”. Acrescentou que a medida seria inconstitucional por ferir a separação de poderes, cláusula pétrea da Constituição de 1988.
Também na segunda, num aceno aos atuais ministros do STF, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), adversário de Bolsonaro no segundo turno, criticou a ideia, classificando-a como uma “tentativa de destruir as instituições que garantem a democracia”. “Tive a sorte de indicar seis ministros da Suprema Corte e não indiquei nenhum amigo. Os que indiquei foi por currículo de gente indicada e nunca pedi um favor. Tenho orgulho de ter indicado seis e nunca pedi um favor porque eles não foram indicados para me ajudar, foram indicados para cumprir o papel da Suprema Corte que está escrito na Constituição. É assim que deve ser”, disse o petista, durante um comício.
O que dizem deputados envolvidos na discussão sobre ampliar o STF
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), importante voz do Centrão, afirmou que eventual ampliação no número de ministros atenderia a uma “necessidade de enquadramento do ativismo do Judiciário”.
“O ambiente é que define a possibilidade da mudança. Então, se o Judiciário permanecer neste nível de ativismo político, com decisões tomadas por gostar ou não de determinado governo, ou por querer ou não ter mais poder, ou pensar numa ditadura do Judiciário, que acham que pode ser alcançada, isso vai ter reação do Poder Legislativo, de forma muito severa”, afirmou à GloboNews na segunda-feira. Ele deu como exemplo o inquérito das fake news, tocado com mão de ferro pelo ministro Alexandre de Moraes contra apoiadores de Bolsonaro.
Um outro deputado reeleito do Centrão, sempre a par das discussões que envolvem o Judiciário, afirmou à reportagem, sob a condição de reserva, que o tema “vai estar na pauta” em 2023. “Qual vai ser o desenrolar, o que será feito, não sei. Mas há um sentimento generalizado de incômodo sobre como o Supremo vem agindo, extrapolando suas funções constitucionais. Mas isso envolve emenda constitucional, é debate grande. Mas que vai vir na próxima legislatura, com certeza”, disse.
Há nove anos, tramita na Câmara uma proposta de emenda à Constituição (PEC 275/2013) que aumenta de 11 para 15 o número de ministros do STF. Mas não só isso: o tribunal julgaria menos processos, somente aqueles de estrita interpretação e aplicação da Constituição – não seria mais a última instância para causas individuais, papel que caberia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também seria ampliado, passando de 33 para 60 ministros.
Os integrantes do STF seriam escolhidos de forma diferente. Para cada vaga, seriam indicados três nomes: um pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Judiciário; outro pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); outro pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O presidente da República, portanto, perderia poder de indicação.
A aprovação não caberia somente ao Senado, mas também à Câmara – o candidato precisaria ser aprovado pela maioria de todos os senadores e deputados. “O novo sistema de nomeação tornaria muito difícil, senão impossível, exercer com êxito alguma pressão em favor de determinada candidatura; além de estabelecer, já de início, uma seleção de candidatos segundo um presumível saber jurídico”, diz a justificativa.
Autora da proposta, a deputada reeleita Luiza Erundina (Psol-SP) avalia que, desde o ano passado, ela foi deturpada para favorecer Bolsonaro, pois deputados ligados ao presidente passaram a adotá-la somente para aumentar o número de ministros, defendendo que a indicação continue com o chefe do Executivo. “Como se trata de uma PEC de minha autoria, uma parlamentar de oposição e antibolsonarista, eles pretendiam desvirtuá-la e usá-la para um propósito antidemocrático, em razão do conflito entre o presidente, seu governo e o STF”, afirma.
Ela diz que a iniciativa partiu da então presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Bia Kicis (PL-DF) – a deputada não atendeu à reportagem. Para Erundina, a defesa da proposta, nesse momento, é uma “jogada eleitoreira e de perseguição do Executivo sobre o Judiciário”. Ela defende que a PEC seja discutida em sua essência, de mudança da competência do STF, a partir do ano que vem, ouvindo também a opinião do Judiciário.
Último relator da proposta, entre setembro de 2019 e abril deste ano, o deputado reeleito Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), de direita, é contrário à ampliação de ministros. “Não acredito que o aumento será a solução. A redução do poder que é. Estão querendo diminuir o atual poder de cada ministro, mas, efetivamente, os novos ministros vão ter muito poder, o mesmo que os atuais. É mais poder na mão de mais gente. Não acho isso positivo”, diz.
Para ele, é preciso reduzir o poder geral do STF por meio de outros quatro mecanismos: tornar o Supremo somente um tribunal constitucional; fixar mandatos para os ministros; escolhê-los entre juízes de carreira; e acabar com as decisões monocráticas (individuais). Ele já começou a coletar assinaturas para apresentar uma nova PEC nesse sentido. Já tem apoio de 30 deputados, faltam mais 140. Se conseguir, quer apresentar essa proposta ainda neste ano para que seja discutida e votada a partir do ano que vem.
Antes de Orleans e Bragança, a relatora da proposta de Erundina, entre julho de 2019 a março de 2021, foi a deputada Clarissa Garotinho (União Brasil-RJ), de centro-direita e apoiadora de Bolsonaro. Ela não se opõe à ampliação do STF, mas entende que a Câmara deve ter participação na aprovação dos nomes. Considera, por fim, que há chance de a proposta avançar se o presidente for reeleito.
“É uma proposta que já tramita na Câmara desde o ano de 2013, ou seja, já não é nenhuma novidade, sendo perfeitamente possível a partir de agora acelerar a sua tramitação. E acredito que encontrará muito apoio na direita, mas também no centro e na esquerda, tanto é que a autora da proposta é uma deputada do Psol”, afirma. De qualquer modo, também avalia que seria um tema para 2023, não para este ano.
Consultado pela reportagem, o líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), disse, por meio de sua assessoria, que o ideal é discutir o tema no ano que vem.
O que dizem os presidentes da Câmara e do Senado sobre a proposta
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta terça que “não é adequado” discutir uma proposta para aumentar o número de ministros do STF durante o período eleitoral. “Este assunto, neste momento, não é adequado. O adequado é a gente estar discutindo as propostas de cada candidato para o que vai fazer para o Brasil”, disse ele em entrevista ao portal UOL.
“A gente está perdendo oportunidades, nos momentos eleitorais, de discutir o país. Nós vamos discutir reformas, ou não? O que vamos fazer com a reforma trabalhista? O que vamos fazer com a reforma previdenciária?”, completou o presidente da Câmara.
Indagado se é favorável a uma ampliação da Suprema Corte, Lira disse que não faria juízo de valor sobre o tema. “Eu não posso, como presidente da Casa, emitir opinião nesse sentido porque não há nada caminhando nesse sentido, não há nada andando nesse sentido, não há nada em vias de se votar nisso para que esse assunto esteja presente na discussão do segundo turno”, afirmou.
Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou também nesta terça que a proposta para aumentar o número de ministros do Supremo é “incoerente” e “inadequada”. Ele disse “estranhar” que esse debate esteja sendo feito durante o período eleitoral.
“Me estranha muito neste momento estar se discutindo o tema dessa natureza, a ampliação de estrutura do Poder Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal. Me parece que isso é inclusive incoerente com a lógica dos que defendem uma redução da competência do Supremo”, afirmou.
“Há muitos que defendem uma redução dessa competência, que o Supremo se torne uma Corte Constitucional, que se fortaleça as primeiras instâncias e as segundas instâncias jurisdicionais no Brasil. Então isso é incoerente com esse discurso, ou seja, pretende aumentar uma estrutura que acaba importando em mais gastos, em mais recursos públicos envolvidos. Portanto, me parece um momento inadequado para essa discussão”, disse Pacheco.
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