Guerra na Ucrânia
Por
Filipe Figueiredo
Explosão em ponte que liga Rússia à Crimeia.| Foto: Reprodução/BBC
Se a repercussão internacional for um critério de eficácia, a Rússia não adotou a melhor tática possível nos últimos dias. No dia oito de outubro, uma grande explosão foi registrada na Ponte da Crimeia, que cruza o estreito de Kerch, ligando a península ao território russo no continente. Como retaliação, a Rússia realizou uma série de ataques com mísseis contra o território ucraniano. Em um balanço dos dois eventos, a imagem russa saiu afetada e, principalmente, com poucos ganhos militares em compensação.
A Ponte da Crimeia começou a ser construída em fevereiro de 2016, após a anexação russa da Crimeia. Além do seu propósito de infraestrutura, a construção da ponte, que é a mais longa da Europa, também possuía propósitos políticos e simbólicos, de conectar a Crimeia à Rússia. Ela foi inaugurada em maio de 2018, com a presença de Vladimir Putin. A ponte conta tanto com pistas rodoviárias quanto trilhos ferroviários.
Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a ponte tem sido essencial para a logística de guerra russa, transportando tropas, material bélico e combustível para a Crimeia. A península contém algumas das principais bases militares russas na região e foi dali que partiu a ofensiva ao sul da Ucrânia, como o oblast de Kherson. Tanto pelo seu valor simbólico, de ser uma obra russa após a ocupação, quanto por essa importância logística, as autoridades ucranianas, diversas vezes, afirmaram que a ponte era um alvo legítimo.
Ataque
No citado dia oito de outubro, um caminhão explodiu na ponte, em paralelo a um trem de carga com diversos vagões para transporte de combustível, material inflamável. Um enorme incêndio danificou a ponte no local da explosão, causando o desabamento de parte das faixas rodoviárias e a destruição de um trecho dos trilhos ferroviários. Três civis russos morreram. Não houve nenhuma reivindicação oficial do ataque, mas diversos veículos de imprensa ucranianos afirmaram que foi uma operação do serviço secreto ucraniano.
Diversas autoridades russas também afirmaram que a responsabilidade do ataque é ucraniana. No dia nove, Vladimir Putin afirmou que “não há dúvida” de que foi “um ato de terrorismo destinado a destruir infraestrutura civil” e “planejado, realizado e ordenado pelos serviços especiais ucranianos”. É importante notar duas palavras dentre as usadas por Putin: terrorismo e civil. Ou seja, o governo russo busca diminuir a importância militar do alvo, classificando a ponte apenas como civil e que o ataque foi, então, um ato de terror, não de guerra.
Em um aspecto internacionalmente menor, a Rússia ordenou uma série de investigações, já que todos os veículos na ponte supostamente são inspecionados. Como agentes ucranianos realizaram essa operação e quais os culpados pelas falhas de segurança são algumas das perguntas que vão mobilizar o governo russo, sem dúvidas. Já a retórica de que a ponte era um alvo civil e que o ocorrido não foi um ato de guerra, entretanto, não ganhou força.
Mísseis e repercussão
Sequer dentro da Rússia, inclusive, com comentaristas de canais alinhados ao governo sendo praticamente forçados a reconhecer que o ataque foi um trunfo ucraniano. No dia dez de outubro foi a vez da retaliação russa. Nesse caso, “retaliação” não é um termo da coluna, mas algo declarado pelo governo russo, incluindo o próprio Vladimir Putin. Segundo o governo ucraniano, a Rússia disparou 83 mísseis e munições errantes de diversos modelos contra o território da Ucrânia, com as defesas ucranianas abatendo 43 desses.
É importante frisar a origem dos números pois, numa guerra, a disputa de narrativas e de propaganda é vital, então os números devem ser vistos com ceticismo. Já segundo o governo russo, os alvos dos mísseis seriam instalações de infraestrutura de energia e transporte, como termelétricas e pontes. Diversos mísseis atingiram a capital Kiev, incluindo locais sem conexão direta com o esforço de guerra, como universidades e museus. No total, ao menos onze civis morreram, com dezenas de feridos.
A diferença entre um ataque localizado à uma ponte e uma chuva de mísseis que destrói alvos tanto militares quanto civis não passou despercebida na comunidade internacional. E, assim como no caso dos referendos nas regiões ucranianas ocupadas, as condenações não vieram dos tradicionais rivais da Rússia, mas também de seus aliados e países próximos. A Índia expressou “profundas preocupações” com “a mais recente escalada de conflito na Ucrânia” e “mortes de civis”. A China pediu por uma desescalada. Israel, onde parcela considerável da população tem origem russa e um país que tem se mantido neutro, “condenou fortemente” os “ataques russos” contra “cidades e civis”.
A imagem russa já está bastante afetada negativamente após a invasão da Ucrânia, e é óbvio que uma melhoria nessa imagem não ocorrerá da noite para o dia. Também é claro que isso não ocorrerá da parte de países como EUA e Reino Unido. Ainda assim, uma resposta totalmente desproporcional como a ocorrida vai apenas alienar a Rússia de seus aliados. Também representa um desperdício de recursos em uma guerra que se mostra difícil para Moscou. Principalmente, mostra que a Rússia sentiu o golpe após a explosão na Ponte da Crimeia.
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