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Guerra na Europa

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Luis Kawaguti – Gazeta do Povo


Moradores de Kherson chegam à Crimeia, depois que autoridades pró-Rússia do oblast recém-incorporado anunciaram retirada de civis da região| Foto: EFE/EPA/STRINGER

Menos de 40 quilômetros. Essa é a distância entre a principal reserva de tropas ucranianas no sul do país, em Mykolayiv, e a capital do oblast (província) de Kherson – a primeira grande cidade que caiu nas mãos dos russos, no início de março. As tropas ucranianas estão motivadas e acham que serão capazes de libertar Kherson em seis semanas, antes que as planícies ucranianas comecem a congelar. Mas isso terá um custo muito alto.

Se a Ucrânia retomar Kherson, terá nas mãos uma de suas maiores vitórias no campo de batalha até agora. Em setembro, o presidente Vladimir Putin disse que os habitantes dessa e de outras três regiões anexadas agora são russos para sempre.

Em Mykolayiv, tive contato com militares ucranianos que se dizem otimistas com um avanço rápido. Mas isso não quer dizer que eles achem que a tarefa é fácil. Em uma de suas últimas missões, perderam 25 homens de um grupo inicial de 50. Eles não dão entrevistas por medo de represálias às suas famílias por agentes russos. Dizem que estão motivados para o combate em Kherson, apesar de estarem com os soldos há mais de um mês atrasados.

Analistas militares ocidentais também afirmam que a Ucrânia tem condições de retomar Kherson antes do inverno. A cidade foi invadida rapidamente por tropas russas que estavam na Crimeia logo no primeiro dia da guerra, em 24 de fevereiro. Os ucranianos lançaram então um contra-ataque e retomaram a maior parte da capital do oblast. Mas os russos continuaram avançando e a cidade capitulou em 2 de março.

Ela tem uma característica geográfica peculiar: é a única cidade invadida localizada a oeste do rio Dnipro, que praticamente corta o país ao meio, de norte para sul. Os ucranianos conseguiram inutilizar as duas principais pontes sobre esse rio na região. Para isso, eles usaram lançadores de foguetes de alta mobilidade (Himars), fornecidos pelos Estados Unidos – a arma que por ora está fazendo a diferença na guerra.

Assim, os russos estão tendo que utilizar balsas para cruzar os mil metros de largura do rio, transportando comida, munição e armas para suas tropas. Isso deixa o trabalho mais lento e a quantidade de recursos transportada acaba sendo menor.

Os russos montaram pelo menos três linhas de defesa da cidade, com trincheiras e armamentos pesados. Uma delas é a própria linha de frente, onde tropas ucranianas e russas estão tendo contato na zona rural. Se essa linha cair, os russos podem se retirar para a segunda linha, montada próxima do subúrbio da cidade. A terceira e última linha seria praticamente dentro de Kherson, segundo informações de inteligência ocidentais.

Mas há um outro cenário que vem sendo cogitado por analistas americanos e pelas Forças Armadas ucranianas: uma retirada estratégica dos russos para a margem oriental do rio Dnipro – abandonando Kherson para as forças ucranianas.

A possibilidade de concretização desse cenário vem ganhando força depois que a Rússia começou a retirar 60 mil civis, parte da população civil da cidade, e após o general Segei Surovikin, comandante das forças de invasão russas, dar uma entrevista na TV de seu país.

“Nossas próximas ações e planos em relação à cidade de Kherson vão depender da situação tático-militar na ocasião. Eu vou dizer novamente: hoje a situação já está muito difícil”, disse Surovikin na terça-feira (18).

Analistas ocidentais interpretaram a declaração como uma tentativa de preparar o público russo para a notícia da retirada das forças de Kherson.

Do ponto de vista militar, essa decisão seria adequada para poupar vidas de soldados. A Rússia poderia tentar então uma nova ofensiva na região quando receber reforços. Porém, do ponto de vista político, uma retirada no momento seria catastrófica para o Kremlin.

Nesse contexto, um cenário ainda mais catastrófico está sendo discutido em uma verdadeira guerra da informação. Rússia e Ucrânia estão acusando um ao outro de ter planos para dinamitar a represa da hidrelétrica de Kharkovka. Essa ação poderia provocar uma grande inundação em Kherson e causar muitas mortes.

Ao iniciar a evacuação de aproximadamente 60 mil moradores de Kherson, a Rússia disse a eles que a remoção era motivada exatamente pelo perigo dos ucranianos dispararem mísseis contra a represa. O general Surovikin disse que os ucranianos estariam prontos para usar “métodos banidos de guerra” para conseguir tomar Kherson.

Já o think tank americano ISW (sigla em inglês para Instituto de Estudos da Guerra) afirmou que os russos poderiam explodir a represa com dois objetivos: culpar os ucranianos e cobrir sua retirada – impedindo que suas tropas sejam perseguidas ao se retrair. Segundo a instituição, o Kremlin já teria começado uma ofensiva no campo da informação para culpar a Ucrânia pelo ataque.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, acusou a Rússia diretamente de ter instalado minas no dique da represa e afirmou que sua dinamitação seria um “desastre de larga escala”. Ele pediu à comunidade internacional que enviasse urgentemente observadores para a represa.

Existe ainda a possibilidade ainda mais remota de uma derrota em Kherson aumentar o apetite do presidente Putin de utilizar armamento nuclear tático (uma bomba nuclear com um décimo ou até a metade do poder destrutivo da bomba de Hiroshima). O objetivo de tal ação seria tentar acabar com a guerra apostando na rendição da Ucrânia.

Mas um ataque nuclear também teria um alto custo para o presidente russo: ele provavelmente perderia o apoio de países como China, Índia, África do Sul e Arábia Saudita, além de diversas nações africanas. O apoio econômico chinês e indiano deu à Rússia mercados para os derivados de petróleo russos (cuja venda vem sendo sancionada pelo Ocidente) e fornecedores de produtos que o país não consegue mais comprar da Europa e dos Estados Unidos.

Isso sem falar da reação do Ocidente, que pode variar do envio de mais armas para a Ucrânia até o envolvimento direto da OTAN (aliança militar ocidental) na guerra.

Mas o presidente russo precisa mostrar força internamente. Se não o fizer, começa a correr o risco de perder o cargo.

Contudo, é preciso lembrar que, apesar de ser um objetivo estratégico muito importante, Kherson não decidirá a guerra da Ucrânia. Apesar de seu valor simbólico, mesmo que a cidade seja liberada, cerca de 20% do território ucraniano ainda permanecerá nas mãos dos russos.

Enquanto Kyiv se esforça para retomar Kherson, as forças russas continuam tentando avançar em Donbas, no leste do país, e parecem agora se voltar para a conquista da capital de Zaporizhzhia.

As cerca de 300 mil tropas adicionais que Putin mobilizou recentemente estão chegando aos poucos ao campo de batalha – e nada garante que o presidente russo não tente mobilizar um contingente ainda maior nos próximos meses.

Analistas convergem ao dizer que o inverno vai paralisar temporariamente a maioria das manobras militares. Assim, os bombardeios de ambos os lados devem continuar, mas dificilmente grandes parcelas do território vão mudar de mãos nos meses frios.

Por isso, a Rússia terá tempo para equipar e treinar novos recrutas durante o inverno e voltar a atacar os ucranianos na primavera. Ou seja, Kherson pode ser libertada, mas a guerra ainda parece longe do fim.

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