Editorial
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Gazeta do Povo
Declarações de Lula sobre teto de gastos e mercado financeiro estão abalando confiança do investidor na saúde fiscal brasileira.| Foto: EFE/EPA/Sedat Suna
Primeiro, Henrique Meirelles desejou aos brasileiros “sorte”. Agora, o presidente eleito Lula pede “paciência”. Foi assim que, na quinta-feira, ele desprezou o efeito que o cheque de centenas de bilhões de reais, sem prazo definido, solicitado na PEC da Transição teria sobre o mercado financeiro. “Temos de fazer um país mais humano. Se não resolvermos a situação social, não vale a pena governar o país. Vai aumentar o dólar, cair a bolsa? Paciência”, disse o petista, acrescentando que “o dólar não aumenta e a bolsa cai por conta das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”. Na semana anterior, Lula já havia criticado a “sensibilidade” dos investidores.
Lula tem várias dezenas de pessoas na sua equipe de transição, parte razoável delas na área econômica, algumas das quais certamente não acreditam na geração espontânea de dinheiro público que caracteriza boa parte da esquerda. Pois essas pessoas poderiam explicar a Lula certas coisas que ele já deveria ter aprendido nos oito anos em que governou o país – ou que, se chegou a aprender, já esqueceu. Uma delas é que a gastança pretendida pelo petista, em sua ânsia de transformar o teto de gastos em um piso de gastos, tem de ser bancada de alguma forma, e os meios ordinários para isso são o aumento de impostos, o aumento do endividamento ou a emissão de moeda. E nenhuma das três soluções termina bem.
Ao que tudo indica, Lula só passará a tratar o dinheiro do contribuinte com racionalidade se for forçado a tal
O Estado já tira do brasileiro um terço de tudo o que ele produz; elevar a carga tributária significaria deixar menos dinheiro circulando, prejudicando o crescimento da atividade econômica. Endividar ainda mais o Brasil aumentaria a desconfiança a respeito da capacidade de o país honrar seus compromissos; a tendência seria a necessidade de oferecer juros cada vez maiores para atrair quem esteja disposto a emprestar dinheiro ao Brasil, criando uma bomba-relógio que explodiria com força no médio e longo prazos. E emitir moeda é o jeito mais rápido de criar inflação – algo que o presidente argentino, Alberto Fernández, constatou com surpresa meses atrás – e desvalorizar ainda mais o real diante das demais moedas, inclusive o dólar.
O câmbio descontrolado tira completamente a previsibilidade de que o setor produtivo necessita para se planejar. E um dólar desvalorizado encarece os produtos importados, os insumos usados pelo agronegócio, matérias primas necessárias à indústria, o preço do petróleo – ainda que a cotação internacional se mantenha estável –, os custos do setor de serviços. Tudo isso acaba repassado à população nos preços finais, inclusive de itens essenciais como alimentos. O resultado aparece nos índices de inflação e na perda do poder de compra do brasileiro. Mas, se isso acontecer, Lula já mandou o recado: paciência.
Se Lula não entende o efeito do câmbio, talvez entorpecido pelo mantra “ninguém come dólar”, ele tampouco entende o mercado de capitais e a bolsa de valores. O petista reduz à mera especulação um fenômeno bastante mais complexo pelo qual muitas empresas captam os recursos necessários para seu crescimento, com consequente geração de emprego e renda. Há relação direta entre um mercado de capitais robusto e o desenvolvimento econômico de um país. É de interesse de qualquer nação que suas empresas sejam sólidas, com bom valor de mercado, desde que esse desempenho seja fruto dos processos normais de mercado, e não de artificialismos como as políticas de “campeões nacionais” que o petismo implantou no passado e que terminaram em desastre, seja para as empresas escolhidas, seja para a concorrência, que as políticas governamentais ajudaram a destruir.
Como Lula vem acumulando sandice após sandice nos últimos dias, precisa de bombeiros como o vice eleito Geraldo Alckmin para desdizer o que foi dito e prometer algum senso de responsabilidade com o dinheiro público nos próximos quatro anos. Mas não foi a Alckmin que economistas liberais deram apoio, nem foi em Alckmin (nem em Meirelles, Armínio Fraga, Persio Arida ou André Lara Resende) que muitos brasileiros cientes da necessidade de uma economia arrumada votaram; foi em Lula, e é ele quem manda. E, ao que tudo indica, ele só passará a tratar o dinheiro do contribuinte com racionalidade se for forçado a tal: ou por um Legislativo combativo, capaz de conter a gastança; ou pelas circunstâncias, à medida que suas políticas, uma vez implantadas, levarem à deterioração da economia nacional. Que não cheguemos a esse ponto, pois não há paciência que dê conta da volta da recessão, da inflação e do desemprego que foram a “herança maldita” deixada pelo petismo ao fim de sua primeira passagem pelo Planalto.
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