Forças Armadas
Por
Olavo Soares
Desfile de tropas do Exército: Ministério da Defesa foi criado em 1999 e só teve civis na chefia até 2018.| Foto: Exército/divulgação
A decisão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de nomear um civil para chefiar o Ministério da Defesa recupera uma tradição iniciada em 1999 e derrubada em 2018, ainda antes de o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) chegar ao poder. Lula já havia dito que a pasta não seria comandada por um militar, decisão que recentemente foi reforçada em declaração pública do ex-ministro Alozio Mercadante, um dos coordenadores da transição governamental. Militares ouvidos pela Gazeta do Povo reagiram de formas distintas à possibilidade de indicação de um civil para comandar o ministério ao qual as Forças Armadas são vinculadas.
O deputado federal Coronel Chrisóstomo (PL-RO), aliado de Bolsonaro e militar do Exército, diz ver com ressalvas a iniciativa. Ele afirma que em princípio não observa problemas em um civil comandar a Defesa. Porém, segundo ele, são poucos os civis com capacitação para chefiar a pasta responsável pelos assuntos militares.
Já outros militares indicam de forma reservada que o assunto, hoje, não figura entre as prioridades da categoria – e, portanto, a nomeação de um civil ou um militar para a titularidade do ministério é vista com indiferença. A abordagem é que, como os militares apoiaram Bolsonaro na eleição e registram muitas ressalvas a Lula, o titular do cargo não faz tanta diferença em um cenário que já consideram adverso.
Ex-ministro da Defesa durante a gestão de Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016, Aldo Rebelo diz que não considera “nenhuma surpresa” a decisão da futura gestão lulista de indicar um civil para a pasta. “Nem vislumbro nenhuma dificuldade nesta área para os futuros governantes. Creio que os problemas do Brasil não estão nas Forças Armadas, que são muito mais parte da solução do que dos problemas nacionais”, afirma Rebelo, que é ex-deputado federal e atualmente está filiado ao PDT.
A área da Defesa é uma das que mais tem movimentado os bastidores da transição de Lula. Os nomes da equipe que vai tratar do assunto com o atual governo ainda não foram definidos, ao contrário das demais áreas. Isso ocorre justamente por causa da dificuldade de interlocução do futuro governo com os militares, ainda refratários a uma nova gestão petista.
Por esse motivo, a equipe de Lula passou a procurar nomes que restabeleçam o diálogo institucional com Exército, Marinha e Aeronáutica – o que tem se mostrado difícil. Diante desse cenário, a definição do nome do futuro ministro da Defesa tende a ser uma das últimas decisões de Lula antes de tomar posse, em 1º de janeiro.
Remuneração e orçamento militar são pontos de potencial conflito com Lula
Historicamente, a relação entre os militares e os civis no Ministério da Defesa é marcada por conflitos em torno de demandas por remuneração e outras solicitações orçamentárias que envolvem as Forças Armadas. É isso, segundo os militares que conversaram de modo reservado com a Gazeta do Povo, que é visto como um possível foco de conflitos com a nova gestão – o que ocorreria ainda que o comandante da pasta fosse um militar.
Ainda assim, o novo ministro, mesmo sendo um civil, tende a ser respeitado pelas Forças Armadas. O deputado Chrisóstomo, que é coronel do Exército, diz que os militares são pautados por valores como “hierarquia e disciplina”. “Quando entrou pela primeira vez um civil para comandar o ministério, nós ficamos apreensivos. Mas a gente respeitou, porque hierarquia e disciplina, nós nunca mudamos. Não violamos a regra em hipótese nenhuma.”
Chrisóstomo diz ainda que o fato de o futuro governo ser de esquerda – ideologia rejeitada pela maioria dos militares – não deve ter peso para que parte da categoria não concorde com um civil no ministério. “Quem decide os ocupantes dos ministérios é o presidente da República. Ele que é o comandante-em-chefe das Forças Armadas. Se ele escolher um civil com capacidade, os militares não vão retrucar.”
Criado em 1999, Ministério da Defesa tirou poderes dos militares
O Ministério da Defesa foi criado em 1999, no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A pasta reuniu numa só os até então existentes três ministérios militares: do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E o objetivo da unificação era justamente colocar as Forças Armadas sob comando de um civil. Fazia 14 anos do fim da ditadura (1964-1985), e a existência das três pastas, comandadas por oficiais das Forças Armadas, era vista como um resquício do regime militar.
FHC nomeou um civil, o então senador Élcio Alvares (PFL-ES), para ser o primeiro titular da pasta. E até 2018 somente civis comandaram a Defesa. Desse modo, os militares perderam, de uma vez só, três cargos do alto escalão da administração federal.
Quem rompeu com a tradição foi o ex-presidente Michel Temer (MDB), em seu último ano de mandato, quando o nomeou o general Joaquim Silva e Luna para a chefia do ministério. Temer enfrentava altos índices de impopularidade devido a acusações de corrupção e chegou a correr risco de ser afastado da Presidência. Em meio a esse cenário, ele passou a prestigiar militares e a dar a eles protagonismo em seu governo.
O atual presidente Jair Bolsonaro (PL) manteve a nomeação de militares para o comando da Defesa. Foram três titulares no mandato: os generais Fernando Azevedo e Silva, Braga Netto e o atual ministro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Durante o período do comando civil do ministério, houve a nomeação de políticos de carreira para a pasta, tais como o atual senador Jaques Wagner (PT-BA) e os ex-deputados federais Raul Jungmann (sem partido-PE) e Aldo Rebelo. José Alencar, vice-presidente durante os dois mandatos de Lula, também comandou a Defesa.
A relação entre civis e militares no ministério nem sempre se deu de forma harmônica. O primeiro ministro da Defesa de Lula, o diplomata José Viegas Filho, caiu após o Exército divulgar sem seu conhecimento uma nota em que justificava atos de repressão cometidos durante a ditadura militar.
“Embora a nota não tenha sido objeto de consulta ao Ministério da Defesa, e até mesmo por isso, uma vez que o Exército Brasileiro não deve emitir qualquer nota com conteúdo político sem consultar o Ministério, assumo a responsabilidade que me cabe, como dirigente superior das Forças Armadas, e apresento a minha renúncia ao cargo de Ministro da Defesa, que tive a honra de exercer sob a liderança de Vossa Excelência”, escreveu Viegas, na ocasião.
O ex-ministro Aldo Rebelo disse que durante sua gestão na pasta “não houve qualquer tipo de estranhamento pela presença de um civil à frente do Ministério, prevaleceu sempre a dedicação e o espírito público e patriótico no cumprimento das missões emanadas”.
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