Impacto
PorGazeta do Povo
Os integrantes do Grupo Técnico (GT) de Minas e Energia dão entrevista coletiva no CCBB, em Brasília.| Foto: José Cruz/Agência Brasil.
O grupo técnico de Minas e Energia da equipe de transição anunciou nesta quinta-feira (8) que o governo Bolsonaro deixará uma dívida de de R$ 500 bilhões, a serem pagos nos próximos anos pelos consumidores. De acordo com o coordenador executivo do grupo, Mauricio Tolmasquim, o principal impacto é uma das consequências da privatização da Eletrobras, com um custo de R$ 368 bilhões nas contas.
Uma das emendas inseridas pelos parlamentares no projeto que aprovou a venda da estatal no Congresso obriga o governo a comprar energia de termelétricas a gás natural nas regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste a partir de 2026. “Lugares distantes onde não há gás natural”, alertou Tolmasquim, durante entrevista coletiva no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília.
Também aumentaram o rombo: um empréstimo feito ao setor elétrico durante a pandemia de Covid-19 no valor de R$ 23 bilhões; a Conta Escassez-Hídrica, o novo empréstimo de R$ 6,6 bilhões feito ao setor elétrico para cobrir prejuízos com a crise energética de 2021; a contratação emergencial de usinas termelétricas, realizada em outubro do ano passado pelo governo, no valor de R$ 39 bilhões; e a obrigação de reserva de mercado com a contratação de Pequenas Centras Hidrelétricas (PCHs) nos leilões de energia, de R$ 55 bilhões, mais uma exigência feita pelo Congresso no projeto de privatização da Eletrobras.
Segundo Tolmasquim, isso terá que ser pago pelos consumidores durante esse período do governo que se inicia, mas por outros governos também. A equipe de transição fará sugestões ao novo ministro de Minas e Energia para reduzir esses valores, como a rescisão dos contratos emergenciais com as usinas termelétricas e a revisão, junto ao Congresso, da obrigação de instalar esse tipo de usina em lugares distantes, longe do suprimento de gás e do centro de consumo.
Ele citou ainda a escalada da criação de subsídios no setor, como para a energia fotovoltaica, “uma fonte altamente competitiva”. Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou a prorrogação, por mais seis meses, do prazo final para instalação de microgeradores e minigeradores de energia fotovoltaica com isenção de taxas pelo uso da rede de distribuição para jogar a energia elétrica na rede. A isenção vai até 2045.
Ele afirmou que a expansão do setor deve passar pela visão de transição energética, por fontes como solar e eólica, mas é preciso pensar na segurança energética e capacidade de fornecimento no futuro, que passa pela energia hídrica, atuação central da Eletrobras. Com informações da Agência Brasil.
Governo, essa conta não é nossa!
Artigo por Clauber Leite e Carlota Aquino Costa
O setor elétrico brasileiro é um ente superendividado que, às voltas com o vencimento de uma dívida impagável, consegue um aumento no limite do cartão de crédito para continuar contraindo mais dívidas e pagando mais juros.
A diferença é que, neste caso, os avalistas do empréstimo somos nós, consumidores cativos, e não temos qualquer poder de influência ou tomada de decisão: temos apenas o dever de manter o pagamento de nossas contas de energia em dia, mesmo estando elas entre as mais elevadas do mundo.
Ou seja, temos de aceitar tais empréstimos à nossa revelia, por decisões tomadas por aqueles que, no limite, deveriam justamente salvaguardar-nos de custos excessivos.
A moda dos empréstimos à custa dos consumidores começou ainda em 2014, com a negociação de três tranches, num total de R$ 21,7 bilhões, para a cobertura dos custos associados à descontratação das distribuidoras na esteira da fatídica Medida Provisória 579/12.
Hoje, o consumidor mal começou a pagar a conta-covid – fechada no ano passado para equilibrar o fluxo de caixa das concessionárias nos primeiros meses da pandemia de covid-19 – e já querem que assuma um novo empréstimo para cobrir custos extraordinários do setor, agora associados à crise hídrica.
De acordo com informações da imprensa, a proposta em discussão entre os ministérios de Minas e Energia e da Economia, a Agência Nacional de Energia Elétrica e a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) é que seja criado um empréstimo de entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões para recuperar o caixa das concessionárias, pressionado pelos custos excessivos da geração térmica.
A operação pode ser viabilizada via medida provisória, a ser encaminhada pelo Executivo ao Congresso Nacional.
O problema é que, além de penalizar ainda mais os consumidores, esse tipo de encaminhamento ignora as reais causas do novo desequilíbrio de caixa das distribuidoras. O fato é que o modelo de formação de preços da energia não reflete as condições do setor.
Basta observar que hoje, enquanto os consumidores cativos estão pagando a bandeira da escassez hídrica devido à combinação da pior seca em praticamente um século com a falta de planejamento setorial, o valor do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) está abaixo de R$ 200 por MWh.
Ou seja, a aplicação das atuais regras proporciona sinais trocados aos agentes: pequenos consumidores, que já não sabem como cortar gastos pressionados por tarifas excessivas, ficam sujeitos à bandeira da escassez, enquanto a maioria dos demais agentes não percebe qualquer restrição.
Vale observar que a situação é ainda mais grave tendo em vista a combinação da deterioração das condições socioeconômicas do país e da inação do governo para efetivamente trabalhar em favor da redução tarifária.
Na prática, temos tão somente medidas paliativas que postergam eventuais repasses de custos, justamente como o empréstimo agora em discussão.
A revisão das regras tem de ser feita no contexto da modernização do setor elétrico, num processo que proporcione a correta alocação dos riscos e que dê maior transparência ao setor, promovendo gastos eficientes em todas as suas etapas.
Mais, nesse processo têm de ser incorporadas as práticas de ESG que as companhias do setor elétrico tanto alardeiam possuírem.
Afinal, a geração térmica necessária neste momento deveria justamente ser considerada entre os riscos associados às mudanças climáticas e, como tais, teria de ser corretamente precificada pelos agentes no contexto das políticas relativas à sustentabilidade corporativa.
Nos anos 1980, o setor elétrico brasileiro viveu momentos críticos devido à inadimplência entre as várias partes de sua cadeia, naquele momento composta por estatais.
No arranjo atual, os débitos não são repassados de forma isonômica, cabendo apenas à sua parte mais frágil e sujeita a sanções imediatas, como o corte do fornecimento em caso de inadimplência. Esse tipo de solução é injusto e enganador, baseado em uma lógica perversa que atribui ao pequeno consumidor riscos que não são seus e perpetua ineficiências setoriais.
Clauber Leite é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e Carlota Aquino Costa é diretora-executiva do Idec
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