O que é a Modern Monetary Theory, que embasa o pensamento gastador dos economistas do PT
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Tiago Cordeiro – Gazeta do Povo
“A ideia básica da chamada Teoria Monetária Moderna é que o Estado, por emitir sua própria moeda, é capaz de se autofinanciar quase indefinidamente”, diz o economista Igor Lucena| Foto: EFE/MARCELO SAYAO
No início de dezembro, o parecer do senador Alexandre Silveira (PSD-MG) a favor da PEC fura-teto mencionou uma teoria econômica conhecida pela sigla MMT. Posteriormente, o acrônimo foi retirado, mas o estrago estava feito. Ficou claro que a nova gestão federal pretende ampliar os gastos públicos a pretexto de estimular o crescimento da economia.
MMT faz referência a Modern Monetary Theory, ou Teoria Monetária Moderna. “Não é precisamente uma teoria, nem moderna”, explica Ricardo Hammoud, professor de Macroeconomia e Contas Nacionais no Ibmec-SP. Ela é resultado da soma de uma série de conceitos esparsos, defendidos desde pelo menos a primeira metade do século 20, por economistas como o alemão Georg Friedrich Knapp. Já em 1905 ele dizia que o governo poderia usar a emissão de moeda própria para gerar riquezas – uma ideia também aceita, por exemplo, pelo neomarxista polonês Michal Kalecki.
Mais recentemente, a MMT voltou à tona por obra de Stephanie Kelton, professora de economia da Stony Brook University. Como assessora do senador democrata americano – e pré-candidato à presidência dos Estados Unidos na época – Bernie Sanders, ela deu uma enorme visibilidade à tese agora retomada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Mesmo nos Estados Unidos, muitos economistas ligados à esquerda, como o prêmio Nobel Paul Krugman, criticam a teoria, também defendida pela congressista democrata Alexandra Ocasio-Cortez. “Mesmo Krugman, que argumenta a favor de o estado realizar gastos, considera que esta não é uma proposta séria”, comenta Hammoud.
“A ideia básica da chamada Teoria Monetária Moderna é que o Estado, por emitir sua própria moeda, é capaz de se autofinanciar quase indefinidamente”, detalha, por sua vez, Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais. “Seguindo este conceito, o Estado pode emitir dinheiro quanto quiser, porque sua dívida está atrelada ao próprio dinheiro que ele imprime para maximizar o desenvolvimento econômico. Assim, seria possível gerar pleno emprego – e a inflação resultante poderia ser controlada aumentando impostos.” Assim, não seria preciso utilizar a taxa de juros como ferramenta de ajuste, como o Banco Central (BC) brasileiro faz toda vez que revê a Selic, a cada 45 dias.
Procurado pela Gazeta do Povo, Armínio Fraga, economista e ex-presidente do Banco Central, comentou a MMT: “A qualidade da moeda em última instância depende da qualidade do governo, não o contrário”.
Populismo e inflação
A MMT não se sustenta na prática, ainda que tenha defensores no país, especialmente dentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), argumenta Igor Lucena. “A economia não funciona desse jeito.” O Brasil já tentou adotar uma prática semelhante, ele aponta. “O mais próximo que estivemos de seguir essa teoria foi nos anos 80, com gastos desenfreados e inflação em níveis pré-Plano Real. É um passado para o qual ninguém quer voltar.”
Sebastian Edwards, professor de Economia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, aponta em artigo sobre a MMT que a América Latina já adotou a teoria em diferentes ocasiões. Sempre pelas mãos de governos populistas. Ele avaliou os regimes de Salvador Allende no Chile (1970-1973), de Alan Garcia no Peru (1985-1990), de Hugo Chávez e Nicolás Maduro na Venezuela (1998 em diante) e de Néstor e Cristina Kirchner na Argentina (2003-2015).
Invariavelmente, as mudanças na economia começaram com a realização de grandes obras públicas e um aumento inicial na renda, resultado de maior oferta de empregos. Mas, em todos os casos, aponta Edwards, o desfecho foi o mesmo: “Estes experimentos, com bancos centrais financiando expansões fiscais, terminaram mal, com inflação galopante, desvalorização da moeda e queda no poder de compra real”.
Em outras palavras, o que se viu foram “crises de grandes proporções”. O padrão é consistente, apesar das diferenças de perfil dos quatro países e da ampla variedade de momentos históricos em que os governos populistas buscaram implementar a teoria.
Frases soltas
Igor Lucena lembra que a MMT não tem fundamento algum. “Em economia, toda teoria precisa ser assentada por cálculos matemáticos. Não existe nada disso nesta teoria, que se apoia apenas em um conjunto de frases soltas. Não há dados colocados na prática, nenhum tipo de regressão, tabelamento, teste de hipótese, cálculo”, detalha.
Não é viável, portanto, aplicar a MMT para ações governamentais. “Chega a ser ridículo. Você não faz política pública assim. Não pode colocar a vida de milhões de pessoas em jogo para depender de meia dúzia de ideias de economistas que, aparentemente, não leram muita coisa do passado da história econômica.”
Ricardo Hammoud explica que não é mais possível, por lei, o Brasil imprimir moeda para financiar sua própria dívida. “No auge da hiperinflação, na década de 80, o Banco Central gerava dinheiro para depositar em uma conta específica, utilizada para pagar dívidas do governo. Agora, o BC, além de ser independente, não pode mais financiar diretamente débitos do Estado.” E esta é uma medida saudável para o país, ele assegura: “O governo tem, sim, restrição orçamentária. Não pode gastar mais do que ganha por muito tempo, ou então sempre vai haver consequências”.
O que é a Teoria Monetária Moderna citada na PEC da Transição e por que o mercado reage mal a ela
Foto: Fábio Motta/Estadão
Por Luiz Guilherme Gerbelli – Jornal Estadão
Modelo prevê que governos que emitem dívida em moeda local não enfrentariam risco fiscal ao promover a expansão de gastos; teoria foi citada em relatório discutido no Senado e retirada do texto após críticas
Citada no relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e depois retirada do texto, a Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês) assume, de forma geral, que os governos que emitem dívida em moeda local não enfrentariam um risco fiscal ao promover a expansão de gastos.
Essa teoria passou a ser debatida nos anos pré-pandemia, num cenário em que os Estados Unidos não conseguiam acelerar o crescimento econômico, mesmo com juros e inflação baixos. A MMT ganhou força, sobretudo, dentro da ala mais à esquerda do Partido Democrata, nos Estados Unidos.
“Essa teoria tem premissas irrealistas até para os Estado Unidos”, afirma Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Não tem sustentação nas bases mais essenciais da teoria monetária. É uma ideia que veio de um grupo pequeno de economistas dos EUA, mas que é muito barulhento.”
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A citação da MMT no relatório da PEC, não foi bem recebida pelo mercado financeiro e acabou retirada do texto por iniciativa de Fernando Haddad, nome mais cotado para ocupar o Ministério da Fazenda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A preocupação é que, se a teoria for posta em prática, o País pode chegar a dois cenários: aumento da inflação e problemas no balanço de pagamentos.
“O resultado é que esse processo é inflacionário”, diz Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimento. “E com a inflação subindo, os juros aumentam, e o governo vai ter se endividar a uma taxa mais alta.”
“E há um segundo ponto: ninguém garante que essa emissão de moeda local não vá migrar para a moeda estrangeira. Se você pegar esse dinheiro que será emitido e o mercado passar a demandar mais dólares, aí não tem montante de US$ 300 bilhões de reservas (internacionais) que dê conta. Vai gerar uma crise no balanço de pagamentos”, acrescenta Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.
Há ainda um outro agravante que dificulta a implementação da MMT no Brasil, que tem a ver o curto prazo de emissão de dívida do País, de acordo com Holland. A dívida pública brasileira tem um período médio de apenas quatro anos. “Não dá para emitir moeda financiando o gasto, porque isso significa emitir dívidas no curto prazo muito caras”, afirma. Segundo ele, o Brasil não consegue emitir título na própria moeda “no longo prazo”. Nos Estados Unidos, como comparação, a maior parte da emissão da dívida é com títulos longos, de 20, 30 anos.
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a PEC da Transição abriu um espaço de R$ 145 bilhões no teto de gastos para bancar o novo Bolsa Família. No texto, o relator da proposta no Senado, Alexandre Silveira (PSD-MG), incluiu uma referência à MMT, citando que a teoria destaca o “papel central da política fiscal (em contraposição à política monetária) para recuperar a economia de um país”.
“Além de não comprometer a sustentabilidade da dívida, os gastos adicionais propiciados por esta PEC poderão, em verdade, ampliar a capacidade de pagamento do governo. Projeta-se em R$ 69,3 bilhões a expansão do Programa Auxílio Brasil (ou do que vier a substituí-lo). A teoria keynesiana tradicional, bem como a chamada Teoria Monetária Moderna (ou MMT) enfatizam o papel central da política fiscal (em contraposição à política monetária) para recuperar a economia de um país”, destacou o texto do relator.
Entre os economistas que integram a transição, André Lara Resende abraçou parte da teoria. O grupo econômico, no entanto, não participou das discussões do texto da PEC.
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