Com Bolsonaro, Lei Rouanet saiu do “eixo de clientelismo e monopólio”, diz atual secretário
Por
Gabriel Sestrem – Gazeta do Povo


O atual secretário da Cultura, André Porciuncula. Pasta alterou mecanismos da Lei Rouanet para que recursos chegassem a artistas menores| Foto: Reprodução/Youtube

Enfrentando uma ferrenha oposição desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PL), a secretaria de Cultura, que no atual mandato foi indexada ao Ministério do Turismo, ao fim deste ano encerra uma gestão marcada pelo emprego de medidas contrastantes com políticas adotadas em governos anteriores.

O modo de destinação de recursos públicos para o setor cultural por meio da chamada Lei Rouanet foi uma das principais frentes de mudanças, mas várias outras alterações ocorreram nas políticas culturais. O foco das modificações foi na descentralização e popularização dos recursos, fazendo com que as verbas chegassem mais aos pequenos artistas e menos àqueles que possuem mais condições de tocar projetos culturais sem verba pública; na despolitização da pasta; e na moralização dos recursos públicos.

Diante da proposta de popularizar a Lei Rouanet, houve, por exemplo, a diminuição do teto estabelecido para a maioria dos tipos de projetos beneficiados – a verba máxima, que era de R$ 1 milhão, passou a ser de R$ 500 mil. Além disso, empresas que usarem incentivos fiscais por meio da Lei Rouanet passaram a ser obrigadas a destinar 10% do valor investido a projetos iniciantes. Também houve redução no teto do cachê pago a artistas, de R$ 45 mil para R$ 3 mil por apresentação.

Por fim, entrou em vigor um limite a ser pago como aluguel de casas de espetáculo com verbas da Lei Rouanet e também uma redução na verba publicitária – os captadores de recursos, que antes podiam destinar 30% da verba obtida a peças publicitárias, tem agora um limite de 5% para isso, e um teto de R$ 100 mil.

Tudo isso, segundo o atual mandatário da pasta da Cultura, André Porciuncula – que ocupava a função de Secretário Nacional de Incentivo e Fomento à Cultura, quando o órgão estava sob o comando de Mario Frias – deve-se à busca por “tornar a Lei Rouanet mais justa e popular”.

As mudanças geraram forte resistência, e ativistas de esquerda, com o apoio de artistas famosos, como Caetano Veloso, Daniela Mercury e Wagner Moura, fizeram uma denúncia de “censura” à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA). As alegações de censura – que o próprio movimento reconheceu que não se enquadram no “modelo clássico de censura” – não impressionaram as autoridades da OEA presentes em uma audiência realizada em dezembro do ano passado, e o caso permanece estacionado desde então.

Nesta entrevista exclusiva, a Gazeta do Povo conversou com o atual secretário da Cultura, que falou sobre as mudanças de rumo na condução da pasta, a colisão com o ativismo de esquerda e as possíveis consequências de uma nova gestão petista à frente da Cultura.

Passados quatro anos de gestão, quais foram as principais mudanças concretizadas na Lei Rouanet?

André Porciuncula: Nós mudamos o eixo do foco de investimento. Se você pegar o volume de dinheiro aplicado na Lei Rouanet no ano passado, vai ver que o governo federal bateu o recorde no volume de dinheiro aplicado. Foram mais de R$ 2 bilhões; nenhum outro governo investiu tanto na Lei.

Apesar de todas as acusações de que somos alvo, como destruição cultural e destruição da Lei Rouanet, a realidade é que aplicamos o maior volume histórico de todos os tempos e, com isso, geramos quase um milhão de empregos.

Mas o real impacto não se trata da quantidade aplicada, mas para onde esse dinheiro está indo. Antes havia uma super concentração de recursos: apenas 10% das grandes empresas de produção cultural ficavam com 88% desse volume global de dinheiro, e com as mudanças que fizemos, saímos daquele eixo de clientelismo e monopólio e aplicamos justamente onde mais se precisava dentro desse eixo cultural.

Foram destinados recursos, por exemplo, em capacitação e profissionalização de pequenos artistas; restauro de patrimônios históricos e museus; e exposições, em especial de artistas iniciantes. Então acabamos modificando essa estrutura de que a Lei Rouanet existia para contemplar a elite artística e quem falava bem do governo. A consequência é que a Lei acabava sendo instrumentalizada como um mecanismo de compra de consciência. E a gente a entregou para o povo, entregamos para o eixo cultural de fato da nossa nação.

No início deste ano, entraram em vigor as novas regras para a Lei Rouanet com o objetivo de democratizar seus recursos. Como, na prática, essa verba está chegando mais para os artistas pequenos?

André Porciuncula: Eu não gosto do termo “democratizar”, acho que virou um clichê. Acabou que a palavra “democracia” hoje está na boca de dez em cada dez tiranetes de esquina. Acredito mais no termo “popularizar”, no sentido mais comum, de tornar algo do povo.

Esses mecanismos que entraram em vigor neste ano ajudaram bastante nesse processo de popularização. Diminuímos o cachê, por exemplo, porque 98% dos artistas não ganham um cachê de R$ 3 mil, e queremos atingir esses 98%, não aqueles 2% ou 1% que ganham mais de R$ 3 mil de cachê. Queremos alcançar justamente os artistas que precisam ter essa pequena ajuda de incentivo. Tem que ter em mente isso: é uma lei de incentivo, não é uma lei que visa sustentar uma elite artística. Ela visa incentivar a cultura nacional.

Quando digo que a cada R$ 1 milhão em patrocínio é preciso que 10% desse valor seja destinado a quem nunca usou a Lei, eu realmente popularizo a lei, pois se quebra o monopólio que existia dos grandes patrocinadores às grandes empresas culturais. Então força esses patrocinadores a investir para além da lógica de mercado – uma grande empresa obviamente quer pegar seu incentivo tributário e colocar nos grandes artistas, porque ela aplica ali a lógica de mercado, de retorno em marketing e propaganda.

Então essas mudanças começam a forçar essa descentralização, começam a popularizar a lei de fato, e acabam com alguns modelos de monopólio e oligopólio e de interferências indevidas no mercado.


Democratização da Lei Rouanet: entenda proposta que irrita artistas de esquerda
Como principal responsável pela distribuição de recursos da Lei Rouanet, o sr. foi acusado de dificultar a liberação de verbas para projetos culturais críticos ao governo Bolsonaro ou com temáticas de esquerda. Como o sr. enxerga essas críticas?

André Porciuncula: Isso é uma bobagem tremenda, é uma narrativa política. O que houve foi o inverso. O que fizemos foi despolitizar a Lei tirando ela do palanque político-ideológico.

O sujeito queria fazer um evento político com dinheiro da Lei Rouanet, mas nisso não cabe o uso de dinheiro público. Estavam mal acostumados a usar verba pública como palanque político-ideológico, e o que fizemos foi um trabalho de despolitizar e resgatar os alicerces culturais da Lei.

Todas as autorizações ou as negativas [aos pedidos de financiamento] se pautaram rigorosamente dentro dos aspectos que a lei determina. Então alguns pedidos foram bloqueados para alcançar esse processo de moralização dos investimentos.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/pasta-cultura-gestao-bolsonaro-mudancas-lei-rouanet-revolta-ativistas-esquerda/
Copyright © 2022, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

Loading

By valeon