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Deltan Dallagnol – Gazeta do Povo
Waldez Goes, ministro da Integração e Desenvolvimento Regional.| Foto: José Cruz/Agência Brasil
Depois de enganar a morte mais de uma vez, Sísifo foi condenado a carregar um rochedo pesado até o cume de uma montanha, lugar do qual cairia novamente, cena que se repetiria infinitamente. Assim como na mitologia grega, o Brasil caminha a passos largos para a mesma condenação de Sísifo.
Na quinta-feira passada, Lula se cercou mais uma vez de condenados pela Justiça. Você aceitaria alguém condenado por desviar dinheiro de outras pessoas administrasse o seu dinheiro, a sua conta bancária ou os recursos do seu condomínio? Aceitando ou não, é isso que vai acontecer.
O atual presidente indicou como ministro da Integração e Desenvolvimento Regional Waldez Góes, o ex-governador do Amapá, condenado pelo Superior Tribunal de Justiça em novembro de 2019, pela prática de corrupção (peculato) intencional (dolosa), a cumprir seis anos e nove meses de prisão, pagar uma multa de 650 salários-mínimos e devolver para os cofres públicos R$ 6,3 milhões.
Segundo a condenação, ao longo dos anos de 2009 e 2010, o ex-governador descontou do salário dos servidores pelo menos R$ 68 milhões para pagar empréstimos consignados, mas, ao invés de pagá-los, usou os recursos para pagar despesas do governo.
Enquanto isso, as autoridades relataram no processo que as despesas com programas sociais feitas pela Secretaria de Estado chefiada por sua esposa, candidata a deputada estadual nas eleições de 2010, saltaram 282% entre setembro de 2009 e setembro de 2010, o que sugere um possível objetivo eleitoral na ação criminosa.
Você aceitaria alguém condenado por desviar dinheiro de outras pessoas administrasse o seu dinheiro, a sua conta bancária ou os recursos do seu condomínio? Aceitando ou não, é isso que vai acontecer
Assim, Góes desviou recursos privados, pertencentes aos servidores, em favor do Estado e, como consequência, os servidores ficaram inadimplentes, tiveram seus nomes inscritos no SERASA e foram acionados na Justiça junto com o governo pelas empresas financeiras. Devido às incontáveis multas, juros e honorários decorrentes da inadimplência, foram desperdiçados mais de R$ 6 milhões em recursos públicos.
Alguém que mereceria a punição com cadeia de acordo com a segunda mais alta corte judicial do país, por malversação de dinheiro público, receberá em seu lugar um prêmio: o poder de decidir o destino de cerca de 90 bilhões de reais nos próximos quatro anos, assim como de gerenciar as atividades de 10 mil servidores públicos e 2.500 servidores comissionados – presumindo que serão preservados os recursos orçamentários e humanos da pasta documentados no Portal da Transparência.
Dentro do ministério, estão a defesa civil, as superintendências do desenvolvimento do nordeste, da Amazônia e do centro-oeste, uma parte da Agência Nacional de Águas e Saneamento e a cobiçada Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, a qual atua em 35% do país, abrangendo 2.675 municípios.
Com orçamento bilionário e sua ampla abrangência, a CODEVASF tem grande potencial não só para gerar votos mas também para desviar dinheiro público. Isso porque, por ser uma estatal, como a Petrobras, possui procedimentos de contratação mais flexíveis do que os ministérios e secretarias. Não foi à toa que, segundo levantamento do Estadão, parlamentares indicaram a estatal para realizar operações com verbas do orçamento secreto. Em 2022, a empresa pública foi alvo de operação da Polícia Federal em razão de suspeitas de corrupção e fraudes licitatórias.
Alguém que mereceria a punição com cadeia de acordo com a segunda mais alta corte judicial do país, por malversação de dinheiro público, receberá em seu lugar um prêmio
Como é possível que um condenado se torne ministro, em vez de ser preso?
Ao condenar o então governador, o ministro João Otávio de Noronha decretou a perda do cargo, entendendo que “é absolutamente inadmissível que o chefe de um dos Estados da Federação – motivo que exige mais acuidade no trato da coisa pública, cabendo-lhe, além da boa administração, o exemplo maior para os servidores e para a população em geral – continue a exercer a função mesmo depois de condenado a crime relativo a ilícito administrativo”.
Seguiu o ministro afirmando que “é inconcebível que um governador de Estado condenado pela prática de peculato possa continuar no exercício de cargo para qual é condição sine qua non a idoneidade. Ademais, se não foi pela questão relativa à probidade, não há como um administrador público exercer suas funções enquanto cumpre pena privativa de liberdade, não só inviável, como desonrosa para o cargo tal possibilidade”.
Tanto a função de governador como a de ministro são altos cargos de gestão administrativa do Poder Executivo. Se o peculato, a desonestidade e a necessidade de bom exemplo são incompatíveis com a permanência de Waldez Góes na função pública de governador, como ele reuniria condições para ser ministro?
A Transparência Internacional se manifestou sobre o caso, alertando que “a sociedade e as instituições devem impedir que um Ministério fundamental para o desenvolvimento de regiões desassistidas do país continue usado como máquina de corrupção e feudalização eleitoreira”.
Um país que premia criminosos e pune quem cumpre a lei jamais prosperará. A justiça, a ordem, o rule of law, a segurança jurídica, são bases fundamentais do desenvolvimento das nações. O lugar do condenado não é na liderança do ministério, mas sim na cadeia. E como a Justiça permite que esteja solto?
No início de 2020, Góes conseguiu uma decisão liminar, provisória, do Ministro Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus, suspendendo os efeitos da condenação, com o mesmo argumento que derrubou condenações de Lula, Cabral e Eduardo Cunha: o de que o tribunal que o julgou não seria o competente.
O caso foi a julgamento em abril de 2021 na primeira turma do STF e dois ministros, Barroso e Marco Aurélio, votaram pela rejeição do habeas corpus e manutenção da condenação. O ministro Alexandre de Moraes, em seguida, pediu vista, suspendendo o julgamento. A nomeação de Góes torna urgente a retomada e conclusão do julgamento.
A indicação de Góes revela dois problemas: o da impunidade sem fim no Brasil e o do mau exemplo que vem de cima. O próprio presidente Lula foi condenado em três instâncias por corrupção, foi preso e, depois de se tornar presidente, nomeou ao menos 67 investigados e condenados para a equipe de transição. Agora, indica um condenado por peculato para ser Ministro.
A corrupção ou a aparência de corrupção está sendo normalizada. Isso é muito preocupante porque, como modernas pesquisas comportamentais demonstraram, a desonestidade contagia. Albert Schweitzer, teólogo laureado com o Prêmio Nobel da Paz, afirmou que “dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única”. O exemplo arrasta.
Como na história de Sísifo, depois de combatermos a corrupção até o cume do sistema em nosso país, a pedra da corrupção rola abaixo, espalhando destruição e contaminando todo o sistema. Enquanto o mau exemplo vier de cima, viveremos a eterna repetição desse problema.
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