Cúpula dos Três Poderes articula reação conjunta após invasão em Brasília
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Gazeta do Povo
Brasília
Manifestantes picharam estátua da Justiça em frente ao STF, depredaram plenário e salas usadas pelos ministros| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os atos ocorridos neste domingo (8) no Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal (STF) uniram a cúpula dos Três Poderes e deverão, nos próximos dias, gerar uma dura reação jurídica, no âmbito criminal e civil, não apenas contra os manifestantes, contrários à eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também a políticos, autoridades e líderes supostamente envolvidos com ações de vandalismo. A repressão deve partir principalmente do Executivo, que decretou intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, e do Judiciário, que há mais tempo enfrenta manifestações de revolta.
Apesar de estar nos Estados Unidos desde o fim de dezembro e ter criticado a ação dos vândalos, o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo mais próximo, estão na mira. Ao anunciar a intervenção na segurança pública do DF, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o culpou pelos atos. “Esse genocida não só provocou isso, não só estimulou isso, como, quem sabe, está estimulando ainda pelas redes sociais, que a gente está sabendo, lá de Miami de onde ele foi descansar”, afirmou o petista, num pronunciamento em Araraquara (SP), que visitou em razão de desastres causados pelas chuvas.
“Todo mundo sabe que tem vários discursos do ex-presidente da República estimulando isso. Ele estimulou a invasão na Suprema Corte, estimulou invasão, só não estimulou a invasão do Palácio porque ele estava lá dentro. Ele estimulou invasão nos Três Poderes sempre que ele pôde e isso também é da responsabilidade dele, isso é de responsabilidade dos partidos que sustentam ele e tudo isso vai ser apurado com muita força e com muita rapidez”, disse Lula.
O presidente chegou em Brasília à noite, onde visitou o Palácio do Planalto e depois o STF, para vistoriar os danos. Na Corte, foi recebido pela presidente, Rosa Weber, e pelos ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Em nota, a ministra afirmou que “o STF atuará para que os terroristas que participaram desses atos sejam devidamente julgados e exemplarmente punidos” e que “o prédio histórico será reconstruído”. Rosa Weber se reunirá com Lula nesta segunda (9), no Palácio do Planalto, pela manhã. A noite, o presidente receberá governadores e deve pedir apoio das forças de segurança locais para desmobilizar atos contra seu mandato espalhados pelos estados.
Em linha com o chefe do Executivo, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que, apesar de ainda não haver elementos para responsabilizar Bolsonaro na esfera jurídica, ele tem responsabilidade política. “Politicamente, é claro que na medida em que houve o que houve, uma transição conflituosa e que não houve reconhecimento do resultado eleitoral e pelo contrário, houve instigação e açulamento para acreditar em esoterismos, em teses exóticas, estranhas, agressivas, é claro que a responsabilidade política é inequívoca”, afirmou o ministro.
“Responsabilidade jurídica, aí obviamente cabe ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e não a mim apurar. E aí dependeria da investigação mostrar alguma coisa ainda que ainda não está evidente. Eu não vejo nesse momento qualquer elemento de responsabilização jurídica do ex-presidente da República. Poderá aparecer, sim, poderá. Mas nesse momento, não há. Responsabilidade política, sim. Todos aqueles que querem polarizar, instigar a prática de crimes, extremismos, etc. são politicamente responsáveis, por ação ou omissão”, completou, em entrevista à imprensa.
No âmbito do STF, Bolsonaro já é investigado no inquérito das “milícias digitais” pelo ministro Alexandre de Moraes, que tende agora a aprofundar as apurações para descobrir se estimulou, de alguma forma, os atos deste domingo. Pelas redes sociais, o magistrado avisou que os atos não ficarão impunes. “Os desprezíveis ataques terroristas à Democracia e às Instituições Republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos. O Judiciário não faltará ao Brasil!”, disse.
Ainda durante a tarde, a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou no STF um pedido para que Moraes decrete a prisão do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, exonerado neste domingo do cargo de secretário de Segurança do Distrito Federal. O órgão ainda pediu reforço de segurança nas residências das autoridades federais e determinação para que as redes sociais identifiquem e removam conteúdos que estimulem as invasões, mas guarde esses dados para guardem esses dados para punir os responsáveis.
O recado de que os atos não ficarão impunes, sobretudo sobre quem estimulou ou se omitiu, também partiu dos chefes do Legislativo. Pelo Twitter, o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que “os responsáveis que promoveram e acobertaram esse ataque à democracia brasileira e aos seus principais símbolos devem ser identificados e punidos na forma da lei”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse repudiar “veementemente esses atos antidemocráticos, que devem sofrer o rigor da lei com urgência”.
No governo e no STF, o entendimento é que os atos se enquadram nos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, que consiste em tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, e que tem pena de 4 a 8 anos de prisão; e de golpe de Estado, definido como o ato de tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído, com pena de até 12 anos de reclusão. Os dois tipos foram criados recentemente pelo Congresso num capítulo do Código Penal que substitui a extinta Lei de Segurança Nacional (LSN). Caberá, no entanto, às Polícias Federal e Civil do DF investigar organizadores para que então o Ministério Público Federal os denuncie na Justiça Federal.
Decano do STF, Gilmar Mendes reforçou o entendimento de que a punição deve chegar não só a quem participou, mas também a quem se omitiu. “Na data de hoje, foi levado a efeito um complexo plano criminoso de abolir, violentamente, o Estado Democrático de Direito. Alguns executaram, outros financiaram, mas não importa: todos precisam ser punidos. A maior responsabilidade, contudo, recairá sobre as autoridades omissas”, postou o ministro.
Pelo Twitter, Bolsonaro buscou se defender. “Repudio as acusações, sem provas, a mim atribuídas por parte do atual chefe do executivo do Brasil”, postou o ex-presidente. Antes, criticou os atos de vandalismo. “Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra. Ao longo do meu mandato, sempre estive dentro das quatro linhas da Constituição respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade”, escreveu.
De forma mais direta, o alvo mais visado das investigações será o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que recentemente reassumiu a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e neste domingo foi exonerado pelo governador Ibaneis Rocha. Caberia a ele coordenar a proteção da Praça dos Três Poderes, mas ele estava fora da capital, em viagem de férias aos Estados Unidos – foi para Orlando, mesma cidade onde está Bolsonaro.
A avaliação inicial por parte do Executivo e do Judiciário é que houve omissão, uma vez que já era de conhecimento público que apoiadores de Bolsonaro, indignados com a desmontagem de acampamentos em frente a quartéis do Exército, se encaminhavam para Brasília para protestar na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes. Dezenas de ônibus chegaram à capital federal no fim de semana e convocações para participar do ato foram espalhadas nas redes sociais e em aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram.
Como a segurança da capital é de responsabilidade do governo distrital, ministros do governo e do STF entendem que, no mínimo, não houve empenho para barrar os manifestantes, e numa hipótese mais grave, falta de comando ou mesmo conivência, respaldada pelo fato de que vários policiais militares foram gravados guiando manifestantes, deixando de reprimir ou recuando diante das invasões e depredações.
Num vídeo publicado nas redes, Ibaneis Rocha pediu desculpas a Lula, à presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, e aos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco – os dois últimos, chamados de “amigos” pelo governador. Depois, anunciou que mais de 400 pessoas já haviam sido presas.
“O que aconteceu hoje na nossa cidade foi simplesmente inaceitável. Nós vínhamos monitorando desde a tarde de ontem, juntamente com o ministro Flávio Dino, todos esses movimentos que estavam chegando ao Distrito Federal. Conversamos de ontem para hoje por várias vezes e não acreditávamos em momento nenhum que essas manifestações tomariam as proporções que tomaram”, disse. Acrescentou que a responsabilidade da PM será apurada. “O Distrito Federal está sob uma intervenção federal na área da segurança e nós confiamos na pessoa do ministro [Flávio] Dino, com seu indicado [Capelli] para que a gente consiga fazer todas as apurações e vamos colocar na cadeia todos esses bandidos”, disse.
Antes de ter a demissão anunciada, Anderson Torres, criticou condenou os atos e disse que havia determinado providências. “É inconcebível a desordem e inaceitável o desrespeito às instituições. Determinei que todo efetivo da PM e da Polícia Civil atue, firmemente, para que se restabeleça a ordem com a máxima urgência. Vandalismo e depredação serão combatidos com os rigores da lei. Criminosos não sairão impunes”, postou o agora ex-secretário.
Na intervenção decretada por Lula, restrita à segurança pública no DF e com prazo até o final de janeiro, as polícias militar e civil, além do corpo de bombeiros, ficarão sob comando do secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli. No início da noite, ele comunicou que já estava “em campo, andando no asfalto, comandando pessoalmente as forças de segurança, cumprindo a missão que recebi do presidente da República”. “Ninguém ficará impune. O Estado Democrático de Direito não será emparedado por criminosos.”
A Polícia Federal, por sua vez, anunciou que instalou um gabinete de crise para coordenar as ações e identificar os autores dos ataques aos órgãos federais. Informou que grupos táticos da corporação foram mobilizados de vários estados do país para dar apoio às forças de segurança em Brasília.
Outra providência foi acionar equipes que já iniciaram perícias nos edifícios do Palácio do Planalto, Congresso e STF para identificação dos responsáveis pelas depredações, inclusive com sistemas de identificação facial. O Grupo de Bombas e Explosivos fará varredura e a segurança de Lula será reforçada, incluindo rotas e instalações. “Os crimes cometidos durante os atos estão sendo devidamente apurados”, informou a PF em nota.
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