Contas públicas
Por
Renan Ramalho – Gazeta do Povo
Brasília
Sede do STF em Brasília.| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF/Arquivo
Se antes mesmo de assumir o Executivo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já trabalhava para garantir verbas adicionais no Orçamento, deverá redobrar esforços para não perder recursos em outra frente: na Justiça. Em dezenas de ações pendentes de julgamento, principalmente nos tribunais superiores de Brasília, a União corre o risco de arcar com um passivo de aproximadamente R$ 1,2 trilhão em cobranças tributárias e demandas contra órgãos públicos e estatais.
O montante consta no Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 e está baseado em cálculos da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa todos os órgãos federais junto à Justiça. O impacto seria de um ano no futuro e cinco no passado, seja na perda de arrecadação, caso tributos sejam revistos, seja no reconhecimento de dívidas. Obviamente, existe a possibilidade de a União sair vencedora nesses processos (em parte ou totalmente) e não ter perda nenhuma. Cabe à AGU batalhar por isso nas Cortes de Justiça.
Em uma das mais importantes, a União teve um alívio no fim do ano passado, ainda na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 25 de novembro, R$ 472,7 bilhões foram salvos num julgamento no STF em que, por 9 votos a 2, a maioria dos ministros decidiu pela constitucionalidade de limites fixados pelas leis que regulam o pagamento de PIS e Cofins à geração de créditos tributários de grandes indústrias na aquisição de insumos para seus produtos.
A decisão representou uma grande vitória para a União e o montante resguardado é maior dentro das ações tributárias no STF. Mas o risco não desapareceu, pois ainda cabem recursos, mas a chance de virada no curto prazo é remota.
Assim como essa causa, outras grandes matérias tributárias no STF envolvem PIS e Cofins. A Corte ainda vai analisar a possibilidade de incidência dessas duas contribuições sobre as receitas de bancos decorrentes de suas atividades fim, incluindo ganhos financeiros. Se os bancos ganharem, a União perde R$ 115,2 bilhões.
Outra ação discute a inclusão de PIS e Cofins nas suas próprias bases de cálculo – se a União perder para o setor privado, o impacto será de 65,7 bilhões a menos na arrecadação. Em outro processo, o STF vai analisar se o Imposto Sobre Serviços (ISS) entra na base de cálculo do PIS e da Cofins – estão em jogo, neste caso, R$ 35,4 bilhões. Outras duas ações envolvem incidência das duas contribuições sobre receitas decorrentes da locação de bens móveis, inclusive em empresas que alugam imóveis esporádica ou eventualmente – nesses dois casos, a perda pode chegar a R$ 36,2 bilhões.
Se o STF permitir a exclusão da base de cálculo de PIS e Cofins dos valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS, decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal, a União perde mais R$ 16,5 bilhões. Outra questão é a incidência de PIS, Cofins e CSLL sobre os valores resultantes de transações realizadas por cooperativas – nesse caso, o impacto será de R$ 9,1 bilhões.
Ainda no campo tributário, no âmbito do STF, tramitam ações que discutem a incidência da Cide sobre remessas ao exterior (R$ 19,6 bilhões); contribuições do agronegócio para a seguridade social e o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), que incide sobre a receita bruta da produção (R$ 29,4 bilhões); reduções de benefícios fiscais previstos no Reintegra (R$ 4 bi); percentual da multa por indeferimento, na própria Receita, de pedidos de ressarcimento, compensação e restituição (R$ 3,7 bi). Todos esses processos somam risco de R$ 807,4 bilhões.
Mas, além desses, há outros 14 processos no STF cujo impacto ao governo Lula nem sequer está dimensionado. Envolvem questões como a cobrança de PIS e Cofins sobre importação; cobrança de IOF em empréstimos que não envolvem instituições financeiras; imunidade do imposto de importação de entidades filantrópicas religiosas; incidência de IPI no bacalhau importado; contribuição previdenciária de cooperativas em alíquotas maiores que as de empresas; entre vários outros processos.
A conta de R$ 1,2 trilhão ainda envolve matérias tributárias em andamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em ações sobre a cobrança de CSSL e IRPJ sobre ganhos de entidades fechadas de previdência complementar (R$ 30,2 bilhões); e o aproveitamento de créditos de PIS e Cofins na venda de celulares e prestação de serviços de telecomunicação (R$ 5 bilhões).
Fora do campo tributário, estão em trâmite, no âmbito do STF e do STJ, ações contra a União que podem levar a perdas de ao menos outros R$ 209,3 bilhões. Dentro desse grupo, há uma ação que discute se a União deve indenizações ao setor sucroalcooleiro, no valor de R$ 107 bilhões. Outra ação discute a devolução das diferenças pagas pelos mutuários de Cédulas de Crédito Rural, na época do Plano Collor I, o que pode custar R$ 79 bilhões aos cofres federais. O fornecimento de medicamentos caros e não cobertos pelo SUS pode representar custo de mais R$ 14 bilhões. Indenizações a servidores que não tiveram férias podem chegar a R$ 3,9 bilhões e desapropriações podem levar a União a ter de pagar R$ 2 bilhões.
Ações contra autarquias e fundações, especialmente ligadas ao INSS, podem gerar perdas adicionais de R$ 198,9 bilhões. Uma dessas ações discute se vigilantes têm direito a aposentadoria especial, com impacto potencial de R$ 151 bilhões. Ações civis, previdenciárias e trabalhistas contra estatais embutem risco de R$ 3,7 bi; e demandas contra o Banco Central podem custar mais R$ 5,8 bi.
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Risco provável, possível e remoto de derrota na Justiça
O próprio anexo da LDO faz algumas ressalvas quanto à ameaça real que essas ações representam para as contas públicas. A AGU classifica as ações em três grupos. A primeira é de risco provável, quando já existe decisão colegiada do STF contra a União; nessas ações, a perda potencial é de R$ 859,9 bilhões. Outra categoria são as ações de risco possível, quando há possibilidade de reversão maior; neste grupo, estão ações com impacto de R$ 184,3 bilhões. E há ainda o risco remoto, quando as ações não se encaixam em nenhuma das hipóteses anteriores, ou seja, estão totalmente em aberto ainda.
“Além do caráter probabilístico da natureza dessas ações judiciais, há de se considerar as características próprias dos trâmites jurídicos, como, por exemplo, pendências de julgamento final, possibilidade de recursos em instâncias superiores, dificuldade de previsão de tempo e valor das causas. Essas características impõem uma avaliação e interpretação cautelosa dos valores apontados como passivos contingentes de ações judiciais. De qualquer forma, o elevado montante relacionado às ações judiciais revela a necessidade de uma especial atenção ao tema”, alerta o documento.
AGU
O procurador da Fazenda Jorge Rodrigo Araújo Messias foi o escolhido por Lula para comandar a Advocacia-Geral da União. A AGU representa o interesse do erário junto ao STF e organiza toda a atuação dos órgãos de defesa do poder público federal que atual nas demais instâncias.
Ele ficou mais conhecido pelo apelido “Bessias”, quando seu nome apareceu grafado assim na interceptação telefônica de uma conversa em 2016 em que a então presidente Dilma Rousseff dizia que ele entregaria a Lula um termo de posse na Casa Civil. A nomeação e o diálogo foram entendidos como uma manobra para o então ex-presidente ganhar foro privilegiado e escapar da Lava Jato na primeira instância.
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