Trump derrotado, denúncia contra Flávio, apagão, vacina, fim do auxílio: as nuvens que pairam sobre Bolsonaro
BBC NEWS
O presidente Jair Bolsonaro voltou a elevar o tom de suas declarações nesta semana, o que alguns críticos veem como uma tentativa de desviar o foco de uma série de notícias recentes negativas para o seu governo, como a denúncia criminal apresentada contra seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, e a derrota eleitoral de sua principal referência externa, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
© REUTERS/Adriano Machado Nesta semana, postura de Bolsonaro foi de radicalização diante de novos desafios
Bolsonaro, que até o momento não congratulou o democrata Joe Biden pela vitória sob Trump, aproveitou um discurso na terça-feira (10/11), em cerimônia sobre o setor de turismo, para polemizar com o futuro presidente americano, afirmando que o Brasil precisaria de “pólvora” para fazer frente à ameaça de retaliação comercial — durante a campanha, Biden disse que isso poderia ser feito caso o desmatamento não pare na Amazônia.
No mesmo evento, Bolsonaro defendeu que o Brasil “tem que deixar de ser um país de maricas” e “enfrentar de peito aberto” a pandemia de coronavírus. Mais cedo, ele comemorou a suspensão (já revertida) dos testes da CoronaVac, vacina contra coronavírus desenvolvida pelo Instituto Butantan que pode render dividendos políticos a um de seus principais adversários, o governador de São Paulo, João Doria.
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Para completar a “tempestade perfeita” que ganha forma contra o presidente, candidatos apoiados por ele nas maiores capitais do país devem ir mal na eleição municipal de domingo, segundo apontam as pesquisas eleitorais.
Além disso, Bolsonaro ainda não conseguiu viabilizar a criação de um novo programa de transferência de renda mais robusto que o Bolsa Família para ser implementado após o fim do auxílio emergencial (hoje em R$ 300) em janeiro. Sem isso, corre o risco de perder a popularidade conquistada esse ano. A lista de problemas ainda inclui um apagão grave no Amapá e queixas do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o aumento da dívida pública e a falta de privatizações.
“O ambiente político, tanto internacional quando doméstico, é bastante desafiador para Bolsonaro. E talvez o que retrate ainda mais essa percepção de insegurança do presidente é que esse movimento (de nova radicalização do discurso) ocorre a despeito de um capital político razoavelmente elevado”, nota o cientista político da Consultoria Tendências Rafael Cortez, lembrando que Bolsonaro teve ganho de popularidade neste ano e conseguiu reduzir as ameaças de impeachment fazendo uma aliança com partidos do chamado Centrão.
Para Claudio Couto, cientista político e professor da FGV, são justamente esses fatores que encorajam o presidente a subir o tom nas polêmicas.
“Jair Bolsonaro em dias plenos como Jair Bolsonaro. O alívio sentido com o bafejo de popularidade e o respaldo do Centrão o levaram novamente para sua zona de conforto, quando não se contém pelo medo da Justiça ou do impeachment”, escreveu, nesta quarta (11/10) em sua conta no Twitter.
Entenda melhor a seguir as “nuvens” que pairam sobre o governo Bolsonaro e podem explicar sua postura de ataque.
Denúncia criminal contra Flávio Bolsonaro
Um das maiores fontes de dor de cabeça para o presidente são as acusações contra Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que mancham seu discurso anticorrupção e podem levar seu filho à cadeia.
Após dois anos investigando um possível esquema de desvio de recursos do antigo gabinete de deputado estadual de Flávio, o Ministério Público do Rio de Janeiro apresentou uma denúncia contra o hoje senador no final de outubro, informação que só se tornou pública em 3 de novembro e acabou ofuscada pela eleição presidencial dos Estados Unidos.
Na denúncia, Flávio é acusado de ter cometido os delitos de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita, ao longo de uma década, durante o mandato dele na Assembleia Legislativa fluminense (Alerj).
A Promotoria também denunciou o então assessor de Flávio e amigo pessoal de Jair Bolsonaro, Fabrício Queiroz, e outras 15 pessoas sob acusação dos mesmos crimes. Os nomes não foram divulgados oficialmente porque o caso tramita sob sigilo.
Segundo os investigadores, Queiroz operou de 2007 a 2018 um esquema criminoso milionário no qual outros funcionários do gabinete devolviam parte do salário, tendo o filho do presidente como principal beneficiário. A acusação diz que os recursos eram usados para pagar em dinheiro vivo contas pessoais do então deputado, como mensalidade da escola de suas duas filhas, ou era lavado na compra de imóveis e na loja de chocolates que o senador possui em um shopping no Rio de Janeiro.
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Ao menos um dos denunciados confessou os crimes, segundo reportagem do jornal O Globo: Luiza Sousa Paes disse aos investigadores que devolveu a Queiroz a maior parte do salário recebido por cargos que ocupou como funcionária fantasma (sem trabalhar de fato) no gabinete de Flávio e em outros setores na Alerj.
Agora cabe ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) aceitar ou não a denúncia. Em caso positivo, os acusados se tornam réus e o processo judicial tem início. O desembargador Milton Fernandes de Souza foi sorteado relator do caso — apenas quando ele concluir sua análise da denúncia e produzir seu voto o caso poderá ser pautado para julgamento. Não há previsão para nenhum desses próximos passos processuais.
Flávio Bolsonaro afirmou diversas vezes, desde que as suspeitas vieram à tona, que não cometeu nenhum crime. Segundo ele, há uma perseguição política em curso por meio de uma investigação ilegal que visa desestabilizar o governo de seu pai. Queiroz também nega qualquer irregularidade. Ele diz que os recursos coletados dos funcionários eram usados para subcontratar outros assessores para o gabinete informalmente.
O caso pode respingar na primeira-dama, Michele Bolsonaro, já que a investigação também revelou que Queiroz depositou em sua conta cheques que somam R$ 89 mil — o presidente e sua mulher até hoje não deram esclarecimentos sobre o fato.