Rio, São Paulo, Curitiba
A história das tentativas estatais de substituir aplicativos de sucesso
Por
Eli Vieira – Gazeta do Povo
Prefeitura do Rio teve seu “iFood” estatal suspenso pela justiça, já aplicativos de transportes tipo “Uber” de São Paulo e de Curitiba não tiveram sucesso.| Foto: Bigstock/Proxima Studio
Luiz Marinho, ministro do trabalho de Lula, declarou esta semana ao Valor Econômico que, caso o aplicativo de transportes Uber saia do Brasil em resposta a movimentações do governo para regulamentar o setor, pode “chamar os Correios, que é uma empresa de logística, e dizer para criar um aplicativo e substituir”. Ele também alegou que o aplicativo ameaçou sair da Espanha por esse motivo, mas a empresa, em nota à Gazeta do Povo, negou.
A sugestão feita pelo ministro de o Estado se intrometer no mercado de aplicativos, contudo, já foi tentada antes, de outras formas. Em março de 2022, a prefeitura de Eduardo Paes no Rio de Janeiro lançou o aplicativo Valeu, para tentar concorrer com o aplicativo de entrega de comida iFood. Ideia da Secretaria Municipal de Fazenda e Planejamento, o Valeu prometia “custo zero para os restaurantes em pedidos de até R$ 100” e o dobro da remuneração para os entregadores.
No próprio site, a prefeitura justificou a iniciativa dizendo que os restaurantes eram “sufocados pelas taxas de serviço que variam de 28% a 41% sobre os valores dos pedidos em outros aplicativos” como o iFood. Também prometeu que nas compras de menos de R$ 100 os entregadores receberiam um valor mínimo de R$ 7, “mais do que a média de R$ 5,5 praticada no mercado”. Nas compras mais caras, receberiam mais 2% do valor do pedido. O Valeu foi desenvolvido pela estatal Empresa Municipal de Informática do Rio (IPLANRIO). Ele até hoje não está disponível na loja de aplicativos do Google, suspenso por uma decisão judicial.
Vitória de vereador liberal
O vereador Pedro Duarte, do partido Novo, enfrentou a prefeitura na Justiça e ganhou. Em ação popular logo após o anúncio do Valeu, ele argumentou que o aplicativo não tinha “detalhamento dos custos e despesas com a criação e manutenção”. Além disso, a relação entre prefeitura e IPLANRIO não tinha mínima transparência quanto aos gastos, segundo ele, e não haveria demonstração de interesse público para a intervenção do poder público no mercado.
Repetidamente, Duarte ganhou a queda de braço judicial. Em 27 de junho de 2022, a juíza Luciana Losada Albuquerque decidiu que a empresa estatal estava “agindo prejudicialmente à livre concorrência” e criticou Eduardo Paes por tentar fazer tudo por decreto, em vez de editar uma lei formal. No dia 16 do mês seguinte, em decisão negando recurso da prefeitura, o desembargador Milton Fernandes de Souza acrescentou que não era concreta a alegação de “risco de dano grave imediato” causado pela suspensão do aplicativo. Finalmente, em acórdão de outubro de 2022, os desembargadores da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça mais uma vez negaram recurso da prefeitura, elogiando como “lúcido” o parecer do Ministério Público afirmando que o executivo municipal era contraditório ao alegar que o Valeu seria somente um intermediário entre usuários e restaurantes, não sendo meio de pagamento, enquanto prometia incremento de renda.
Sobre a ideia do ministro do trabalho, Pedro Duarte declarou à Gazeta do Povo que “esse plano é uma piada. Não cabe ao Estado sufocar o privado e depois inventar de fazer o papel dele. Vai gastar uma fortuna e mesmo assim não vai conseguir. Essas empresas investem muito para ter tecnologia de ponta, atendimento, estudo do algoritmo, é muito complexo. Não vejo chances de uma estatal disso dar certo, zero”.
Outras iniciativas estatais
Em abril de 2018, a prefeitura de São Paulo lançou o aplicativo SP Táxi, na tentativa de concorrer com o Uber, 99, inDrive e outros do ramo. A loja Google Play relata 100 mil downloads, mas o aplicativo não pode ser instalado em celulares de modelos recentes. A última atualização data de 12 de maio de 2021. No computador, a página do aplicativo na loja diz que “este app não está disponível para nenhum de seus dispositivos”. A reportagem tentou instalá-lo em um modelo Samsung A52, mas o link diz “algo deu errado”. Ele não aparece na busca direta na loja.
Uma matéria do G1 de janeiro de 2020 informa que a prefeitura de São Paulo buscava através de edital uma empresa privada que gerisse o SP Táxi.
Em novembro de 2019, Curitiba também lançou seu próprio aplicativo, o URBS Táxi, com promessa de 40% de desconto no taxímetro. Ele está com nota 2,1 em 5 na loja Google Play. O comentário mais recente de usuário é de fevereiro de 2020, uma reclamação que o aplicativo “não avisa se consegue chamar o táxi, pedi e achei que não tinha conseguido”. Ele deu nota 1. A última atualização do programa é de dezembro daquele ano.
Outra tentativa é o aplicativo Bibi Mobilidade, com apoio da Prefeitura de Araraquara, mas administrado por uma cooperativa de motoristas de aplicativo, a Coomappa. Em seu site, o aplicativo diz que sua primeira versão, na realidade, é privada e data de 2019. Ele foi anunciado pela prefeitura há um ano e promete 95% da tarifa para os motoristas. O Bibi vende franquias para outros municípios, é instalável em aplicativos Android e tem nota 4,1 em 5 na Google Play.
Já existem queixas. No site Reclame Aqui, uma queixa originada em Fernandópolis, também no interior de São Paulo, está sem resolução há seis meses: “Comprei uma franquia da Bibi Mob para um município com mais de 600 mil habitantes”, diz o reclamante (Fernandópolis, contudo, tem população estimada segundo o IBGE em 2020 de 69 mil), “a empresa não possui estrutura para lidar com o que diz oferecer”. Outra reclamação, de Rio Branco no Acre, diz que o treinamento é inadequado. Segundo os relatos, a franquia custa cerca de R$ 7 mil. A empresa respondeu a ambos, mas eles marcaram seu problema como não resolvido.
Kauane Vallone, secretária da Coomappa em Araraquara, disse à reportagem que “o Bibi não funciona mais” na cidade e que a cooperativa rompeu contrato com a prefeitura. “Foi a mesma coisa que nada. Só usaram a gente para subir a escadinha”, disse Vallone. “Não existe mais parceria com a prefeitura, e nem o apoio”.
A Gazeta do Povo entrou em contato com as prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro, além do aplicativo Bibi Mob. A reportagem será atualizada caso se manifestem.
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