Ó, Romeu!
Por que essa história não está sendo contada?

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo


Se tivéssemos artistas de verdade neste país, já teriam feito uma boa versão de Romeu e Julieta opondo petistas e bolsonaristas.| Foto: Pixabay

Quer prova maior do que a elite cultural brasileira está irremediavelmente corrompida? Que os artistas ignoram o público e se contentam com a aceitação do grupo? Que não almejam mais a glória? Pois aqui está, e de graça: a inexistência de uma versão de “Romeu e Julieta” com os Montéquios transformados em petistas e os Capuletos em bolsonaristas. Ou vice-versa.

Vice-versa, não! Lendo a fabulosa tradução de José Francisco Botelho da tragédia shakespeariana, por algum motivo associei a família de Romeu ao PT e a de Julieta a Bolsonaro. Mas é claro que vai ter especialista me contrariando. E tudo bem. Se ao menos uma pessoa se interessar em ler Shakespeare por causa destas parcas linhas já me dou por satisfeito.

Mas eu falava da elite cultural e caramba! Imagine um texto bom, realmente bom, talvez até levemente genial, explorando o sofrimento e a irracionalidade do amor e do ódio político que opõem as duas facções. No lugar de Verona, a tragédia poderia se desenrolar numa cidadezinha da Caatinga. Só para dar aquele toque ridículo de Brasil profundo à coisa toda.

“Ah, cego Amor que se acha cordial/ Mas na prática é um déspota brutal!”, gritaria Romeu numa passeata antibolsonarista, antes de se infiltrar numa motociata para ver Julieta, a quem ama escondido do Partido. E “o fim da dor presente” (Lula) que “está na dor futura” (2026) é aquele mesmo da versão original: o veneno (das fake news!), a adaga (do Adélio!) e as duas ideologias mortas. Para o desespero de quem só queria ser feliz.

Personagens

Romeu e Julieta retrata a interação entre três proeminentes famílias em Verona:[1]

Casa dos CapuletoCapuleto é o pai de Julieta e patricarca dos Capuletos.Senhora Capuleto é a esposa de Capuleto.Julieta é a filha única dos Capuletos e a protagonista feminina da peça.Teobaldo é primo de Julieta, e filho do irmão da Senhora Capuleto.Ama é a confidente e ama de Julieta.Pedro e Gregório são os criados dos Capuletos.GovernoPríncipe Escala é o Príncipe de VeronaPáris é um jovem nobre, parente do príncipe, e pretendente de Julieta.Mercúcio é parente do príncipe e amigo de Romeu.Casa dos MontéquioMontéquio é o patriarca da casa dos Montecchios.Senhora Montéquio é a matriarca da casa dos Montecchios.Romeu é o filho único dos Montecchios, e o protagonista masculino da peça.Benvólio é sobrinho de Montecchio e primo de Romeu.Abraão e Baltasar são os criados dos Montecchios.OutrosFrei Lourenço é confidente de Romeu e franciscano.Frei João é quem iria entregar a carta de Frei Lourenço para Romeu.Um Boticário, que vende a poção fatal para Romeu.Rosalina é uma personagem invisível, pretendente de Romeu antes dele conhecer Julieta e prima desta pelo lado paterno.

Sinopse

“Duas famílias, iguais em dignidade …”

O Último Beijo de Romeu em Julieta por Francesco Hayez. Óleo sobre tela, 1823.

A peça abre numa rua com o desentendimento entre os Montecchios e os Capuletos. O Príncipe de Verona intervém e declara que irá punir com morte as pessoas que colaborarem para mais uma briga de ambas as famílias. Mais tarde, Páris conversa com Capuleto sobre o casamento de sua filha com ele, mas Capuleto está confuso quanto o pedido porque Julieta tem somente treze anos. Capuleto pede para Páris aguardar dois anos e o convida a uma planejada festa de balé que será realizada na casa. A Senhora Capuleto e a Ama de Julieta tentam persuadir a moça a aceitar o cortejo de Páris. Após a briga, Benvólio encontra-se com seu primo Romeu, filho dos Montecchios, e conversa sobre a depressão do moço. Benvólio acaba descobrindo que ela é o resultado de um amor não-correspondido por uma garota chamada Rosalina, uma das sobrinhas do Capuleto. Persuadido por Benvólio e Mercúcio, Romeu atende o convite da festa que acontecerá na casa dos Capuletos em esperança de encontrar-se com Rosalina. Contudo, Romeu apaixona-se perdidamente por Julieta. Após a festa, na famosa “cena da varanda”, Romeu pula o muro do pátio dos Capuletos e ouve as declarações de amor de Julieta, apesar de seu ódio pelos Montecchios. Romeu e Julieta decidem se casar.

Com a ajuda de Frei Lourenço – esperançoso da reconciliação das famílias através da união dos dois jovens – eles conseguem se casar secretamente no dia seguinte. Teobaldo, primo de Julieta, sentindo-se ofendido pelo fato de Romeu ter fugido da festa, desafia o moço para um duelo. Romeu, que agora considera Teobaldo seu companheiro, recusa lutar com ele. Mercúcio sente-se incentivado a aceitar o duelo em nome de Romeu por conta de sua “calma submissão, vil e insultuosa”.[3] Durante o duelo, Mercúcio é fatalmente ferido e Romeu, irritado com a morte do amigo, prossegue o confronto e mata Teobaldo. O Príncipe decide exilar Romeu de Verona por conta do assassinato salientando que, se ele retornar, terá sua última hora.[4] Capuleto, interpretando erroneamente a dor de Julieta, concorda em casá-la imediatamente com o Conde Páris e ameaça deserdá-la quando ela recusa-se a se tornar a “alegre noiva” de Páris. Quando ela pede, em seguida, o adiantamento do casamento, a mãe lhe rejeita. Quando escurece, Romeu, secretamente, passa toda a noite no quarto de Julieta, onde eles consumam seu casamento.

A Reconciliação dos Montecchios e Capuletos Diante da Morte de Romeu e Julieta, por Frederic Leighton, 1855

No dia seguinte, Julieta visita Frei Lourenço pedindo-lhe ajuda para escapar do casamento, e o Frei lhe oferece um pequeno frasco, aconselhando: “… bebe seu conteúdo, que pelas veias, logo, há de correr-te humor frio, de efeito entorpecedor, sem que a bater o pulso continue em seu curso normal, parando logo…”[5] O frasco, se ingerido, faz com que a pessoa durma e fique num estado semelhante a morte, em coma por “quarenta e duas horas”.[6] Com a morte aparente, os familiares pensarão que a moça está morta e, assim, ela não se casará indesejadamente. Por fim, Lourenço promete que enviará um mensageiro para informar Romeu — ainda em exílio — do plano que irá uni-los e, assim, fazer com que ele retorne para Verona no mesmo momento em que a jovem despertar. Na noite antes do casamento, Julieta toma o remédio e, quando descobrem que ela está “morta”, colocam seu corpo na cripta da família.

A mensagem, contudo, termina sendo extraviada e Romeu pensa que Julieta realmente está morta quando o criado Baltasar lhe conta o ocorrido. Amargamente, o protagonista compra um veneno fatal de um boticário que encontra no meio do caminho e dirige-se para a cripta dos Capuletos. Por lá, ele defronta-se com a figura de Paris. Acreditando que Romeu fosse um vândalo, Páris confronta-se contra o desconhecido e, na batalha, Romeu o assassina. Ainda acreditando que sua amada está morta, ele bebe a poção. Julieta acaba acordando e, descobrindo a morte de Romeu, se suicida com o punhal dele, vendo que a poção do moço não possuía mais nenhuma gota. As duas famílias e o Príncipe se encontram na tumba e descobrem os três mortos. Frei Lourenço reconta a história do amor impossível dos jovens para as duas famílias que agora se reconciliam pela morte dos seus filhos. A peça termina com a elegia do Príncipe para os amantes: “Jamais história alguma houve mais dolorosa / Do que a de Julieta e a do seu Romeu.”


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