Editorial
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Gazeta do Povo
Ministros Fernando Haddad e Simone Tebet apresentaram detalhes do novo arcabouço fiscal a Lula na última sexta-feira.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Após fazer suspense, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregou ao presidente da República o projeto do chamado “arcabouço fiscal”, com as diretrizes e medidas de gestão das contas públicas. Segundo o ministro, as medidas se destinam a manter as contas do governo sob controle, para que os resultados fiscais sejam adequados à saúde da economia brasileira e ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Na reunião de sexta-feira, dia 17, o presidente Lula pediu que Haddad negocie com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mesmo assim, Haddad mantém a promessa de que o texto será finalmente divulgado ainda nesta semana, embora seus termos sigam mantidos a sete chaves, a ponto de gerar muitas críticas de parlamentares.
Duas questões emergem logo de saída em relação ao documento. A primeira é a denominação, já que a palavra “arcabouço” significa estrutura ou conjunto do que é necessário para a construção de algo, o que permite deduzir que o ministro submeteu ao presidente as definições sobre a política fiscal e a lista de medidas a serem tomadas no âmbito da arrecadação tributária e dos gastos públicos.
A segunda questão diz respeito à situação criada pelo próprio governo, mais especificamente pelo presidente Lula, que desde a campanha eleitoral vinha se colocando contra o teto de gastos, contra a independência do Banco Central e contra o equilíbrio das contas fiscais enquanto, dizia ele, houver pobres no país. As falas e ações de Lula quando candidato, quando presidente eleito e já depois da posse – entre elas, a pressão pela revogação do teto de gastos aprovado no governo Michel Temer para controlar os déficits fiscais – seguiram em direção oposta ao controle do déficit e à austeridade na gestão das contas do governo. Por isso, a sociedade já deduziu das falas de Lula que o governo pode acabar aumentando a dívida pública e, também, os impostos, como já ocorreu com o retorno da tributação sobre combustíveis e a instituição de um imposto sobre exportações de petróleo.
Infelizmente, é bastante plausível o cenário em que Lula cumpra seu discurso e parta para o pior caminho ao aumentar gastos e impostos, gerar mais déficit, expandir a dívida pública e tentar de algum modo baixar a taxa de juros na marra
Haddad pode até tentar emitir sinais de que pretende gerir com responsabilidade a política fiscal, sobretudo controlar os gastos, não permitir a explosão da dívida pública e não aumentar os impostos, ou aumentá-los de forma moderada em setores específicos. O problema está nas falas de Lula e nas primeiras medidas do governo, que estão levando os agentes econômicos a não acreditar em moderação do governo e até mesmo apostando que o Planalto pode vir a criar o pior dos mundos, com aumento de gastos, aumento de impostos, elevação do déficit fiscal e aumento da dívida pública. Se isso ocorrer, duas consequências diretas certamente aparecerão: crescimento da inflação e elevação da taxa de juros, cujo cenário desaguaria, como sempre, em queda do produto nacional, aumento do desemprego e, por óbvio, mais pobreza e mais miséria.
Infelizmente, é bastante plausível o cenário em que Lula cumpra seu discurso e parta para o pior caminho ao aumentar gastos e impostos, gerar mais déficit, expandir a dívida pública e tentar de algum modo baixar a taxa de juros na marra. Quanto aos juros, o mercado vem reagindo com pessimismo e o próprio Banco Central, ao manter elevada a taxa Selic, demonstra não acreditar em gestão austera e responsável. Sempre vale lembrar que, se o governo promover a explosão dos gastos públicos, as saídas para cobrir o rombo são sempre as mesmas: mais impostos, mais dívidas e emissão de moeda circulante, medidas que levam a mais inflação e juros mais altos.
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O mistério gira em torno inclusive dos indicadores que seriam usados para se criar o novo mecanismo fiscal: dívida pública, superávit primário, arrecadação, despesas etc. Especificamente quanto à Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), seu total atingiu R$ 7,2 trilhões em dezembro do ano passado, o equivalente a 73,5% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022. Há os que julgam não ser um problema o aumento da dívida pública como proporção do PIB, sob o argumento de que muitos países têm dívida do governo em porcentuais bem maiores que o Brasil. Ocorre que esse dado não pode ser analisado isoladamente, mas deve considerar o tamanho da poupança nacional depositada no sistema financeiro e que forma os fundos disponíveis para empréstimos a pessoas, empresas e governo, bem como as necessidades de crédito do setor privado compatíveis com aumento do PIB. Quanto mais dinheiro é tomado pelo governo, menor é o volume disponível para financiar o setor produtivo privado, o que resulta sempre em elevação da taxa de juros e redução do crescimento econômico.
Adicionalmente, há um problema que é característico do Brasil e de economias pobres e com alto déficit de infraestrutura. Trata-se da necessidade urgente de aumentar gastos nacionais na recuperação da deteriorada infraestrutura física existente e na ampliação dessa mesma infraestrutura – sobretudo energia, transportes, portos, armazenagem, portos, aeroportos etc. A isso devem ser somadas as necessidades da infraestrutura social – escolas, hospitais, postos de saúde, creches, instituições assistenciais etc. – e dos investimentos nas cidades para destravar o congestionado sistema de circulação e de transporte coletivo. Diante desse quadro, o aumento de gastos provoca males mais graves que os já citados caso tenham por base o inchaço da máquina estatal, aumento da burocracia e expansão dos gastos com custeio, aumento de salários e benefícios do funcionalismo no âmbito dos três poderes.
Em resumo, o arcabouço fiscal do ministro da Fazenda é um enigma, tanto por ser desconhecido em seus detalhes como por ninguém saber o que sairá do gabinete do presidente da República. O melhor programa de governo é aquele que promove estabilidade dos preços, confiança dos investidores e condições para a meta maior: o crescimento do PIB e, com ele, o aumento do nível de emprego, renda e impostos. Fora disso, a chance de a política econômica tornar-se um desastre é enorme.
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