Crenças
“Só um pisciano faria uma coisa dessas”: a espiritualidade esotérica da Geração Z
Por
Ana Zarzalejos Vicens – Gazeta do Povo
Aceprensa


Um estudo do Instituto Springtide de 2021 aponta que 51% de uma amostra de mais de 10.000 entrevistados entre 13 e 25 anos recorrem às cartas de tarô ou à adivinhação| Foto: Pixabay

“Tem toda a pinta de ser de Gêmeos.” Talvez você tenha ouvido algo do tipo nos últimos tempos e ficou sem saber se era bom ou ruim (spoiler: geralmente é ruim). Talvez alguém tenha perguntado a hora exata de seu nascimento. Ou atribuiu algum acontecimento desagradável a Mercúrio retrógrado. Ora, ora, tudo é possível. O fato é que o tarô, a numerologia, a astrologia e crenças alternativas de toda sorte estão em alta.

Os dados confirmam. Uma pesquisa da YouGov publicada em 2022 perguntou a mil americanos se eles seguiam alguma das vinte crenças vagamente definidas como “espiritualismo New Age”. Os resultados revelaram que 87% são adeptos de ao menos uma dessas crenças.

Um relatório ainda mais recente da Fundação Jean Jaurès e da Fundação Reboot, publicado em janeiro de 2023, investigou as crenças de jovens franceses com idades entre 11 e 24 anos, e constatou que 49% acreditam que a astrologia é uma ciência, 35% acreditam em reencarnação e 23% acreditam em fantasmas.

Um estudo do Instituto Springtide de 2021 aponta que 51% de uma amostra de mais de 10.000 entrevistados entre 13 e 25 anos recorrem às cartas de tarô ou à adivinhação. Destes, 17% praticam alguma das duas todos os dias, 25% semanalmente e 27% ao menos uma vez por mês, enquanto para 31% a frequência não chega a ser mensal.

Um relatório da Fullscreen (2019) também concluiu que uma cultura mística está se estabelecendo entre os jovens de 18 a 34 anos, pois 43% deles tomariam decisões cruciais tendo como base a leitura do horóscopo ou do tarô, e um em cada três concorda que a astrologia é uma forma de dar sentido às coisas que acontecem em sua vida.

No entanto, seria um equívoco pensar que os jovens apostam tudo nas crenças de pensamento mágico enquanto rechaçam as religiões tradicionais. Os dados do Pew Research Center sobre crenças religiosas de jovens entre 18 e 29 anos proporcionam uma radiografia que ajuda a contextualizar o cenário: 55% se consideram cristãos e 8% se identificam com outras confissões, em oposição a 36% que não se identificam com nenhuma religião. Dentre os crentes, 51% acreditam em Deus com absoluta convicção, 27% participam de eventos religiosos ao menos uma vez por semana e 41% rezam todos os dias.

A numerologia, a astrologia e o tarô estão em alta 
“Acredito na numerologia”, garante Noelia, estudante de dupla-graduação em uma universidade privada, em entrevista à reportagem. Esta jovem também acredita em astrologia, nas propriedades especiais de determinados minerais e cristais (sempre mantém um sobre sua mesa de estudos) e pratica ioga e meditação como forma de se conectar com o espiritual.

As crenças mágicas convivem com o pensamento racional e científico, e até mesmo com crenças religiosas tradicionais sem que os jovens vejam conflito nisso.

Mônica (nome fictício), escritora de thrillers de sucesso, garante que sempre se interessou por temas esotéricos, com destaque para a astrologia. Há poucos anos, arranjou um baralho de tarô e aprendeu a utilizá-lo lendo um livrinho.

Não tira as cartas para os outros, porque não quer influenciar pessoas sugestionáveis, mas garante que as utiliza como ferramenta de autoconhecimento para entender melhor as coisas que lhe acontecem.

“Houve um boom dessas coisas, que antes estavam relegadas a um âmbito depreciativo e eram associadas a coisas negativas”, comemora.

Por que as gerações mais tecnológicas, que testemunharam o maior avanço da história da ciência, estão buscando sentido em práticas desse tipo? Para os entrevistados, não existe incongruência: acreditam no empírico e no inexplicável sem ver contradição nisso.

O que está acontecendo? Uma série de fatores se alinhou – como uma boa conjunção planetária – e permitiu que uma série de crenças que sempre tiveram seu nicho, mas pareciam restritas aos hippies alternativos, encontre agora um cenário perfeito para atrair novos seguidores.

A pandemia, boa aliada do pensamento mágico  
Os dados apontam um pico de interesse durante a pandemia do coronavírus. De fato, segundo o Google Trends, as buscas por termos como “mapa astral” triplicaram durante 2020 e 2021.

Só nos Estados Unidos, as buscas por “cartas de tarô” e “como ler as cartas do tarô” experimentaram um aumento de 50% em 2020 se comparadas a 2019, e a Forbes informou no início da pandemia que as leituras sobrenaturais haviam crescido 136% durante as primeiras semanas da quarentena.

O interesse pelo tarô e por outras práticas não surgiu com a pandemia, mas a percepção de que a ciência fracassou em prevenir a crise mundial provocada pelo coronavírus foi a gota d’água que fez transbordar o copo da insatisfação.

“Supõe-se que alcançamos uma racionalidade técnica”, aponta Rafael Palomino, catedrático de Direito Eclesiástico do Estado da Universidade Complutense de Madri, mas existe uma insatisfação em relação às respostas que essa racionalidade é capaz de oferecer a perguntas relacionadas ao sentido da vida.

A visibilidade nas redes, a lógica do mercado e a insatisfação com a capacidade da sociedade moderna de responder a grandes perguntas fomentam a adesão a estas crenças.

“Estamos perdendo o pensamento crítico enquanto referência, e assim as crenças de pensamento mágico encontram um terreno fértil”, adverte também Pedro Juan Martín, doutor em Ciências Econômicas e Empresariais, doutor em Antropologia Social e autor do livro Pensamiento mágico y creencia paranormal [Pensamento mágico e crença paranormal, em tradução livre].

Maior acessibilidade graças às redes sociais 
Com a pandemia veio também um uso mais intensivo das redes sociais e de outros tipos de plataformas. Agora é possível agendar leituras de tarô diretamente através do Instagram ou aprender a ler as cartas por conta própria, o que tornou a prática mais acessível.

“O tarô não é mais assunto restrito aos programas televisivos da madrugada”, aponta Mônica. “Já é possível dizer abertamente que você sabe tirar as cartas. Muita gente se motivou a aprender a tirá-las ou utilizá-las”, acrescenta.

No TikTok, há mais de 2,4 bilhões de publicações com a hashtag #tarottok, e alguns aplicativos de encontros, como Bumble, permitem que seus usuários filtrem suas buscas pelo signo do zodíaco. Se você é de Gêmeos, Peixes ou Leão, sinto muito, mas tudo indica que você sairá perdendo.

“Existe muito mais pressão midiática porque há um boom nas redes sociais. Não é muito provável que um jovem visite uma consultora de tarô, mas ele pode muito bem gastar seu dinheiro em uma sessão online”, aponta Martín.

De fato, este nicho não passou despercebido pelo mercado. Não é mais preciso ir a uma loja especializada para ver que a astrologia apela aos consumidores. Os baralhos de tarô se tornaram mais diversos e hoje são tão populares que é possível comprar até mesmo cartas da série Friends.

Além disso, os tiktokers e instagramers que tiram cartas de tarô online podem adquirir seus acessórios e participar de cursos no site Labyrinthos.

E isso não vale apenas para a cultura pop: a alta costura também decidiu apostar na popularidade do tarô, e em 2021 a Dior lançou uma coleção inspirada nas cartas do baralho.

As empresas tecnológicas também não deixam passar uma. O aplicativo de astrologia Co-Star envia relatórios diários com o horóscopo de seus usuários. Sanctuary foi lançado em 20 de março de 2019 – coincidindo, por sinal, com o início da temporada de Áries e do ano novo astrológico – com financiamento inicial de 1,5 milhões de dólares e pronto para conectar sua base de usuários a leitores de cartas e do horóscopo.

“A ascensão do pensamento mágico não pode ser compreendida sem a lógica do mercado”, pois há uma dimensão muito grande de consumo, garante Rafael Palomino.

Espiritualizados, mas não religiosos 

A maior aceitação deste tipo de crenças também evidencia outro fenômeno importante nesta geração: o afastamento das instituições religiosas.

Para muitos, esse tipo de prática coexiste sem problemas com crenças mais tradicionais. Basta vermos a cantora Rigoberta Bandini, que sempre carrega na bolsa um baralho de cartas de tarô, ao passo que pede em um de seus grandes sucessos que Cristo venha ensiná-la a rezar.

Todavia, muitos rejeitam as instituições. O estudo do Springstide capta a essência deste fenômeno: “Embora 71% dos jovens consultados se considerem religiosos em algum nível e 78% se considerem espiritualizados, a maioria afirma não se guiar pelas instituições religiosas”. De fato, dentre os jovens entrevistados que afirmam recorrer ao tarô ou à astrologia estão mórmons, ortodoxos, judeus e muçulmanos.

Andrea não renega os valores católicos de sua criação. Porém, ela garante que a numerologia, a cabala e a astrologia lhe forneceram mais ferramentas para conhecer a si mesma de outro ponto de vista: “Elas revelam informações sobre nós mesmas, e a partir disso é possível trabalhar para crescer e evoluir”.

A jovem garante que em sua visão de mundo “não há uma verdade absoluta: todas as formas de olhar a realidade se combinam”.

O afastamento das instituições religiosas revela a preferência dos jovens por uma “religião customizada” que lhes permita escolher suas crenças.

Para explicar este processo, Palomino recorre ao conceito de “sociedade líquida”, cunhado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, e fala em uma “religião líquida”. “É uma espiritualidade pessoal, uma religião de buffet em que você escolhe aquilo que lhe agrada e a única autoridade é você mesmo”, explica.

Mas Juan Martín também alerta para o fato de que o pensamento mágico encontra respaldo em certos aspectos negativos da psicologia positiva que potencializam este ápice de popularidade de crenças mágicas como a lei da atração.

“É perigosa a ideia de que ‘tudo será como eu quero’, pois não é verdade que o pensamento seja capaz de alterar a nossa realidade”, alerta.

“Falta formação dentro das próprias crenças, e existe uma dimensão subjetiva segundo a qual a verdade é tudo aquilo que faça com que eu me sinta bem”, reflete Palomino.

As preocupações sociais e políticas, um fator importante 
Palomino também aborda outro enfoque para compreender por que jovens que não rejeitam os valores tradicionais não se identificam com as instituições: “As identidades políticas estão ganhando muito protagonismo, e em um futuro próximo serão vivenciadas, de certa forma, como uma religião”.

Os dados do estudo da Springstide corroboram sua visão: metade dos mais de 10.000 entrevistados disse não acreditar que as instituições religiosas se preocupem tanto quanto eles com questões que lhe são profundamente importantes, como o Black Lives Matter, a igualdade de gênero, os direitos LGBTQ e dos imigrantes, os direitos reprodutivos, o meio ambiente, a desigualdade salarial e o controle de armas.

Definitivamente, as explicações para essa tendência são múltiplas e complexas. Estamos falando de uma geração que cresceu em um entorno líquido, com uma cultura moldada pelas redes sociais e um elevado grau de insatisfação com uma sociedade que só valoriza respostas tecnológicas.

Os jovens acreditam que existem outras formas de entender a realidade e a si mesmos. Os especialistas não negam isso, mas têm ressalvas quanto às ferramentas escolhidas por eles.

“Existem verdades para além da ciência, mas o pensamento mágico não é o caminho”, conclui Pedro Juan.


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