Redes da Maré
Plano de segurança pública de Lula segue dados distorcidos de ONG visitada por Flávio Dino
Por
Gabriel Sestrem – Gazeta do Povo


Encontro de Flávio Dino com representantes de ONGs no Complexo da Maré, no último dia 13| Foto: Tom Costa/MJSP

A polêmica visita do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ao Complexo da Maré no último dia 13 teve como objetivo oficial, informado pela pasta, a participação do ministro no lançamento do relatório de uma ONG com dados sobre a violência armada no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.

No dia seguinte à visita, quando já surgiam vários questionamentos sobre as condições em que se deu o ingresso seguro de Dino no local, cujo poder é disputado pelas duas maiores facções do estado, o ministro disse que o conteúdo do relatório da ONG, chamada Redes da Maré, teria sido aproveitado na elaboração do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). O programa do governo federal foi lançado nesse mesmo dia.

“Nós acreditamos que esse boletim é um elemento importante, uma espécie de mapa do caminho que vai nos ajudar a combater a violência no Brasil e implantar uma cultura plena da paz”, disse Flávio Dino sobre o relatório.

Utilizando dados apresentados pela ONG, o Pronasci não trouxe nenhuma estratégia de enfrentamento ao crime organizado. Além disso, a abertura do evento que lançou o programa contou com uma apresentação de ativistas da Redes da Maré com pesadas críticas às forças de segurança e, seguindo o tom do relatório, sem mencionar as facções criminosas, motivadoras dos assustadores índices de criminalidade no Rio de Janeiro.

A tese da ONG é de que no ano de 2022 houve mais operações policiais no Complexo da Maré do que no ano anterior, o que teria aumentado o número de mortes violentas. O problema é que grande parte dos dados apontados no boletim não são oficiais. O documento diz que a ONG conta com colaboradores e coleta dados junto aos moradores e outras organizações atuantes nas favelas da Maré. Levantamento em veículos de comunicação e até em redes sociais também são levados em conta.

Há, ainda, outro problema relacionado ao “filtro” dado às informações. Ainda que essa e demais ONGs venham a apurar dados que mostrem que a violência nos morros é consequência direta do crime organizado, tais informações jamais poderiam ser publicadas, já que as ONGs funcionam nesses locais mediante a autorização das próprias lideranças do narcotráfico.

Para autoridades da segurança pública do Rio de Janeiro ouvidas pela Gazeta do Povo, o relatório usado pelo governo Lula traz dados dissociados da realidade das áreas dominadas por facções criminosas e omite uma série de questões a fim de culpar as forças de segurança pela violência armada dentro das comunidades. A narrativa é semelhante à de várias outras ONGs e partidos políticos como o PT e o PSB, partido de Flávio Dino, que integram a ação no STF que culminou em restrições diversas às operações policiais nos morros fluminenses.

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Boletim faz “malabarismo” para não citar facções como origem da violência armada
No relatório recebido por Dino, a ONG argumenta que a violência armada no Complexo da Maré, formado por 16 favelas que abrigam cerca de 140 mil moradores, tem um nome: operações policiais. No documento, há intensa crítica às forças de segurança ao mesmo tempo em que é praticamente ignorado o amplo domínio de grupos ligados ao narcotráfico nas comunidades de periferia, que ditam as regras aos moradores, criam tribunais informais para execuções e torturas e recorrem a armamento usado apenas pelas forças armadas para proteger seus territórios de facções rivais e de forças policiais.

As duas facções que disputam o controle da Maré – Comando Vermelho e Terceiro Comando Puro – sequer são mencionadas. A ONG chega a dizer que 89% das mortes decorrentes de confrontos entre policiais e criminosos na Maré tiveram indícios de execução e que em 60% das operações houve denúncias de violação de domicílios.

Já em relação aos chamados “grupos civis armados” – nome dado às facções criminosas – teriam ocorrido apenas oito confrontos entre grupos rivais, com somente sete registros de tiros com vítimas. A entidade chega a dizer que na ocorrência de mortes, “nem sempre o registro de tiro com vítima está relacionado ao confronto entre os grupos”. Os enfrentamentos entre facções seriam, portanto, apenas um problema secundário à segurança pública segundo o relatório.

“Há essa questão de que se a ONG está dentro do território dominado pela facção, não vai contrariar os interesses do crime. Mas partindo disso, como um órgão público pode receber um relatório dessa organização tratando-o como imparcial?”, questiona um policial da alta cúpula da Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), que falou à reportagem sob a condição de sigilo. “Se a organização não pode falar da violência que lá existe, para que um documento desse vai ser usado pelo governo num plano de segurança pública?”, prossegue.

O resultado prático dessa omissão de informações é que o boletim não menciona, por exemplo, a limitação do direito de ir e vir dos moradores da Maré; as torturas a moradores a título de “disciplina”; as incessantes “rondas” feitas por traficantes armados com fuzis nas ruas das comunidades; a venda de drogas e contenção armada nas portas das escolas; a instalação de dezenas de barricadas que impedem não só o avanço de viaturas, mas até mesmo de ambulâncias.

“Temos uma realidade de moradores assassinados, expulsos de suas casas, adolescentes tomadas dos pais para virarem namoradas dos traficantes. Não há menção a nada disso. Segundo o documento, todo o problema do Rio de Janeiro é a polícia, o que não é verdade”, diz o membro da PCERJ.

Ministro Dino com o boletim da ONG em mãos (Foto: Tom Costa/MJSP)

“Marco histórico”, diz Redes da Maré sobre a criação de obstáculos a operações policiais
Em operação feita em novembro do ano passado, policiais encontraram forte resistência e entraram em confronto com criminosos. Na ocasião, um dos traficantes mais procurados da Maré, Mário Bigode, foi morto. Dois de seus “seguranças” também foram baleados.

Conhecido por esquartejar suas vítimas, o criminoso respondia a 30 processos, o mais recente por ter sequestrado e assassinado uma jovem que havia terminado o relacionamento com uma das lideranças do crime. Na mesma operação, foram apreendidas três toneladas de drogas, veículos roubados, armamentos e granadas.

Dois meses antes, um chefe do tráfico de Vila Velha, no Espírito Santo, foi um dos 26 presos durante outra operação policial. “Luanzinho”, como é conhecido, estava abrigado no Complexo da Maré e de lá comandava crimes no estado vizinho.

Casos como esses não são raros: somente nesta quinta-feira (23), a PM do estado prendeu uma liderança do tráfico de Sergipe que estava abrigado no Complexo da Maré. No mesmo dia, em confronto com a polícia, foi morto um chefe do Comando Vermelho do Pará que, escondido no Rio de Janeiro, comandava assaltos e ataques a policiais em seu estado.

No entanto, a visão empregada pela Redes da Maré e outras ONGs e partidos de esquerda que participam ativamente da ação que tramita no STF conhecida como “ADPF das Favelas” busca dificultar ao máximo a ocorrência dessas operações. Tal medida é de amplo interesse do crime organizado, bastante beneficiado com as ordens do STF, que tiveram início em junho de 2020, para restringir as operações policiais.

No relatório, a Redes da Maré chega a descrever a “ADPF das Favelas” como um “marco histórico na luta pela diminuição da letalidade em ações das polícias que acontecem nas favelas”.

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Os holofotes que o governo Lula deu para o relatório da ONG, ao enviar um ministro de Estado para o lançamento do boletim e convidar ativistas para abrir o lançamento do Pronasci, é simbólico e parece representar uma tentativa de reforçar os cada vez mais frequentes pedidos de novas restrições a operações policiais por meio da ADPF das Favelas.

Os riscos dessa medida, entretanto, são bastante significativos. Apesar de as operações terem diminuído desde que ministros do STF passaram a acatar os pedidos das ONGs e partidos de esquerda, os confrontos entre policiais e narcotraficantes se tornaram muito mais violentos. Com mais barricadas e armas e maior ocorrência de treinamentos paramilitares aos criminosos, as facções desafiam policiais com agressividade dobrada.

O resultado é mais mortes e ferimentos de ambos os lados e até mesmo de moradores inocentes – as três operações com maior número de mortes ocorreram nos últimos dois anos: no Jacarezinho, em 2021 (28 mortes), e na Vila Cruzeiro (25) e no Complexo do Alemão (17), ambas no ano passado.

Em paralelo, desde o início das restrições o cumprimento de mandados de prisão caiu dramaticamente, o que representa mais criminosos nas ruas. Dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ), vinculado ao governo estadual, mostram que entre em 2020 (primeiro ano da vigências das restrições) houve redução de 41% no cumprimento de mandados de prisão na capital e região metropolitana, onde ficam as áreas com maior dominação do narcotráfico. A queda continuou se acentuando, com -10% em 2021 e -4% no ano passado.

Redução expressiva também ocorreu no cumprimento de mandados de busca e apreensão dentro das favelas. Houve queda de 71% no cumprimento de mandados em 2020. A queda seguiu no ano seguinte, havendo uma pequena recuperação a partir de 2022. Ainda assim, os cumprimentos de mandados representam apenas 20% em relação aos números de 2019.

Em paralelo, o registro de ocorrências (na somatória de todos os crimes) já volta a patamares de 2019. Houve reduções pontuais durante o momento mais crítico do isolamento social, que não se mantiveram. Enquanto em 2019 foram registradas 635 mil ocorrências, o ano de 2022 registrou 615 mil.

Fundação que apoia desencarceramento em massa e descriminalização de drogas financia Redes da Maré
No boletim enviesado da Redes da Maré consta o apoio de duas entidades estrangeiras que financiam organizações dedicadas ao ativismo político de esquerda em vários países – a Ford Foundation e a Open Society Foundation, do bilionário de esquerda George Soros.

Na visita de Dino à Maré, o ministro encontrou representantes da Open Society, que aporta milhões de dólares em entidades que atuam na defesa de medidas que impactam negativamente na segurança pública, como descriminalização das drogas e desencarceramento em massa.

Entre 2016 e 2021, a Redes da Maré recebeu ao menos US$1,1 milhão (na cotação atual, quase R$ 6 milhões) da fundação de Soros. Segundo o último relatório financeiro da ONG, com dados referentes a 2021, 57% dos recursos que a mantêm são estrangeiros. A entidade de ativismo mantém 350 funcionários e arrecadou R$ 15,2 milhões naquele ano.

Além da Redes da Maré, outras ONGs financiadas pela Open Society Foundation integram a “ADPF das Favelas” na tentativa de diminuir as operações policiais no Rio de Janeiro. Embora não seja ilegal, o repasse de recursos gera questionamentos pelo potencial de que uma organização estrangeira tenha influência indevida sobre os rumos do debate público em outros países.


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