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Deltan Dallagnol – Gazeta do Povo

BRA50. BRASÍLIA (BRASIL), 16/03/2023. – El presidente de Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa en la sesión de posesión del nuevo presidente del Tribunal Superior Militar (STM), Ministro Francisco Joseli Parente Camelo, hoy en Brasília (Brasil). EFE/Andre Borges


| Foto: EFE

Robin de Locksley, na versão mais difundida do mito inglês, foi um herói do século XII que enfrentou um sistema tirano de leis abusivas que oprimiam os pobres. Indignado com a injustiça, ele enfrentou o sistema e foi declarado fora da lei. Então, decidiu reunir um grupo que passou a roubar os nobres em favor dos pobres. Pelo uso do capuz, o “príncipe dos ladrões” ficou conhecido como Robin Hood.

No Brasil, a história é invertida. Na quarta-feira, três partidos do governo Lula – PSOL, PCdoB e Solidariedade – entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal em defesa de uma minoria, como é comum nos partidos da esquerda. Nesse caso, eles estavam defendendo com unhas e dentes a minoria de empreiteiros corruptos do Brasil.

O objetivo da ação é – pasme! – impedir que as empreiteiras que confessaram crimes de corrupção e cartel continuem a devolver aos cofres públicos o dinheiro que reconheceram ter desviado e que elas mesmas se comprometeram a devolver em acordos assinados de leniência.

Notem que não é uma ação movida pelas empresas, mas por partidos do governo Lula em favor das – coitadinhas! – bilionárias empreiteiras brasileiras. Talvez elas não tenham bons advogados, mas certamente têm bons amigos. Chegamos ao dia em que partidos que afirmam defender os mais pobres lutam para proteger os “impotentes” donos do capital.

E qual o potencial impacto dessa ação? De quanto estamos falando? De doze bilhões de reais, valor dos acordos de leniência feitos na Lava Jato, apenas em Curitiba. Desse montante, mais de seis bilhões já foram restituídos aos cofres públicos. Ainda faltam seis bilhões. Contudo, para os partidos de esquerda, os pagamentos devem ser suspensos.

Notem que não é uma ação movida pelas empresas, mas por partidos do governo Lula em favor das – coitadinhas! – bilionárias empreiteiras brasileiras. Talvez elas não tenham bons advogados, mas certamente têm bons amigos

Se os acordos forem julgados ilegítimos, o próximo passo, que poderá ser dado na própria ação, será devolver aos ladrões o dinheiro que nos roubaram. Ou seja, além de os brasileiros ficarem a ver navios em relação aos 6 bilhões de reais pendentes de pagamento, terão que desembolsar outros 6 bilhões que haviam sido recuperados.

No multiverso da loucura brasileiro, em que tudo está invertido, a esquerda, autodeclarada defensora dos pobres, está posando de Robin Hood às avessas: toma dos pobres, para entregar o dinheiro aos ricos; toma das vítimas, para entregar aos seus algozes; toma dos inocentes, para entregar aos culpados. O conto brasileiro é vergonhoso e, por ser verdadeiro, é uma tragédia.

Por que esses mesmos partidos não adotaram medidas contra os corruptos, as empresas, os políticos e seus partidos? Por que não acionaram os grandes ladrões em favor dos pobres? Sua advocacia não é a favor do povo, mas contra. Não é pelas vítimas, mas pelos bandidos. Não é pelos pobres, mas pelos glutões gananciosos que nos roubam.

É curioso o enquadramento que a ação deu à Lava Jato. Ela foi acusada de promover um “estado de coisas inconstitucional”, que existe, nas palavras dos partidos, quando há “violações graves e sistemáticas de direitos fundamentais cujas causas sejam estruturais”.

Então, mais uma vez, fico tentando entender: o estado de coisas inconstitucional não é a corrupção nem a impunidade, mas é o raro momento da história brasileira em que o império da lei prevaleceu? É sério isso?

Sigo adiante: os direitos fundamentais violados que os partidos querem proteger não é o dos cidadãos roubados em seus direitos essenciais (saúde, educação, segurança), mas os direitos dos corruptos à sua impunidade à brasileira? Triste país da inversão de valores.

Então, mais uma vez, fico tentando entender: o estado de coisas inconstitucional não é a corrupção nem a impunidade, mas é o raro momento da história brasileira em que o império da lei prevaleceu?

A ação materializa o discurso de Lula. Traz a mesma ladainha de que a Lava Jato afetou as empresas, como se o impacto não tivesse sido causado pela inépcia do governo Dilma que causou a maior crise econômica da história, com queda drástica de 55% dos investimentos, afetando o coração de um setor que vive de contratos de investimento do governo.

Além disso, a estratégia de acusar a Lava Jato de ter prejudicado as empresas se assemelha a culpar as pessoas que denunciam crimes e violências pelas altas taxas de violência no país, em vez de culpar aqueles que a praticam. É o mesmo que culpar os policiais pelo sofrimento das famílias dos presos, em vez de culpar estes por seus atos. É mais uma vez a velha lógica invertida.

A ação apresenta ainda a mesma ladainha conspiratória de “violação de soberania nacional”, como se interesses internacionais guiassem a Lava Jato em vez da lei. Repetem um Lula vingativo que, em entrevista recente, afirmou que a Lava Jato “fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça americana, o Departamento de Justiça”. Oi?

Essas teorias da conspiração infundadas desrespeitam não apenas nossos ouvidos, mas as instituições brasileiras e órgãos internacionais. São teorias negacionistas que recusam a realidade, os fatos, as corrupções e as provas, da mesma forma como Lula negou as provas de seus crimes e as provas do atentado do PCC contra a vida de Sergio Moro.

Repetem um Lula vingativo que, em entrevista recente, afirmou que a Lava Jato “fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça americana, o Departamento de Justiça”. Oi? 

A postura de Lula ao afirmar que Moro armou o atentado do PCC é aliás muito parecida com a postura dos partidos que compõem o seu governo na ação proposta: o presidente se colocou ao lado de criminosos, como se fossem as vítimas da ação Estatal, e contra os agentes da lei.

A ação dos partidos de esquerda segue com outros absurdos, criminalizando o Ministério Público, como culpado por acordos em valores “estratosféricos”, como se a culpa disso não fosse do montante estratosférico dos crimes de cartel, corrupção e lavagem de dinheiro praticados pelos criminosos.

Agora, sente-se: os partidos pretendem ainda anular toda a Lava Jato, com base no entendimento do STF, firmado em 2019, muito depois das ações serem propostas, segundo o qual crimes de corrupção, quando parte do dinheiro vai para campanhas eleitorais, devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. Inverteu-se a regra do jogo e se pretende que seja aplicada para o passado, fazendo terra arrasada da Lava Jato.

Esse será o ápice estrondoso da história da impunidade brasileira, um final apocalíptico, mas anunciado, para a maior operação de combate à corrupção do Brasil, que, finja surpresa, seguirá o mesmo destino das outras grandes operações do passado: a lixeira, o arquivo e a prescrição. A história se repete desde 1650, quando Padre Antônio Vieira acusou os governantes de nos roubarem, saírem impunes e enforcarem os opositores.

Diante de tudo isso, eu percebi que o lema da campanha de Lula era verdadeiro: o “Brasil da esperança”. Ninguém perguntou: esperança para quem? Não se trata de dar esperança para o povo, mas para as empresas corruptas, os empresários condenados e os políticos que estavam presos. Para os demais, os pobres brasileiros, o slogan que vale é o “Brasil da vingança”.

No entanto, nós lutaremos apaixonadamente pelo Brasil que queremos, não importa o quanto eles queiram que desistamos da justiça. Não vamos desistir do Brasil e vamos denunciar a hipocrisia de partidos que se autointitulam protetores dos pobres, mas, como um Robin Hood às avessas, roubam os pobres brasileiros e entregam a riqueza nacional aos ricos corruptos. Amor e indignação santa são duas faces da mesma moeda.

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