Crianças mortas e feridas em SC
Políticos invocam tragédia de Blumenau para justificar suas visões e apontar o dedo a adversários
Por
Leonardo Desideri – Gazeta do Povo
Brasília


Os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Flávio Dino (Justiça) e o deputado Nikolas Ferreira criticaram adversários políticos após a tragédia em Blumenau (SC).| Foto: Reprodução

“Túmulo de criança não é palanque”, disse o deputado Marcos Pollon (PL-MS), via Instagram, na noite desta quarta-feira (5). A chamada de atenção foi uma reação a várias declarações ao longo do dia em que membros do governo federal e do Legislativo invocaram a tragédia em Blumenau (SC) para justificar suas visões sobre problemas sociais e responsabilizar adversários políticos.

O ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos e Cidadania, por exemplo, recorreu a uma série de clichês das desavenças da esquerda com a direita para apontar o dedo aos direitistas como culpados pela tendência de tiroteios em escolas. “Nós vamos esperar chegar nos números dos Estados Unidos, que é país que é modelo para muita gente aí? Vamos esperar chegar em 300 ataques por ano em escolas? Com essa gente cultuando armas? Com essa gente querendo dar golpe de Estado no Brasil? Querendo mais é que as pessoas morram de fome? Que crianças e adolescentes vão ter um futuro?”, questionou.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, comentou a tragédia em Blumenau culpando o “ódio na sociedade” – consequência, para ele, de “uma internet desregulada”. O governo Lula busca promover a regulação da internet e, com esse fim, divulgou recentemente a minuta de uma proposta de substitutivo para o PL das Fake News. “O acervo de causas que leva à ampliação de tragédias está bem visível: proliferação de ódio na sociedade, inclusive por uma internet desregulada e com empresas irresponsáveis; incentivos ao armamentismo e à ideologia da morte; agrupamentos nazistas e neonazistas”, disse via Twitter.

O deputado André Janones (Avante-MG) afirmou que o assassino de Blumenau “tinha inspiração em outro assassino: Jair Bolsonaro” e que “o bolsonarismo deve ser criminalizado assim como o nazismo”.

O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, disse ao site Congresso em Foco que, “quando se prega o ódio e a discriminação, como o que foi visto no governo passado, isso só pode ter resultados danosos para a sociedade”. “Precisamos agir, como parlamento, para ajudar a mudar essa realidade.” Paim acrescentou que vai propor ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a instauração de comissões mistas no Congresso para dar celeridade à análise de propostas sobre segurança nas escolas.

Parlamentares da direita também se manifestaram sobre o caso de Blumenau atacando a esquerda e propondo soluções improvisadas no próprio dia do fato. A deputada Julia Zanatta (PL-SC) protocolou um requerimento de urgência para a votação de um projeto do deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) que torna obrigatória a implantação de segurança armada em escolas públicas e privadas. Ela também afirmou ter protocolado um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) para diminuir a maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos.

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) disse pelas redes sociais que assinou o requerimento de urgência feito por Julia Zanatta. O parlamentar mineiro também fez um vídeo criticando a esquerda e afirmando que alertou a Polícia Federal sobre uma suposta organização digital formada por adolescentes para planejar assassinatos em massa. “A esquerda, que deveria estar lutando para enrijecer a pena de criminosos, está simplesmente tentando achar um culpado e fazendo palco político em cima de caixão de criança. Tudo por conta de desafeto político. Diferentemente deles, eu, o deputado André Fernandes [PL-CE] e [o deputado] Filipe Barros [PL-PR] informamos o diretor da Polícia Federal sobre certa organização que está acontecendo em diversas plataformas digitais, onde adolescentes e pré-adolescentes estão se articulando para poder cometer crimes bárbaros, como aconteceu hoje em Santa Catarina”, disse Ferreira.

Pesquisadora diz que reações imediatas não dão resultado

Em seu livro “Mass Shootings: Media, Myths, and Realities” (2016), a pesquisadora em segurança pública norte-americana Jaclyn Schildkraue afirma que há três fatores básicos normalmente apontados como motivações para os tiroteios logo após eles ocorrerem: armas (seja a posse delas ou a falta de armas para se proteger), saúde mental ou a violência midiática (videogames, filmes, séries etc.). Nenhum desses fatores, segundo ela, é comprovadamente decisivo para explicar as tragédias.

Em geral, de acordo com ela, as propostas de mudança legislativa e de adoção de novas políticas públicas surgidas nos Estados Unidos logo após os casos giram quase sempre em torno desses três eixos. No entanto, elas raramente têm algum impacto social comprovado para evitar novos casos.

“Ainda que alguns desses projetos de lei tenham sido aprovados, muitos nunca passaram da etapa de apresentação. A enxurrada de respostas legislativas a tais incidentes justifica uma discussão mais aprofundada sobre se esses projetos de lei realmente são eficazes ou se seriam somente ‘legislações cosméticas'”, diz Schildkraue em uma de suas pesquisas.

Em outro de seus estudos, intitulado “Tiroteios em massa, respostas legislativas e políticas públicas: um ciclo infinito de inação”, ela estuda os efeitos de propostas que surgem logo após as tragédias para regulamentar armas ou implementar verificações de antecedentes criminais para compras de armas de fogo. “Embora tiroteios em massa deem origem a reações particularmente viscerais e demandas por ação no setor público, a resposta correspondente dos legisladores não é capaz de produzir qualquer mudança significativa”, afirma a pesquisadora.

O esquecimento gradual do assunto pelo público pode ser um dos motivos pelos quais os projetos de lei não prosperam. De acordo com um estudo norte-americano de 2020 publicado na revista acadêmica Criminology & Public Policy, há um padrão perceptível de engajamento online para tiroteios em massa, com um pico substancial nas primeiras 24 a 48 horas do evento, que se dissipa após 10 dias.


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