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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Esta terça-feira, 11 de abril, marca a despedida de Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal. O ministro, que completa 75 anos em 11 de maio, decidiu antecipar em um mês sua aposentadoria. Indicado ao STF em 2006, no primeiro mandato de Lula, Lewandowski faz parte daquela minoria de ministros que já tinha carreira na magistratura antes de chegar à suprema corte. Infelizmente, o legado que ele deixa em sua passagem de 17 anos pelo STF ajuda a compreender todo o processo de descrédito pelo qual o Supremo vem passando nos últimos anos.
Apesar disso, é preciso também ressaltar que, ao menos quando estava em jogo a defesa da vida e da família, ou outros temas importantes de ordem moral, Lewandowski se destacou por estar do lado correto. Em 2012, apenas ele e Cezar Peluso foram contrários à liberação do aborto de fetos anencéfalos. Mais recentemente, em 2019, ele e Dias Toffoli foram os únicos votos contra a equiparação da homofobia ao racismo, e Lewandowski também votou contra o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, o que equivaleria a um reconhecimento da bigamia no Brasil. Mesmo quando aceitou o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas, em 2008, reconheceu que o embrião tinha direitos a serem tutelados e afirmou que embriões viáveis não poderiam ser destruídos. Não seria exagero presumir que, em um eventual julgamento da ADPF 442, que pretende descriminalizar o aborto no Brasil, Lewandowski seria um voto em favor da vida do nascituro.
Apesar de bons votos em temas como a defesa da vida e da família, Lewandowski se destacou também pelo ativismo judicial e, especialmente, por seus votos sempre favoráveis aos réus em escândalos como o mensalão e o petrolão
Os elogios, entretanto, terminam aí, pois fora destes temas Lewandowski acabou se revelando um péssimo intérprete da Constituição, isso quando não resolveu ser seu redator. Especialmente significativo foi o julgamento do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, quando Lewandowski, que presidia a sessão do Senado, aceitou passivamente que os senadores cassassem a presidente, mas mantivessem seus direitos políticos, por mais que o artigo 52 da Carta Magna fosse claro sobre o caráter automático da inabilitação como consequência do impeachment. Já o Lewandowski ativista judicial se revelou principalmente quando estava em jogo o destino e a governança de empresas estatais: em 2018, o ministro proibiu que o governo vendesse estatais sem autorização do Congresso, interpretando a Constituição em desacordo com o constituinte, para quem a presença direta do Estado na economia era uma exceção, não a regra; mais recentemente, liminar sua derrubou um trecho da Lei das Estatais devidamente aprovado pelo Congresso e que nada tinha de inconstitucional, em decisão que abriu novamente as portas a indicações políticas. Embora não diga respeito a votos ou decisões, também foi extremamente lamentável o episódio ocorrido dentro de um avião, quando o ministro ameaçou de prisão um advogado que se dirigiu a ele fazendo críticas ao Supremo.
No entanto, o que deve realmente se consolidar como a marca de Lewandowski no STF é seu papel nos casos de corrupção que teve de julgar. Na ação penal do mensalão, atuando como revisor, ele foi a nêmesis do relator Joaquim Barbosa, sempre pleiteando a absolvição ou a redução de penas dos responsáveis pelo que era, até então, o maior esquema de corrupção da história do país – se não pelos valores movimentados, pela intenção clara de fraudar a democracia brasileira pela compra de apoio parlamentar a Lula. E, quando o mensalão foi substituído por um esquema ainda maior e mais grave, o petrolão, Lewandowski continuou sendo voto certo em favor dos réus, tanto no plenário quanto na Segunda Turma. Das anulações de julgamentos por puro formalismo à surreal suspeição de Sergio Moro, o desmonte completo da Lava Jato no STF não teria sido possível sem Lewandowski. Por mais que o ministro estivesse completamente convencido de que fazia a coisa certa, objetivamente seus votos ajudaram a enviar uma “mensagem de leniência em favor da corrupção”, nas palavras certeiras do então procurador e hoje deputado Deltan Dallagnol.
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Pelo conjunto da obra, portanto, Lewandowski encerra sua passagem pelo Supremo sem deixar muitas saudades. Ele só será lembrado com alguma nostalgia em termos comparativos, no caso de Lula resolver substituí-lo por alguém que seja igualmente “garantista” na hora de julgar os casos de corrupção, mas que, ao contrário de Lewandowski, também compre todo o pacote militante-identitário que tem caracterizado a esquerda nos últimos anos. Dado o gosto de Lula por depredar instituições, este infelizmente é um cenário bem possível, e que só não se tornará realidade se o Senado finalmente abandonar uma longa tradição de “carimbador” de escolhas presidenciais e cumprir seu papel de zelar para que as cadeiras do Supremo sejam ocupadas por pessoas dignas da tarefa de guardar a Constituição.
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