Editorial
Por
Gazeta do Povo


Decreto assinado por Lula em 6 de abril retirou os Correios e outras estatais de programas de privatização.| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

Se o grau de cidadania se mede, entre outros fatores, pelo acesso da população a serviços considerados essenciais, quando havia mais “oferta de cidadania” no Brasil: quando a telefonia era assunto exclusivamente estatal e havia longas filas para se adquirir uma linha telefônica, bem que era até mesmo declarado no Imposto de Renda, ou quando empresas privadas ampliaram a oferta e reduziram os prazos para que o brasileiro pudesse se conectar ao mundo pelo telefone fixo, pelo celular ou pela internet? Pois foi com o argumento de “reforçar o papel” dos Correios e da Telebrás “na oferta de cidadania e ampliar ainda mais os investimentos” que o governo retirou essas e outras oito empresas do Programa Nacional de Desestatização ou do Programa de Parcerias de Investimentos, graças a um decreto assinado na semana passada pelo presidente Lula.

Até aí, nenhuma surpresa, pois o petismo sempre foi contrário a qualquer privatização; quando recorreu à iniciativa privada, o fez por puro espírito de necessidade, como quando admitiu (com atraso) que a Infraero jamais seria capaz de reformar e ampliar os aeroportos brasileiros em tempo para os megaeventos esportivos de 2014 e 2016. No caso específico dos Correios, havia a promessa explícita de Lula de que não haveria privatização, o que foi confirmado já nos primeiros dias de governo – para ajudar o petista, o projeto de lei que trata do assunto nem chegou a ser aprovado no Congresso, tendo passado apenas pela Câmara e empacado no Senado. A novidade é a ênfase no discurso de que a “oferta de cidadania” passa necessariamente pela posse estatal de empresas, falácia que a maioria dos adultos com um celular no bolso e sem antolhos ideológicos na cabeça é capaz de refutar. Afinal, há cidadania quando o cidadão recebe um serviço bem prestado, seja estatal ou privado. E os Correios podem até ter sido um orgulho nacional no passado, mas passaram por uma queda brutal de qualidade que, coincidência ou não, ocorreu durante a primeira passagem do petismo pelo poder.

No caso do serviço postal, o “interesse coletivo” exige apenas que o serviço seja bem prestado e com a capilaridade necessária, não que caiba necessariamente a uma estatal

De qualquer maneira, ainda que os Correios continuassem se pautando pela excelência que marcou a empresa no passado, isso não seria motivo para barrar sua privatização, como também não o seria o fato de ter lucro, ou de ser administrada com lisura total. O critério determinante é simples: se a iniciativa privada pode oferecer certos produtos ou serviços, então é ela, e não o Estado, que deve fazê-lo. Este raciocínio deriva do princípio da subsidiariedade e foi adotado também pelo constituinte de 1988. Quando o artigo 173 da Carta Magna afirma que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”, ele trata a posse estatal de empresas como exceção, e não como regra. O truque dos estatistas, diante de um dispositivo tão claro, é tratar tudo como “segurança nacional” ou “interesse coletivo” que justifique a existência de uma estatal – até mesmo uma que fabrique chips, como a Ceitec, uma das empresas retiradas do PND.

No caso do serviço postal, o “interesse coletivo” exige apenas que o serviço seja bem prestado e com a capilaridade necessária, não que caiba necessariamente a uma estatal. Estatistas argumentam que os Correios privatizados logo abandonariam os rincões mais remotos do país, privando esses brasileiros de acesso até mesmo a outros serviços que os Correios prestam, como o de correspondente bancário. Por mais pertinente que seja tal preocupação, mais uma vez há de se dizer que manter os Correios na posse do Estado não é a única resposta. Um bom modelo de privatização e a fiscalização forte de agências reguladoras garantiriam que uma eventual empresa privada responsável pelo serviço postal não se limitasse a operar apenas nas áreas lucrativas. Os editais de concessão de grandes aeroportos levaram as concessionárias a investir também em terminais menores; os vencedores do leilão da telefonia 5G terão de implantar banda larga em escolas públicas e instalar o 4G nas rodovias federais e em cidades pequenas. Isso não desestimulou interessados que, em alguns casos, ofereceram ágio significativo para arrematar os lotes ofertados. O próprio texto da privatização dos Correios aprovado na Câmara já proibia o fechamento de agências em municípios pequenos e locais remotos. Mas seria demais esperar do petismo que aprovasse esse tipo de modelo de operação privada e fiscalização rigorosa, pois o partido não só tem ojeriza a privatizações, mas também vê com maus olhos as agências reguladoras.

VEJA TAMBÉM:
A privatização dos Correios avança (editorial de 7 de agosto de 2021)
As razões da privatização (editorial de 22 de dezembro de 2019)


Convicções da Gazeta: O princípio da subsidiariedade: menos Estado e mais cidadão
Décadas de discurso estatizante que trata estatais como patrimônio “do povo”, quando na verdade elas são “do governo” (que inclusive as usa com fins bem espúrios – o mensalão, lembremo-nos, estourou graças a um outro escândalo de corrupção, nos Correios), infelizmente criaram uma aversão às privatizações na maioria da população. No entanto, uma crescente compreensão correta do papel do Estado e a experiência de poder comparar serviços públicos e privados estão começando a virar o jogo, mesmo que lentamente. Recente pesquisa Datafolha registrou apoio de 38% dos entrevistados às privatizações; ainda que se trate de uma minoria, este número era de 20% em 2017 e de 26% meros sete meses atrás. Podemos ter esperança de que, num futuro próximo, teremos uma maioria de brasileiros capazes de recusar as falácias estatizantes de Lula e do petismo.

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