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Marcel van Hattem – Gazeta do Povo


O presidente Lula diz que irá consolidar a relação entre Brasil e China.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil.

No linguajar sertanejo, disse-me um colega parlamentar nesta semana em conversa de plenário: “Uma cobra mal morrida tem que aparecer de novo para que a matemos definitivamente”. Assim ilustrava ele a volta de Lula e do PT ao poder. O deputado reagia ao meu comentário sobre como a catástrofe que tem sido esse início de governo e a consequente erosão do já pouco apoio popular de Lula, agravada pela falta de suporte parlamentar, e que poderia em breve significar um fim ainda mais melancólico para os petistas do que aquele representado pelo impeachment de Dilma e a prisão de Lula. Para quem teve apoio explícito do Judiciário e a omissão decisiva do Legislativo para voltar ao poder, vir a ser rechaçado pelo mais importante numa democracia que é o próprio povo, representa, de fato, um fim definitivo.

Ao não aproveitar a chance que lhe foi dada de uma nova Presidência da República para unificar o país e lavar a própria biografia diante de toda a nação, Lula está passando sua vez no tabuleiro político ao outro lado do corredor novamente. Vinte anos atrás, apesar de ideologicamente comprometido com a esquerda política e sindical, e aproveitando-se de métodos corruptos para governar com o Centrão (a exemplo do que ocorreu no Mensalão), Lula conseguia transmitir a uma parcela relevante da opinião pública um verniz de moderação. Nestes primeiros cem dias, o radicalismo e a insensatez foram absolutamente predominantes e a chance que lhe foi dada pelo establishment nunca antes na história deste país está sendo tão rapidamente revogada. Reveladores são os baixíssimos índices de aprovação popular para um presidente ainda em início de mandato.

A julgar pelos cem dias passados, nem milhões de brasileiros insatisfeitos parecem abalar a convicção de Lula em trilhar o caminho do retrocesso, do ódio e do rancor.

A maré está virando rapidamente. Lula preferiu recusar-se a dar aos brasileiros a tradicional lua de mel dos cem primeiros dias e nosso povo, sempre muito tolerante com os erros dos políticos, dessa vez parece decidido a não aceitar o desaforo. Foram pouco mais de três meses de descumprimento desavergonhado de promessas e cumprimento vergonhoso de históricas diretrizes petistas, não declaradas na campanha e sobre as quais muitos se enganaram ao achar que em uma nova Presidência Lula não implementaria. Votaram imaginando colocar no poder um Mandela e acabaram elegendo um… Lula.

Sigilos criticados no governo anterior foram mantidos e ampliados; desmatamento da Amazônia, que antes eram tidos como de exclusiva culpa de Bolsonaro, agora, ao seguirem aumentando, passaram a ser também responsabilidade dos estados na narrativa petista; a criminalidade dispara e, segundo o governo, isso nada tem a ver com a mudança de condução no país, que passa constantemente a ideia de impunidade, minimiza crimes como roubo de celulares e está repleta de marginais processados e até mesmo condenados pela Justiça exercendo o poder. O MST, que segundo Lula nos debates não invadiria terras produtivas, anuncia o terror no Brasil inteiro e toma posse inclusive de terras produtivas. As privatizações em andamento têm anúncio de paralisação e o marco do saneamento é ilegalmente deturpado por decreto, condenando milhões de brasileiros pobres a seguir vivendo (e morrendo) sem água potável e sem as mínimas condições de esgotamento e higiene. Déficit nas contas públicas explodindo: no mês de fevereiro foi registrado o maior desde 1997 na série histórica. E quem pagará essa conta? Claro, todos nós: o “arcabouço fiscal” apresentado foca na receita, não no corte de gastos, e anúncios de novos aumentos de impostos já estão sendo feitos, como a tributação de remessas internacionais abaixo de US$ 50, afetando lojas virtuais como Shein e Shoppee e milhões de consumidores brasileiros – novamente, claro, os mais pobres.

A faixa presidencial não merece ser carregada no peito por um homem sem coração e sem escrúpulos.

O parágrafo anterior já estava desproporcional em relação aos demais, por isso abri um novo para citar mais alguns dentre tantos outros atrasos nesses últimos cem dias: Lula deixou o Consenso de Genebra e revogou portaria que obrigava profissionais de saúde a comunicar casos de aborto ilegal à polícia, apesar de dizer que era contra o aborto na campanha (e o TSE proibir qualquer um de dizer o contrário, ou seja, censurou a verdade). Na seara internacional, o governo decidiu que vai dificultar a vida de turistas americanos, australianos, canadenses e japoneses e voltará a exigir vistos de quem quer apenas passear no Brasil e deixar seu dinheiro aqui; enquanto isso, alinha-se à Nicarágua do ditador Ortega, à Venezuela do ditador Maduro e à Rússia do ditador Putin para deixar claro que o compromisso de Lula não é com a democracia, muito menos com o amor. O desejo de vingança contra Sergio Moro, publicamente externado, e a completa falta de empatia com o senador e a sua família, cujas mortes tramadas pelo PCC foram eficientemente evitadas por autoridades judiciais e policiais, apesar de ridicularizadas por Lula como fruto de uma suposta “armação”, são exemplos cabais de que a faixa presidencial não merece ser carregada no peito por um homem sem coração e sem escrúpulos.

Parafraseando meu colega parlamentar citado no início deste artigo, às vezes as coisas precisam piorar para, depois, melhorarem. Obviamente que tal expressão popular pode trazer consigo o fatalismo de uma resignação com retrocessos temporários, mas que geram profundas cicatrizes e muito prejuízo. Nada disso é desejável nem pode ser aceito sem indignação e reação. Por isso mesmo, cabe à oposição no Congresso Nacional, representando o povo brasileiro insatisfeito, a ação mais eficaz possível para conter danos.

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Quanto ao governo Lula, se sua intenção é seguir ladeira abaixo, desfazer reformas, desconstruir o que de bom foi feito nos últimos anos no país e apostar em medidas econômicas ultrapassadas. O recado que a própria população já deu no passado é claro: trata-se de um caminho politicamente insustentável e que já foi trilhado, sem sucesso e em dado momento sem volta, por presidentes anteriores.

Talvez a viagem de Lula à China lhe dê a oportunidade de consultar-se com Dilma Rousseff a respeito, já que a petista que sofreu impeachment por crime de responsabilidade e por sua inabilidade política, agora é presidente do banco dos BRICS sediado em Xangai (aliás, mais um disparate deste governo). A julgar pelos cem dias passados, porém, nada nem milhões de brasileiros insatisfeitos parecem abalar a convicção de Lula em trilhar o caminho do retrocesso, do ódio e do rancor. Como dizem os Provérbios, “a soberba precede a ruína”. Amém.


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