Editorial
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Gazeta do Povo


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (em primeiro plano), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (ao fundo), durante entrevista sobre o projeto do novo arcabouço fiscal.| Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Quase três semanas depois da entrevista coletiva em que os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, anunciaram as principais linhas da nova regra fiscal que substituirá o teto de gastos, o presidente Lula e Haddad chamaram o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), ao Palácio do Planalto para entregar o projeto de lei do novo arcabouço. O texto mostra que, apesar de todas as críticas que foram feitas ao longo deste período, o governo insistirá até onde for possível em sua ideia original, extremamente dependente de elevação da receita e que deixa pouco incentivo para um ajuste fiscal responsável, com redução de gastos e otimização do Estado brasileiro.

As principais diretrizes estão mantidas, incluindo o novo “piso de gastos” que permite aumento real das despesas governamentais (ou seja, acima da inflação) independentemente do desempenho da economia. Como já havia sido divulgado no fim de março, a elevação das despesas em termos reais corresponderá a 70% do aumento das receitas líquidas do acumulado em 12 meses, até um limite de 2,5%. No entanto, mesmo que a receita não cresça, mesmo que as metas de resultado primário fiquem longe do previsto, mesmo que o PIB caia, o governo ainda poderá promover aumento real de gastos de 0,6%. E, como o projeto estabelece 13 tipos de despesas que não estarão limitadas pela nova regra, já se pode dar como certo que o verdadeiro ritmo da elevação de despesas será maior que as porcentagens estabelecidas no novo arcabouço.

O arcabouço é excessivamente dependente do aumento das receitas, garante a um governo gastador a possibilidade de aumentar despesas mesmo quando tudo for mal, e não tem nenhum tipo de estímulo à racionalização dos gastos governamentais

Houve uma única concessão mais significativa feita pelo Ministério da Fazenda nessas três semanas: uma trava para investimentos. Em março, havia sido divulgado que, no caso (por enquanto altamente improvável) de o resultado primário ficar acima da banda superior das metas – zero em 2024 e superávits de 0,5% do PIB em 2025 e 1% do PIB em 2026, com banda de 0,25 ponto para cima e para baixo –, toda a sobra poderia ser revertida para investimentos como obras públicas e aquisição de equipamentos. Na regra enviada ao Congresso, este uso extraordinário fica limitado a R$ 25 bilhões, e o que passar disso deve ser destinado ao abatimento da dívida pública. Aqui há um eco, ainda que distante, do espírito do teto de gastos, que tinha entre suas virtudes facilitar a redução da dívida pública em anos de vacas gordas e receitas elevadas.

Em resumo, o arcabouço formalmente enviado ao Congresso confirma o que já tinha sido dito quando da apresentação de suas linhas gerais: é um plano excessivamente dependente do aumento das receitas – leia-se especialmente arrecadação –, garante a um governo gastador a possibilidade de aumentar despesas mesmo quando tudo for mal, e não tem nenhum tipo de estímulo à racionalização dos gastos governamentais (não há nem mesmo punição para o caso de a meta de superávit não ser cumprida). Nestas condições, o objetivo de trazer a dívida pública a patamares mais compatíveis com o de nações emergentes fica seriamente prejudicado – especialmente se o sucesso do arcabouço depender diretamente de outras reformas como a tributária e de circunstâncias como juros baixos, assim como o teto de gastos, para ser plenamente eficaz, dependia de medidas como as reformas da Previdência e administrativa.

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Ao contrário do teto de gastos, instituído por emenda à Constituição que dependia de maioria qualificada, o novo arcabouço requer maioria simples de deputados e senadores com uma votação em cada casa legislativa. Lira já disse não acreditar em grandes dificuldades para a aprovação, que ele espera ocorrer até 10 de maio; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também disse que a casa deve aprovar o arcabouço no próximo mês. No entanto, parlamentares de direita e centro prometem pressão para atacar os pontos fracos do texto. Uma depuração criteriosa e bem feita no texto do arcabouço fará muito bem ao Brasil, um país com tradição de gasto público excessivo e pouco eficiente.


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