O que aconteceu no TSE?

Silvio Meira

Pela primeira vez em décadas, o Brasil duvidou da eficiência de seu processo eleitoral. E com razão, porque durante horas a apuração parecia parada. De nada adiantou a explicação oficial de que estava tudo sob controle, se os resultados não apareciam. É como ver 90 minutos de futebol e, ao fim, não saber o resultado.

Há quem diga que o atraso na divulgação dos resultados se origina em gestão passada, quando se decidiu centralizar o processo em Brasília. Tal arranjo teria diminuído os custos do sistema, mas vai contra boas práticas de sistemas de informação – e aqui falo como velho professor de engenharia de software. Pior ainda se tal solução centralizadora estivesse sujeita a pontos singulares de falha, de 100% de suas partes funcionando para a contabilidade e divulgação com a velocidade usual. Mas foi essa a explicação dada, deixando muitos incrédulos – até porque o histórico de eficiência do sistema eleitoral brasileiro é muito grande.

Há muita coisa para se investigar: de quem invadiu as propriedades digitais do TSE até entender se isso estava articulado com a ideia de desacreditar o processo democrático digital © Tiago Queiroz/Estadão Há muita coisa para se investigar: de quem invadiu as propriedades digitais do TSE até entender se isso estava articulado com a ideia de desacreditar o processo democrático digital

Como se não bastasse, isso ocorreu em um contexto em que dados capturados numa invasão ao TSE, aparentemente há algum tempo, foram liberados na web, aliados a uma campanha de ataques de negação de serviço que afetou facetas digitais do Tribunal. Parece uma campanha articulada de descrédito do sistema eleitoral. Além disso, houve falhas no sistema de título de eleitor digital para justificar a ausência das urnas –e a justificativa foi de que muitas pessoas estavam tentando usar o app, como se não houvesse uma previsão sobre isso. É de espantar.

Há muita coisa para se investigar: de quem invadiu as propriedades digitais do TSE até entender se isso estava articulado com a ideia de desacreditar o processo democrático digital. Além dessas (e várias outras perguntas), será que não há uma demanda para revisar a plataforma eleitoral, que ontem funcionou de forma tão diferente do normal? Não seria muito melhor se o sistema digital do qual a eleição depende fosse mais transparente, como muitos vêm arguindo há décadas?

O TSE é uma operação vertical: define regula, desenha, constrói, opera os sistemas que realizam o processo eleitoral e, se houver alguma dúvida ou conflito… é só recorrer ao TSE. O Tribunal estaria melhor se houvesse separação entre quem realiza os processos eleitorais e quem os define, avalia e resolve dúvidas e pendências. Fosse assim, o TSE não teria de ter feito tudo isso no domingo.

Ainda bem que, pelo que sabemos, não foi algo que afetou as escolhas dos eleitores. Mas poderia ter sido. Contra teorias conspiratórias, horizontalidade, abertura e transparência são vacinas para evitar que boatos não vençam os fatos. A plataforma digital do sistema eleitoral brasileiro pode vir a ser a melhor do mundo; mas há lição de casa a fazer.

*É PROFESSOR EXTRAORDINÁRIO DA CESAR.SCHOOL, FUNDADOR E PRESIDENTE DO CONSELHO DO PORTO DIGITAL E CHIEF SCIENTIST NA TDS.COMPANY

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By valeon