Opiniões
Em suas próprias palavras

Por
Eli Vieira – Gazeta do Povo


Charlie Chaplin, rei da comédia do cinema mudo, defendeu a liberdade de expressão no filme O Grande Ditador (1940), uma sátira contra Adolf Hitler.| Foto: The Great Dictator / Domínio Público

Do massacre do jornal satírico francês Charlie Hebdo em 2015 à censura do humorista Léo Lins em 2023, a resistência sisuda e autoritária ao humor provocativo e limítrofe tem uma longa história. Os profissionais do riso, contudo, não deixam barato e continuam a oferecer resistência. Confira abaixo, nas próprias palavras deles, o que eles pensam sobre essa tensão entre liberdade e segurança psicológica.

“Penso que é dever do comediante encontrar onde está o limite e ultrapassá-lo deliberadamente” – George Carlin (1937-2008), rei do stand-up americano, cujo nome foi parar na Suprema Corte do país por causa de seu monólogo ‘Sete palavras que você nunca pode dizer na televisão’.

“A ideia de que você precisa ser protegido de qualquer tipo de emoção desconfortável é uma ideia à qual eu definitivamente não me subscrevo” – John Cleese (1939-), britânico cofundador do grupo Monty Python.

“Só porque você está ofendido, não significa que você está certo”

– Ricky Gervais (1961-), britânico criador da série The Office.

“Quem avisa, amigo é: se o governo continuar deixando que certos jornalistas falem em eleições; se o governo continuar deixando que determinados jornais façam restrições à sua política financeira; se o governo continuar deixando que alguns políticos teimem em manter suas candidaturas; se o governo continuar deixando que algumas pessoas pensem por sua própria cabeça; e, sobretudo, se o governo continuar deixando que circule esta revista, com toda sua irreverência e crítica, dentro em breve estaremos caindo numa democracia” – Millôr Fernandes (1923-2012), famoso jornalista e colunista de humor brasileiro, na última página do último número da revista O Pif-Paf, fechada em julho de 1964 pela censura da Ditadura Militar.

“Continuaremos a trabalhar, com a liberdade interior, que é nossa e nunca nos tiram, e com o medo, que é humano” – Millôr Fernandes, n’O Pasquim, 1972. Na manhã seguinte, o jornal foi apreendido e um processo contra Millôr foi instaurado ‘pessoalmente pelo Sinistro da Justiça, Armando Falcão’.

“Não sei por que o governo faz tanta questão de impor censura, não sei por que a maior parte dos intelectuais luta tanto pela abolição da censura. Em nossos pequenos períodos de liberdade o que se percebe é que quase ninguém tem nada a dizer, ou prefere não dizer, ou, mais comumente, só deseja mesmo dizer coisas deliciosamente favoráveis” – Millôr Fernandes.

“Se você não pode dizer ‘foda-se’, você não pode dizer ‘foda-se o governo’” – Lenny Bruce (1925-1966), pioneiro do stand-up americano preso repetidamente por causa de leis contra ‘obscenidade’.

“O problema claro em criminalizar o insulto é que coisas demais podem ser interpretadas como tal: crítica, ridicularização, sarcasmo, meramente emitir um ponto de vista alternativo à ortodoxia” – Rowan Atkinson (1955-), ninguém menos que o Mr. Bean.

“O deputado Gama Lima (que Deus perdoe o eleitorado do estado da Guanabara) é a favor da censura e dirigiu solicitação ao ministro da Justiça, professor Gama e Silva, no sentido de endurecer cada vez mais a repressão ao que ele considera obsceno, pornográfico, amoral e de mau gosto. Como o ilustre deputado não especificou onde exercer a repressão, é bem possível que o ministro venha a solicitar, por sua vez, ao presidente da República, o fechamento da Assembleia Legislativa” – Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do brasileiro Sérgio Porto (1923-1968).

“A peça Liberdade, liberdade estreava em Belo Horizonte e a censura cortava apenas a palavra prostituta, substituindo-a pela expressão ‘mulher de vida fácil’, o que, na atual conjuntura, nos parece um tanto difícil. Ninguém mais tá levando vida fácil” – Stanislaw Ponte Preta.

“Não sei se eu teria sido uma comediante de stand-up no Irã porque, como vocês sabem, o governo lá defende a liberdade de expressão… mas não tem mais liberdade depois de você se expressar. A coisa fica meio letal” – Shappi Khorsandi (1973-), nascida no Irã e naturalizada britânica.

“Eis a virtude da liberdade de expressão: ela torna a ocultação difícil e, a longo prazo, impossível. Um herege, se tem razão, é tão bom quanto um anfitrião. Está destinado a ganhar no longo prazo. Não é de se admirar, portanto, que os inimigos do esclarecimento sempre tenham começado seus trabalhos pela tentativa de negar a liberdade de fala aos seus oponentes. É perigoso para eles e sabem disso. Então eles partem para acusar esses oponentes de todo tipo de crime e contravenção, a maioria das acusações claramente absurdas — em outras palavras, usam xingamentos na tentativa de intimidar” – H. L. Mencken (1880-1956), um dos jornalistas satíricos mais famosos dos EUA no começo do século XX.

“Hynkel, o ditador, governou a nação com mão de ferro. A liberdade foi banida, a liberdade de expressão foi suprimida e somente a voz de Hynkel era ouvida. (…) Os ditadores libertam a si mesmos, mas escravizam o povo! Lutemos para libertar o mundo” – Charlie Chaplin (1889-1977), rei da comédia do cinema mudo, no filme O Grande Ditador (1940), uma sátira contra Adolf Hitler.

“Peguei [a fase] do Estado Novo, peguei Getúlio Vargas. A Ditadura [Militar] foi a pior época. Qualquer censura é ruim. Foi ruim no rádio, quando tinha o DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda. Coloquei [no texto] ‘você vai para a Europa? Vê se me consegue uns afrescos de Rafael’. Aí cortaram ‘afrescos’, o cara puxou um comentário: ‘diga rapazes de maus hábitos’” – Chico Anysio (1931-2012), pioneiro do humor na TV brasileira.

“O assassinato é punido às vezes, a liberdade de expressão, sempre” – Mark Twain, pseudônimo do americano Samuel Clemens (1835-1910), gigante da literatura e humorista.

“Elogiar [o SNI]? Eu não admito isso, tenha dignidade” – Dercy Gonçalves (1907-2008), uma das maiores humoristas da história do Brasil, sobre o Serviço Nacional de Informação, órgão de espionagem e censura da Ditadura Militar.

“Está na essência da comédia você quebrar tabus e passar por cima de coisas. Léo Lins é um dos caras importantes porque escreveu um manual de como começar na comédia. Quando ele estica os limites, ele é importante para mostrar o que é a comédia” – Cassius Ogro,um dos novos nomes do humor no Brasil.


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