Só se não chover

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo

São Paulo – Manifestação na Avenida Paulista, região central da capital, contra a corrupção e pela saída da presidenta Dilma Rousseff (Rovena Rosa/Agência Brasil)


Há motivos de sobra para ir às manifestações de 4/6. Apoiar Dallagnol não é o único. O problema é que os protestos foram convocados pelo MBL.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Já faz algum tempo que ouço por aí que o povo tem de voltar às ruas Tem que mostrar quem manda neste país. Tem que deixar claro que não vai aceitar isso e aquilo. Tem que esfregar a vontade popular na cara dos poderosos. Mas quem é que daria o primeiro passo? Ainda mais com um STF que criminaliza manifestações de descontentamento e um Exército dado à perfídia.

Pois o Movimento Brasil Livre, mais conhecido pela sigla MBL e pelas aventuras de seus membros na Guerra da Ucrânia, e o Vem Pra Rua, duas organizações essenciais na derrubada de Dilma Rousseff, convocaram para o próximo domingo, dia 4 de junho, atos contra… Contra o quê mesmo? A pauta das manifestações é meio etérea, mas inclui o apoio a Deltan Dallagnol e o repúdio à censura.

Como diria um jornalista afeito a lugares-comuns, as manifestações pretendem dar vazão à indignação que cada vez mais acomete a população brasileira. Pelo menos aquela que faz parte da minha bolha. Uma gente que não aguenta mais ver o Lula fazer lulice e o Congresso se submeter à vontade do STF e seu miniexército de déspotas disfarçados de democratas. Uma gente que teme aquilo que hoje me parece inevitável: que o Brasil se transforme numa autocracia de esquerda.

Motivos para sair de casa no próximo domingo, portanto, não faltam. Certo? Mas então o que explica a relutância de tanta gente? Já escrevi aqui que o conforto é uma incubadora de revolucionários de sofá. Gente que prefere ficar esbravejando diante da TV ligada na Globonews ou lendo “1984” debaixo das cobertas (ainda mais nesse friozinho de hoje!) a sair às ruas. E eu talvez faça parte desse grupo. Que vergonha!

Prós e contras
Mas há duas outras razões que explicam, mas não justificam!, o esvaziamento das manifestações dos anseios populares nas ruas. Por mais que esses anseios sejam, em tese, justos e virtuosos. O mais evidente deles é a falta de credibilidade do MBL e do VPR. Que passaram quatro anos fazendo oposição ao governo Bolsonaro, quase como se preferissem um governo do PT que os mantivesse em evidência, no papel de antagonista típico de vocês-sabem-quem. Isso sem falar em certa mentalidade, digamos, autoritária dos meninos do MBL.

O outra razão é a profunda crise de confiança que assola este país eternamente dividido entre malandros que não querem se passar por otários e otários que se consideram muito malandros. Na minha bolha, por exemplo, absolutamente todos consideram a cassação de Dallagnol injusta e digna de megamanifestações. Mas todos também temem que seu apoio a uma causa inegavelmente justa seja confundido com os valores de um grupo que… francamente!

Por fim, há a sensação para alguns (entre os quais me incluo) de que esse tipo de manifestação democrática não tem mais qualquer efeito sobre os políticos e os ministros do STF. Isto é, os políticos com e os sem toga. Eles não temem a população porque sabem que aquela coisa lá de “todo o poder emana do povo” é só uma frase decorativa. Como se a Constituição fosse uma agenda de adolescente. Eles sabem que não perderão votos (que, no mais, sequer existem no mundo físico). Eles sabem que o cala-boca não morreu e quem manda na nossa boca são eles.

De qualquer modo, no dia 4 de junho pretendo estar na manifestação. Ao lado de gente honesta, mas provavelmente também ao lado de malandros oportunistas. Para, seguindo meu instinto jornalístico, ver qual é. E, já que vou estar lá mesmo, aproveitarei para dar minha manifestadinha, exibindo para quem quiser ver e ouvir a indignação que carrego no lado direito do peito. Mas só se não chover.


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