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Guilherme Macalossi – Gazeta do Povo


Presidente Lula conseguiu aprovação da proposta de reestruturação de ministérios na Câmara dos Deputados.| Foto: Ricardo Stuckert/PR.

A nova legislatura do Congresso Nacional parece disposta a cobrar um preço muito alto para que Lula tenha uma base para chamar de sua. As votações enfrentadas até aqui indicam que o presidente não terá vida fácil. O tal Centrão político, um caldo suprapartidário que vai da centro-esquerda até as franjas do bolsonarismo, sabe o poder que adquiriu nos últimos anos e não vai abrir mão de nenhum centímetro do que já foi conquistado na esteira dos governos de Dilma Rousseff, Michel Temer e, principalmente, Jair Bolsonaro. Não se trata apenas de dinheiro, mas também de poder decisório. O Legislativo hoje tem mais protagonismo que o Executivo, e atua para manter as coisas como estão.

Tanto no dia da votação do novo arcabouço fiscal quanto na votação da medida provisória que reorganizava os ministérios, bilhões em emendas foram liberados de forma a cativar e garantir o apoio necessário para que os projetos passassem. Ainda que ambos tenham sido aprovados, isso só aconteceu porque, na matéria fiscal, as casas legislativas se apropriaram da agenda, e na disposição da organização da Esplanada, estabeleceram o corte de até onde o governo tem autonomia para implementar suas ações.

Reeleito para um terceiro mandato, Lula voltou ao poder por pouco, não com uma vitória estupenda – ainda que o nariz empinado dos petistas tente passar outra percepção.

O enfraquecimento das pastas de Marina Silva e de Sonia Guajajara é um recado muito claro: políticas consideradas por eles como contrárias ou que relativizem a produção rural e o direito de propriedade não passarão. Por isso, boa parte dos órgãos outrora submetidos aos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas foram separados e realocados em outras estruturas, notadamente aquelas cujo grau de influência do Centrão é maior. Elmar Nascimento e Arthur Lira pouco se importam se Macron ou qualquer outro líder europeu vai gostar ou não disso.

O conjunto de partidos de esquerda que dão sustentação a Lula é minoritário e insuficiente para fazer valer sua visão de mundo. Na Câmara, são pouco mais de 120 deputados. O governo sabe que isso lhe ata aos partidos que estão fora do campo lulopetista, restando-lhe negociar, quando não implorar, para que pautas de seu interesse sejam apreciadas ou votadas. O saldo positivo, quando vem, é apenas simbólico e moldado pela vontade do grupo majoritário, vide a própria MP dos Ministérios, que passou na bacia das almas e sob enorme desgaste.

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Reeleito para um terceiro mandato, Lula voltou ao poder por pouco, não com uma vitória estupenda – ainda que o nariz empinado dos petistas tente passar outra percepção. Essa condição, somada à composição do Congresso, deixa o atual presidente numa posição de fragilidade política contínua, o que já foi percebido por esses atores do Legislativo. Eles também não parecem gostar de como os ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, conduzem as negociações. Há pressão explicita para que sejam trocados, e de preferência por membros do Centrão.

Ainda é cedo para saber se Lula vai ou não capitular e entregar alma de seu recém iniciado terceiro mandato, mas é fato que o governo está desnorteado com o novo contexto político brasileiro. Ao que parece, o velho mecanismo de abrir as torneiras para saciar deputados e senadores ávidos por mostrar resultado para suas bases será insuficiente. Nesses seis primeiros meses no Planalto, o atual presidente preferiu manter uma rotina de viagens internacionais, se metendo até mesmo na guerra da Ucrânia. No pouco tempo que dedicou às questões internas, ocupou parte de sua agenda almoçando com Janja, sua esposa. O Centrão ficou na antessala, aguardando para ser atendido. Quer um lugar à mesa, mas não mais apenas para se locupletar com restos. Desta vez, é ele quem pretende dizer o que todos vão comer.


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