O principal ativo da sua empresa é você
Por Camila Farani – Jornal Estadão
Aposto que alguns de vocês franziram a testa ao ler o título e o seu tribunal interior já se prepara para me passar uma sentença pesada. Mas calma aí. Imagine-se numa praia em pleno verão, dia de sol. Dezenas de ambulantes passam por você mais ou menos com a mesma oferta. De repente, algum deles faz um gracejo ou uma descrição divertida do produto. Em vez de só dispensar com o olhar, você presta atenção e acaba comprando dele.
Cenas assim se repetem em praias, feiras livres, shoppings, competições esportivas, nas artes. Pessoas comuns que chegam a virar celebridades e ganhar milhões. Antes chamavam de carisma, palavra de origem grega que significa graça. Quando chegou oficialmente ao mundo corporativo, ganhou o nome de marca pessoal. E isso não foi há pouco tempo, tá?! O conceito foi se encorpando ao mesmo tempo em que o próprio marketing foi deixando de ser uma estratégia e se tornando uma ciência cada vez mais sustentada por dados.
Quantas pessoas você já conheceu por aí que trabalharam em empresas com marcas fortes e acabaram incorporando o nome da empresa ao seu? Durante um bom tempo, a palavra “global” no Brasil tinha muito menos a ver com tendências compartilhadas mundo afora do que com os atores que tinham contrato com a TV Globo.
A era da internet, e mais especialmente as redes sociais, dotaram as pessoas “comuns” de acesso a plataformas com poder de disseminação de ideias e opiniões sem precedentes na história humana. Tornaram muito mais fácil acompanhar o mercado e, sobretudo, as pessoas por trás das marcas. Até o ponto em que a mensagem da pessoa passou a atrair tão ou mais atenção que a da empresa.
Marcas muito bem-sucedidas encontraram um caminho para contar a história de como elas resolvem nossos problemas e, assim, geram valor em nossas vidas. Da mesma forma, pessoas precisam compreender como suas características podem ajudar a sanar dores das empresas de forma a gerar valor para elas e, como consequência, para os clientes daquela marca.
Toda marca é um conjunto de expectativas, lembranças, histórias e relacionamentos que, juntos, explicam a decisão do consumidor em escolher um produto ou serviço em detrimento de outro. Como envolvem emoção genuína – não de um avatar, mas de alguém de carne e osso – o potencial dessa identificação é ainda mais forte.
Numa era em que público e privado se misturam tanto e de forma tão rápida, faz todo o sentido perguntar: qual o valor da marca pessoal de um executivo, um empreendedor para uma empresa, um negócio?
Quando Steve Jobs morreu, em 2011, a Apple era uma empresa que valia US$ 372 bilhões. Ao longo de décadas anteriores, ele era visto como a Apple. A empresa não apenas sobreviveu à sua marca mais icônica como multiplicou várias vezes seu valor, sendo a companhia mais valiosa do mundo hoje (market cap de US$ 2,9 trilhões) seguindo as bases do que ele criou. Esta semana começou com a maçã apresentando suas novas linhas de produtos e, como sempre, inovando com o lançamento dos seus óculos de realidade virtual Vision Pro.
Mas a vitória da Apple não quer dizer que as marcas estejam imunes às falhas das marcas pessoais que as representam. Há dezenas de histórias de gente poderosa, com marcas pessoais conhecidas, que deram passos ruins, antiéticos ou até criminosos e abalaram a reputação e suas marcas.
Abraham Lincoln, em um de seus discursos, disse que o caráter de alguém é como uma árvore. E a sombra desta árvore, a maneira como os outros enxergam aquela pessoa. Por isso, um dos principais conselhos que todo empreendedor tem de levar muito a sério é: a construção de sua marca pessoal precisa partir de uma análise sobre aquilo que genuinamente torna esse indivíduo um destaque em seu ambiente. Sob a intensa vigilância das redes sociais, é muito improvável que se consiga manter uma mentira durante muito tempo, ainda mais em escala global.
Se maus passos de executivos podem ferir empresas como Boeing, Tesla, Banco Santos, Miramax, WeWork, para negócios em menor escala ou startups isso pode ser fatal. Empresas precisam ter claro que um problema de reputação compromete a capacidade das pessoas de voltarem a confiar tanto no executivo quando na marca. Daí a importância de envolver a estratégia de comunicação no mais alto nível possível da organização e cuidar do seu principal ativo: você.