Por
Deltan Dallagnol – Gazeta do Povo
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Eu estava sentado na poltrona do avião junto à porta de emergência. A cabine do avião estava escura. O avião tinha decolado havia pouco e muita gente já havia fechado os olhos para descansar nas duas horas que separavam Brasília de Curitiba. Inclinei meu corpo para olhar através da janela. O céu estava lindo e estrelado. A grandeza do universo trazia paz num momento conturbado.
No dia anterior, a última terça-feira, minha cassação do cargo de deputado foi executada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Muita gente havia clamado que a Mesa defendesse o povo, a democracia e suas atribuições diante de uma decisão do TSE que “legislou”, criando uma hipótese de inelegibilidade inexistente para me “caçar”. Contudo, como acontece tantas vezes, a voz da população foi barrada nas portas dos palácios de Brasília.
Naquela própria quarta-feira, poucas horas antes, outra bomba foi lançada sobre mim. Por seis votos a cinco, o Superior Tribunal de Justiça suspendeu as decisões da primeira instância da Justiça Federal favoráveis a mim, que suspendiam o procedimento do Tribunal de Contas da União que me cobra mais de R$ 3 milhões de reais.
Contudo, como acontece tantas vezes, a voz da população foi barrada nas portas dos palácios de Brasília
O procedimento do Tribunal de Contas é esdrúxulo. A Justiça Federal disse que há “manifestas e evidentes ilegalidades”, além de “indícios de quebra de impessoalidade”, ou seja, de perseguição política. Foi conduzido contra os pareceres da área técnica do TCU, contra o parecer do Ministério Público do TCU e contra o entendimento do Ministério Público Federal. Três dos quatro ministros do TCU que me condenaram foram atingidos pela Lava Jato e seus desdobramentos. O relator, além disso, é aspirante a uma vaga no STF de Lula e estava no jantar de lançamento de sua pré-candidatura à presidência.
Todos, menos a área política do TCU, haviam entendido que os gastos da força-tarefa da Lava Jato foram legais e adequados. Foram feitos com passagens e diárias para trazer procuradores de todo país para Curitiba, a fim de recuperar 15 bilhões de reais. Além disso, todos disseram que, se houvesse alguma irregularidade, eu não teria nenhuma responsabilidade, porque eu não recebi nem paguei os valores, ou seja, não era nem beneficiário nem ordenador dessas despesas. Um juiz técnico e concursado apontou na mesma direção.
Contudo, o STJ suspendeu as decisões da primeira instância, inclusive a sentença que anulava o procedimento do TCU. Esse tipo de medida no STJ só é emitida em situações muito excepcionais, quando as decisões judiciais questionadas geram um risco grave e sistêmico, o que está longe de ser o caso. Dentre os 6 votos que me prejudicaram, estão dois ministros citados em delações da Lava Jato e um terceiro cujo filho foi acusado. Agora, o procedimento do TCU poderá avançar, inclusive sobre o patrimônio da minha família.
Há muito tempo há uma reação contra a Lava Jato, executada de várias formas e no barco da reação tem muita gente poderosa. Há gente que sinceramente acredita, ainda que equivocadamente, que a Lava Jato cometeu excessos, e esses são os que menos me preocupam. Os mais vingativos e poderosos são os que atacam a Lava Jato por seus acertos. E agora tem um novo time: os que querem agradar Lula, que quer vingança, para ser nomeado ou influir em nomeações para altos cargos da República. São inimigos em quantidade e poder excessivos.
Três dos quatro ministros do TCU que me condenaram foram atingidos pela Lava Jato e seus desdobramentos
Olhando para a imensidão do universo e as estrelas, no silêncio e escuro do avião, eu imaginei uma experiência de uma conversa com Deus, com três perguntas.
Deus, a injustiça é muito grande. O Senhor me abandonou?
- Aonde quer que você vá, as pessoas têm abordado você com uma mensagem de confiança, de força e de resiliência. Olhe para a quantidade de pessoas que estão sofrendo a sua dor e a sua injustiça, que reflete a injustiça que reina no seu país. Olhe para aqueles que lhe contaram que choraram com o que lhe aconteceu, olhe para aqueles que lhe dizem que oraram e estão orando por você, olhe para todos que lhe param e pedem “não desista”. Eu estou cuidando de você por meio de todas essas pessoas.
Meu coração se fortaleceu. Ao mesmo tempo, eu ainda tinha preocupações muito concretas para colocar diante de Deus e avancei para a segunda pergunta.
Deus, agora eles vão avançar sobre o patrimônio da minha família. O Senhor conhece o meu coração e sabe que estou disposto pessoalmente a pagar o preço de lutar por justiça, mas a injustiça é muito grande e agora vai atingir quem eu mais amo. Dói buscar justiça e ver a injustiça se abater justamente sobre a vida da minha família, da minha esposa e dos meus filhos.
- Quando foi que eu permiti que você e sua família fossem tocados? Quando você foi condenado a pagar mais de cem mil reais por conta do Power Point, eu não fiz choverem mais de doze mil pix em menos de 36 horas na sua conta? Não foi mais de meio milhão de reais sem você abrir a boca para pedir? Quando você viu qualquer coisa parecida, homem de pequena fé? Não tema. Seja forte e corajoso.
O meu coração foi reconfortado, mas eu ainda imaginei colocar uma última questão para Deus:
Sim, Deus, mas estou sendo perseguido e fui impedido de seguir no caminho de transformação que havia sonhado. O que eu faço agora?
- Há muito tempo, dei a Moisés uma direção para sair do Egito com os israelitas. Então, quando eles viram no seu encalço os exércitos egípcios que queriam matá-los e renovar sua escravidão, e então se depararam com o Mar Vermelho à frente, ficaram desorientados. Moisés clamou a mim e Eu respondi, dizendo: “por que você está clamando a mim? Diga aos israelitas que sigam avante”. Siga avante no seu firme propósito.
Não sou Moisés e estou longe de ser um dos meus heróis da fé, mas eles são exemplos, modelos e referências para mim e milhões de cristãos. Aquele momento de reflexão nos céus, olhando para a imensidão da criação, foi um momento precioso, em atitude de oração, que vou guardar comigo. Há toda uma população que quer seguir na direção de um país em que os governantes se curvem aos interesses do povo e não aos seus próprios interesses. Todos querem um país mais justo e próspero. É preciso reunir essas pessoas, organizar os esforços e avançar, com trabalho, estratégia, perseverança e fé.
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