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Luiz Philippe Orleans e Bragança – Gazeta do Povo
| Foto: EFE
A política externa do Brasil está igual à política interna: uma bagunça. Em seis meses, o governo buscou reforçar laços com o bloco Rússia e China, e ao mesmo tempo tentou manter felizes EUA e Europa. Claro que isso não funcionou, pois a ingenuidade passa longe de qualquer um desses países.
Rússia e China ainda querem ver muito mais alinhamento do Brasil com suas políticas, antes de se sentirem confortáveis ao tratar o Brasil como protagonista em qualquer questão relativa aos BRICS, ou na criação de uma nova ordem mundial. Por outro lado, as sinalizações que Lula fez foram o bastante para romper os bons relacionamentos que o país mantinha com a América do Norte e Europa. Que ações foram essas? Na verdade, houve várias sinalizações de antagonismo em todos os sentidos políticos, econômicos e geopolíticos.
Mancadas Políticas: Ao tentar elevar as ditaduras do Foro de São Paulo, sabidamente Nicarágua, Cuba e Venezuela, a status de países soberanos respeitáveis, o Brasil rompe o consenso que existe entre a esquerda ocidental e a mídia da América do Norte e Europa, que avalia esses países como estados falidos, liderados por criminosos, sem nenhum compromisso com sua população. Para a esquerda globalista, ou nova esquerda, esses narco-ditadores mancham essa nova imagem e remetem ao velho modelo stalinista do século 20. Mas a maior oposição em relação à nova esquerda é que esses ditadores estão sempre alinhados com os interesses da Rússia e China e devem limitar os planos globalistas para a região.
Trapalhadas econômicas: Lula lançou a bravata de sair do dólar como moeda de base para trocas internacionais. O Brasil tem mais de US$ 300 bilhões em reservas, sendo a maior parte em dólar e euro. Optar pelas moedas da China ou da Rússia vai deteriorar a capacidade de troca de nossas reservas e isolar o país comercialmente. Mesmo países mais dependentes da China e Rússia ainda não fizeram a transição total para a saída do dólar. O projeto é perigoso e certamente pode gerar retaliações, caso não haja um período longo de transição. É mais provável que nenhuma outra moeda venha a substituir o dólar totalmente, apenas aumentar sua participação nas reservas. Foi uma fala demagógica que serviu só para estremecer mercados, relacionamentos políticos, em uma clara demonstração de que o Brasil não sabe o que faz.
Em seis meses, o governo buscou reforçar laços com o bloco Rússia e China, e ao mesmo tempo tentou manter felizes EUA e Europa. Claro que isso não funcionou
Outro projeto perigoso na área econômica é o da criação de uma moeda comum e única com os países do Mercosul. Para todos os envolvidos do setor financeiro, essa é mais uma bravata irresponsável que vem para desestabilizar o real e demonstrar que o governo não entende nada na área econômica. Tanto para adotar moeda comum, para facilitar trocas, quanto para fazer uma integração monetária completa, em moeda única, as pré-condições são equilíbrio fiscal e monetário. Ambos os aspectos não são respeitados pelos países do Mercosul, o que fragiliza totalmente as iniciativas. O pior é que o Brasil, em vez de manter a política fiscal do governo anterior, resolveu aderir à incompetência dos vizinhos: acabou com teto de gastos e aprovou o arcabouço fiscal, medidas que vêm para garantir a gastança, pressionando as projeções com mais cobrança de impostos, inflação e endividamento.
Cegueira Geopolítica: O governo Lula permitiu que um navio de guerra do Irã, inimigo declarado dos EUA, atracasse em porto brasileiro, e enviou comitiva oficial para receber seus integrantes. O Brasil é soberano em seus relacionamentos, mas achar que essa abordagem se trata de uma iniciativa inocente não faz sentido. Foi um ato de ruptura de confiança. Lembrando que o Brasil tem diversos projetos de defesa e intercâmbio de tecnologia com os EUA, para não falar em intenso intercâmbio cultural e comercial.
Outra sinalização atabalhoada foi com a Ucrânia. O governo Lula saiu da isenção e se posicionou nitidamente a favor da Rússia no conflito. Por mais que possamos criticar a Ucrânia como sendo uma proxy dos interesses globalistas contra Rússia, não podemos apoiar a invasão de qualquer país e a Europa já havia fechado questão de apoio à Ucrânia. Portanto, o governo traiu a confiança de todos os países europeus e ainda, de modo infantil, espera estabelecer com eles acordos de livre-comércio. Não irá acontecer.
O que fazer? Dentro do embate entre a nova esquerda globalista, liderada pelos governos dos EUA, Canadá e Europa, contra a velha esquerda stalinista, liderada pela Rússia e China, não há muito espaço para países independentes e soberanos de fato. A Índia tem sido um dos poucos países livres de serem dominados por quaisquer desses blocos, ao mesmo tempo em que mantém boas relações políticas e comerciais com todos eles. Entretanto, até chegar ao ponto de negar influência externa e atingir soberania, o processo é longo.
A Índia investiu pesadamente em defesa por várias décadas, criou sua própria internet e protocolos bancários – para evitar qualquer retaliação semelhante à sofrida pela Rússia -, e liberalizou diversos setores para permitir que sua economia crescesse, conquistando a posição de quinta maior economia do mundo. Além disso, priorizou suas próprias instituições e regras, mesmo que imperfeitas, na tomada para definir políticas públicas. Para o Brasil conquistar esse posicionamento teria que, no mínimo, tomar medidas semelhantes.
O Brasil, sem poder bélico efetivo ou economia forte e independente, não é ninguém no jogo duro das relações entre países, e o governo Lula tem enfraquecido esses campos de forma sistemática, esperando que dessa vez funcione. Externamente a imagem do terceiro governo Lula é reflexo dessa visão e ideologia vencida: um galo velho cantando de peito estufado com os pés na lama.
Luiz Philippe Orleans e Bragança
Luiz Philippe de Orleans e Bragança é deputado federal por São Paulo, descendente da família imperial brasileira, trineto da princesa Isabel, tetraneto de d. Pedro II e pentaneto de d. Pedro I, sendo o único da linhagem a ocupar um cargo político eletivo desde a Proclamação da República, em 1889. Graduado em Administração de Empresas, mestre em Ciências Políticas pela Stanford University (EUA), com MBA pelo Instituto Européen d’Administration des Affaires (INSEAD), França. Autor dos livros “Por que o Brasil é um país atrasado”, “Antes que apaguem”, “A Libertadora – Uma Nova Constituição para o Brasil” e “Império de Verdades”. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
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