Trabalhadora rural e militar reformado relatam experiência com atividade artística desenvolvida de forma inovadora por projeto social
Créditos: InteirAção
“Nunca imaginei que um dia pegaria na madeira e na lâmina que não fossem de uma enxada, ainda
mais para fazer arte”, diz Neusa Palmeira; projeto social tem proprocionado descobertas a idosos
Os traços que dão forma à gravura entalhada na madeira pelas mãos de dona Neusa Palmeira ilustram mais do que uma arte, sua nova perspectiva de vida. Trabalhadora rural por aproximadamente cinco décadas, ela não frequentou a escola e nem mesmo sabia desenhar, mas foi após conhecer a técnica milenar da xilogravura, em um projeto social, que a idosa ganhou mais autonomia e novos horizontes. Aos 65 anos, ela estuda angariar renda extra com a arte aprendida e tem até cogitado iniciar os estudos.
A xilogravura também tem ajudado idosos a saírem da solidão e a enfrentarem até quadros depressivos no mesmo projeto que dona Neusa frequenta, o “ID Melhor Idade”, promovido pela InteirAção no contexto do Serviço de Convivência e Fortalecimento e Vínculos para Idosos (SCFVI) em parceria com a Secretaria Municipal do Bem-Estar Social (Sebes) de Bauru, interior de São Paulo.
Militar reformado, Sidney Ruas, 85 anos, enxergou na técnica milenar um dom artístico e uma sensibilidade nunca revelados e que os ajudaram a encarar a vida com mais leveza e positividade.
“Minha esposa está há um ano e meio acamada por causa de um traumatismo craniano sofrido em uma queda. Depois que os médicos disseram que era irreversíviel, eu fiquei depressivo, nem conseguia mais visitá-la de tanta tristeza. Mas aí comecei a frequentar o projeto e fui tão bem acolhido que as coisas foram mudando”, conta. “E a xilogravura me fez lembrar das atividades manuais que minha mãe me ensinava, despertando uma sensibilidade e criatividade que estavam escondidas naquele homem bronco e aspero que eu sempre tive que ser. Vejo que, assim como na vida, na xilogravura os traçados podem sair do planejado e, como não dá para consertar, preciso dar sentido ao que saiu errado”, completa Sidney.
Técnica de origem chinesa, a xilogravura consiste em gravar um desenho em placa madeira, permitindo ao artesão, com uso de tinta, de sua reprodução impressão em alto relevo em papéis e tecidos.
Chamada de matriz, a placa de madeira que leva os desenhos entalhados, assim como a lâmina usada para o desenho, a goiva, remetem à viviência de dona Neusa na roça.
“Nunca imaginei que um dia pegaria na madeira e na lâmina que não fossem de uma enxada, ainda mais para fazer arte. Essa tal xilogravura tem feito bem pra mim, pensei até em começar a escola. Tô ansiosa para mostrar meus desenhos para os meus filhos. É chique, acho que vou pendurar como quadro na sala de casa”, ressalta a idosa, mostrando suas xilogravuras: uma galinha, uma flor e uma agulha com linhas.
Produções que, nas últimas semanas, ganharam sentido extra para ela ao estamparem guardanapos de tecido nas oficinas do projeto.
“Foi mágico ver meus desenhos virando estampa. Quem sabe não começo a vender guardanapos assim para as vizinhas? Costurar eu já sei e desenhar aprendi! Até porque viver com um salário mínimo não tá fácil”, idealiza a idosa.
INOVADOR
Arte-educadora no projeto “ID Melhor Idade”, Natália Bispo conta que aulas de empreededorismo também são ofertadas para apoiar os idosos que, assim como dona Neusa, vislumbram a oportunidade de renda extra. “Nosso objetivo é estimulá-los para que se reconheçam como sujeitos ativos na sociedade, promovendo bem-estar. E a xilogravura é inovadora no contexto de projetos sociais com idosos, não há nada assim no Brasil pelo que tenho estudado”, aponta ela, citando os benefícios que a arte proporciona ao trabalhar aspectos como a paciência, a atenção, a autonomia, a cordenação motora, o desenvolvimento da expressão e do autoconhecimento.
O projeto recebe idosos duas vezes por semana, por um período de 3 horas cada dia, na Casa de Cursilhos e no Centro Comunitário Vila Independência. A porta de entrada para o projeto é o Cras Ferraz.
Assistente social da InteirAção, Vera Uva ressalta a importância de trabalho.
“A pandemia fez com que muitos idosos perdessem o convívio social. A maioria chega aqui com queixas de solidão, ou deprimidos e até em luto. Além de desenvolver a expressão artística, trazemos palestras, rodas de conversas e exibição de filmes que ajudam a trabalhar também a questão da cidadania e desmitificação de preconceitos. E tudo isso com um cafezinho da tarde que é servido no capricho”, finaliza Vera.
A InteirAção
A associação Inteiração sem fins lucrativos foi fundada em 2015 e possui como objetivo auxiliar e apoiar pessoas com vulnerabilidades sociais, culturais e educacionais. Desenvolve ações que possibilitem o resgate da integridade e autonomia dos cidadãos. Foi constituída por meio da iniciativa de empresas especializadas em cuidadoria, voluntários, familiares de pessoas com deficiência e profissionais da área de Saúde e Educação. Sua missão é contribuir para a melhoria dos serviços públicos e privados do País, oferecendo capacitação, treinamentos, recrutamento e seleção de profissionais, além de supervisão e gestão de pessoas, consultoria e assessoria na área.