Por
Deltan Dallagnol – Gazeta do Povo


| Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

No dia 1º de junho de 2023, o presidente Lula oficializou a nomeação de Cristiano Zanin, seu amigo e advogado pessoal, para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal após a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski. Agora, cabe à Comissão de Constituição e Justiça do Senado sabatinar Zanin e aprovar ou rejeitar o seu nome na próxima quarta (21). Há pelo menos 7 motivos para o Senado rejeitar a nomeação de Zanin para o STF.

Primeiro: a nomeação de Zanin viola o art. 101 da Constituição Federal, que exige notável saber jurídico do candidato. Pegando emprestadas as palavras do professor Ives Gandra da Silva Martins, um dos maiores constitucionalistas vivos do nosso país, “O notável é aquilo que está acima da média do conhecimento de todos, o que inclui saber acadêmico, livros publicados, reconhecimento nacional e internacional como jurista. (…) O reconhecimento acadêmico é ser mestre, doutor, livre docente ou professor titular, doutor honoris causa. O reconhecimento acadêmico é o que difere o advogado do jurista. O magistrado do jurista.”

Como ficou claro durante a leitura do relatório do senador Vital do Rêgo na data de ontem (15), Zanin pode ser um bom advogado, mas lhe falta o notável saber jurídico. O vídeo está disponível na internet para quem quiser assistir: o relator não consegue expor um título acadêmico de Zanin além daquele de Bacharel em Direito, porque não existe. É o bastante para um advogado, mas não deveria ser – e quem o diz é a Constituição, não eu – para um ministro do Supremo.

Segundo: a nomeação de Zanin é estelionato eleitoral puro e simples. Durante a campanha, quando Lula e o PT ainda vendiam a falsa ideia de uma frente ampla pela democracia, Lula afirmou: “Estou convencido que mexer na Suprema Corte para colocar amigo, para colocar companheiro, para colocar partidário é um atraso, um retrocesso que a República brasileira já conhece muito bem. Eu sou contra”.

Não é a primeira promessa de campanha que Lula descumpre e nem será a última. Mas esta pode ser a promessa descumprida que terá as consequências mais graves para o futuro do Brasil, já que Zanin poderá ficar até 2050 no STF, quando completará 75 anos. É imoral prometer uma coisa, ambicionando votos, e fazer outra no momento seguinte. É dizer ao eleitor que o manipulou. É tratar o brasileiro como instrumento da sua ambição de poder, negando-lhe dignidade e respeito.

Terceiro: Se aprovado, Zanin substituirá Ricardo Lewandowski, considerado por Lula a nomeação mais acertada à Suprema Corte durante os governos petistas. Por qual motivo Lula julga ter acertado com a nomeação de Lewandowski? Segundo a imprensa, não foi pela capacidade técnica do ministro, seu conhecimento a respeito da lei e da Constituição ou por sua independência – todos atributos que se espera de um juiz -, mas pela fidelidade canina a Lula e ao PT, reiteradamente demonstrada em todos os seus anos no STF.

O relator não consegue expor um título acadêmico de Zanin além daquele de Bacharel em Direito, porque não existe

Agora, Lula parece querer repetir a dose com Zanin e já se comenta que quer triplicá-la por meio da próxima nomeação para a vaga a ser aberta com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Lula pretende converter uma Corte de juristas em uma Corte de lulistas. Há um evidente abuso, um desvio de finalidade, no critério da decisão.

Quando Dilma quis nomear o próprio Lula para a Casa Civil, o ministro Gilmar Mendes barrou a decisão por entender que configurava desvio de finalidade e violava a Constituição. Alexandre de Moraes fez o mesmo ao impedir que Bolsonaro nomeasse Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal. Por que agora, com Zanin, o entendimento é diferente?

Quarto: Há ainda outra quebra de confiança causada pela incongruência entre a escolha de Lula e suas pautas eleitorais e políticas. A indicação frustra até mesmo a expectativa de alas do próprio PT e de grande parte dos eleitores de Lula por indicações ao Supremo que contemplassem a diversidade e a inclusão. Esses setores torciam pela nomeação da primeira mulher negra para o Supremo, a exemplo do que fez o presidente americano Joe Biden ao nomear Ketanji Brown Jackson à Suprema Corte americana.

Não vai acontecer. O critério escolhido por Lula é um só: a fidelidade. Lula, segundo diversos jornalistas, não quer repetir os “erros” cometidos pelo PT na nomeação de outros ministros que “falharam” com o partido, especialmente durante os julgamentos do Mensalão e da Lava Jato. Assim, a opção lulista, para além de contradizer seu discurso expresso de campanha dirigido a todos os brasileiros, frustra aqueles que votaram nele em razão das políticas e valores que ele implementaria. Uma dupla traição.

Quinto: A nomeação de Zanin viola também o princípio constitucional da impessoalidade, previsto no art. 37 da Constituição Federal. Em seu pronunciamento público sobre a nomeação, Lula deixou claro que o fator preponderante para sacramentar Zanin como novo ministro do STF foi o fato de ele ter sido seu advogado durante a operação Lava Jato, o que, como se sabe, resultou na anulação das condenações do petista e na recuperação de seus direitos políticos. O absurdo salta mais aos olhos se levássemos esse critério ao extremo: e se Lula tivesse oportunidade de escolher os onze ministros e só indicasse quem tivesse sido seu advogado?

Lula pretende converter uma Corte de juristas em uma Corte de lulistas

Vale recordar que, em 1954, Juscelino Kubitschek lançou sua candidatura presidencial sob o famoso lema “50 anos em 5”. Foi vitorioso, porém a oposição tentou anular a eleição. JK empregou, então, Sobral Pinto, um dos maiores juristas da história do Brasil, como seu advogado. Sobral Pinto defendeu a legitimidade da vitória de JK e ganhou o caso.

Já presidente, JK convidou Sobral Pinto para ser ministro do STF, mas o advogado recusou o convite, porque não queria deixar para a história a impressão de que defendeu JK por interesses pessoais, apenas para chegar ao Supremo. Não são relações pessoais que devem guiar essas escolhas, mas o que é melhor para o Brasil. Esse é o tipo de grandeza e de espírito público que se espera de um candidato a uma vaga na Suprema Corte.

Sexto: Ao nomear Zanin, Lula não viola apenas o princípio da impessoalidade, mas coloca interesses privados acima do interesse público. A nomeação de Zanin pode ser analisada olhando para o passado e para o futuro. Olhando para o passado, a nomeação está relacionada à gratidão de Lula a quem foi seu advogado e ajudou a garantir sua impunidade. Nesse sentido, é quase como se Zanin estivesse sendo “premiado” com um cargo no mais alto tribunal do país por serviços prestados à Lula, seu cliente mais famoso.

O olhar para o futuro revela o desejo irreprimível do presidente de ter alguém fiel a ele mesmo, com quem possa ter interlocução constante perante à Corte, alguém para quem possa “telefonar”, como afirmou a imprensa. Essa é mais uma prova de que Lula pretende dobrar o interesse público a seus interesses privados mais imediatos, relacionados à garantia da manutenção de seu poder pessoal e do projeto de poder de seu partido, o PT. O império da lei cede ao império das pessoas e suas relações. Menos lei, mais compadrio.

Quer se olhe para o passado quer para o futuro, os motivos da indicação são pouco republicanos e revelam um absoluto enfraquecimento e descrédito do Estado de Direito perante os olhos da sociedade e da comunidade internacional.

Sétimo: a sociedade sabe muito pouco sobre o que Zanin pensa acerca de temas extremamente sensíveis, como a descriminalização das drogas e do aborto. Esse é um reflexo do próprio desconhecimento da sociedade a respeito de quem é Zanin e suas ideias, e também da ausência de notório saber jurídico do indicado, porque não há teses de mestrado, doutorado e volumes variados de livros registrando o pensamento de Zanin sobre diferentes aspectos jurídicos da vida em comunidade.

Num aspecto central para a sociedade, que é a redução da impunidade, Zanin representa o oposto do anseio da população. Opôs-se firmemente à prisão em segunda instância, medida que é absolutamente necessária para restabelecer uma efetividade mínima do sistema de justiça contra réus ricos ou poderosos. Para quem deseja um sistema de justiça criminal que funcione, a nomeação de Zanin traz uma séria preocupação.

Os motivos da indicação são pouco republicanos e revelam um absoluto enfraquecimento e descrédito do Estado de Direito

Na próxima semana, caberá ao Senado decidir. Para além da base lulista que apoiará cegamente a indicação, os parlamentares de centro e de direita serão pressionados por emendas e pelo receio de se oporem a alguém que, no dia seguinte, se alcançar sucesso na nomeação, passará a julgá-los. A sabatina pode se tornar um mero espetáculo público para carimbar a indicação do presidente.

Precisamos de parlamentares com coragem. É provável que ainda não tenhamos chegado lá – veremos -, mas os brasileiros estão fartos de pessoas que se elegem dizendo que farão diferente e, uma vez lá, tornam-se mais do mesmo. O que eu posso dizer é o que eu farei: pedirei aos senadores do meu Estado que cumpram seu papel e rejeitem a indicação.

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