Ai, subversivo!
Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo
Têm sido dias difíceis, mas é preciso fazer um esforço para reencontrar a fé a esperança até debaixo da sofá ou no bolso de uma calça velha.| Foto: Reprodução/ Redes Sociais
Têm sido dias difíceis. Uns mais do que os outros. Ontem pela manhã, por exemplo, eu e um amigo conversávamos sobre a aprovação da lei da filhadocunha Dani Cunha. Aquela lei que parecia um absurdo, mas logo depois revelou-se apenas um semiabsurdo. Depois de muito choro e ranger de dentes, ficou claro que a lei não proíbe a crítica a políticos, como se pensava a princípio. Um relator conseguiu dar uma amenizada no texto e agora ela “só” pune quem se recusa a dar crédito a bandido. Digo, político.
Mas nem deu tempo para pensar que estávamos vivendo numa democracia. Porque no mesmo dia Alexandre de Moraes tirou de um porão qualquer da Ditadura Militar o crime de “subversão da ordem”. E mandou calar Monark – um menino com cara e jeito de adolescente tardio e que ousou falar umas poucas e boas sobre o imperador calvo.
Nesse caso, os problemas são dois: primeiro a censura prévia ao podcaster; depois, a recriação desse que deve ser o mito político mais cafona e chato de todos os tempos – o subversivo. “Só falta agora o Monark sair por aí caminhando e cantando e seguindo a canção”, disse para o amigo, que nem mesmo esboçou um riso. É que ele estava mesmo brabo ontem.
Ao final da manhã, percebi que estava em frangalhos. (Nunca neguei que sou exagerado). Andava me arrastando pela casa, imaginando distopias impublicáveis e travando batalhas verbais épicas em minha cabeça. Numa delas, eu estava defronte do Torquemada do Cerrado, tentando convencê-lo a perceber que o caminho da tirania é um caminho sem volta, ainda que num primeiro momento ele pareça ter apoio de um ou outro assecla. “Mas você não teme a Deus?!”, perguntei a ele em certo momento. Ao que Alexandre de Moraes, diante do espelho, respondeu simplesmente que não.
Então me pus a procurar a comparação perfeita. O Brasil está virando uma Cuba? Uma Venezuela? Uma China? Só para poder cunhar o verbo “chinezar”, fiquei com a última opção. Chinezar, verbo intransigente, autoritário, hipócrita e cínico. Diz-se daquele que se chineza, isto é, aquele que opta por um líder populista, que vive numa ditadura, mas não confessa; e que impõe um capitalismo de compadrio, sem jamais abandonar o discurso falsamente fraterno do marxismo.
Vai carpir um lote!
Nessas horas, impossível não se deixar levar pela paranoia. Só um pouquinho. Pensei em todos os meus colegas jornalistas que por dentro zurram de prazer ao verem seus delírios esquerdistas sendo postos em prática. Alguns deles certamente concordam com o assessor da Dilma que, por esses dias aí, andou defendendo a pena de morte para quem discordasse do socialismo. Isto é, para mim e provavelmente para você que me lê.
Curvado como um Atlas parrudinho e careca, eu refletia sobre o ridículo e a cafonice de poder ser considerado um subversivo. Foi quando minha mulher, ao me perceber mirando sem enxergar o pico do Anhangava, veio em minha direção. Achei que ela fosse me consolar e dizer que vai dar tudo certo, não fique assim, daqui a pouco tudo isso passa e a gente vai dar risada. Etc.
Mas não. Minha mulher veio em minha direção e começou a brigar comigo. Onde é que já se viu ficar preocupado com uma coisa dessas! Vai bater uma laje! Vai carpir um lote! Vai arear umas panelas! Fica aí lendo esses russos frouxos e esses francesinhos covardes e depois fica assim, todo melancólico. E mais um monte de impropérios proibidos nesse horário.
Quis protestar. Tentei protestar. Mas ela não parava. Até que consegui me esgueirar por uma pausa rara para dizer que simplesmente não enxergava uma saída democrática para a situação em que o país se encontra. Que só um milagre ou. Ela levantou o rolo de macarrão. Mas, em vez de sentir o golpe da madeira, eu a ouvi perguntar simplesmente: “Onde está a sua fé e a sua esperança?”. Assim, sem qualquer arroubo. Como que tomada por uma calma santa. (Rivotril 2mg).
Onde está? Onde está? A fé, eu a vi pela última vez debaixo do sofá. A esperança, não faço a menor ideia. Será que esqueci no táxi? Não sei. Só sei que, ao ouvir aquela pergunta, me levantei e estufei o peito. Levantei a cabeça. Me livrei do mundo que pesava às costas. E pus as mãos nos bolsos. Dentro de um deles, bem lá no fundo, encontrei um fiapinho de esperança e um amontoado de fé. “Estão aqui”, eu disse, todo subversivão.
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/polzonoff/onde-esta-a-sua-fe-e-a-sua-esperanca/
Copyright © 2023, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.