Por favor, repare nas aspas: “Por que eu queria que o Lula morresse”

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo


Lula, Dino e Alexandre de Moraes: não duvido nada se os deuses do cerrado criminalizarem a ira divina.| Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Sei que muita gente vai ler o título e se fazer de escandalizado, insistindo em ignorar as aspas e o que elas significam. Então, para ficar bem claro, vou recorrer ao negrito. O título não é um desejo de que Lula morra; é uma referência a um texto de Hélio Schwartsman, intitulado “Por que torço para que Bolsonaro morra”, e sobre o qual já escrevi aqui. Pronto. De volta ao normal, explico que escrevo este texto, com aquele título, por dois motivos.

O primeiro é para, usando uma variação irônica sobre o mesmo tema, chamar a atenção para a hipocrisia natural da esquerda. O segundo é para lançar luz sobre aqueles que, desavergonhados da própria ignorância, só leem o título deste e de quaisquer outros textos – e deles tiram conclusões as mais estapafúrdias. Vocês não ficam nem vermelhos, não?

Disse que eram dois os motivos? Minto. Porque sem este terceiro motivo sequer haveria texto hoje: aproveito a oportunidade para falar sobre o fato de o ministro da Justiça Flávio Dino ter acionado a Polícia Federal (cada vez mais com cara de polícia política) contra um pastor que exortou seu rebanho a pedir que Deus lançasse toda a Sua ira contra Lula e os ministros do STF. E aqui é aquele momento em que você deve estar se perguntando: sério que o Dino fez isso? Sério. Ele fez.

E ainda bem que fez. Assim fica mais evidente que a diferença entre Stalin e o ministro é de apenas algumas centenas de quilos. (Aliás, parece que Alexandre de Moraes vai ganhar um amiguinho do mesmo e baixo nível no STF daqui a alguns meses, com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Mas isso não vem ao caso agora. Por isso os parêntesis). Outro motivo para, abre aspas, celebrar, fecha aspas, a perseguição de Dino ao pastor equivocado, equivocadíssimo, é que assim tenho a oportunidade de falar sobre esse desejo de violência, tanto divina quanto humana, que permeia os dois lados do tal do espectro político.

Afinal, não se passa uma só semana sem que eu ouça ou leia alguém dizer que Fulano ou Sicrano poderia muito bem morrer. Ou ser atropelado. Ou sofrer um derrame. Enfim, que Fulano ou Sicrano bem poderia sofrer algum castigo físico, seja ele de origem divina ou humana, que o impedisse de cometer as maldades de que o interlocutor (é, você!) se sente vítima. E aqui vale um dado que escapa ao furor ideologicamente puritano de Flávio Dino: o desejo é errado, mas é só desejo. É fé e esperança mal formuladas e mal direcionadas. Nunca é ação – e que continue assim. Então pode dormir tranquilo, ministro. Se é que você ainda é capaz.

Esclarecimentos
Para mim o texto já terminou e daqui para frente o leitor encontrará somente esclarecimentos escritos para satisfazer aqueles que buscam nas entrelinhas uma prova da perversidade criminosa do autor. Não vão achar. Podem procurar à vontade, aliás. Mas tragam cães – cães farejadores que sejam um pouquinho mais inteligentes do que as autoridades que, se duvidar, neste exato momento estão expedindo uma ordem para que até Deus deponha na delegacia mais próxima.

O primeiro esclarecimento é este que se segue aos dois pontos: o pastor Anderson Silva está errado. Teologicamente errado. Assim como estamos errados todos nós que, em algum momento, em silêncio ou numa roda de amigos, clamamos pelo sofrimento dos nossos adversários/inimigos. Afinal, não é assim que funciona a justiça divina. Pelo menos não é assim que age o Deus em que eu acredito. No mais, e agora falando mundanamente, quem deseja que males acometam Lula e ministros do STF pressupõe que esse personagens serão substituídos por outros personagens, mas desta vez virtuosos. Isso não faz o menor sentido.

Outro esclarecimento que vale a pena registrar é o que, na primeira parte do texto, ficou implícito: a esquerda é hipócrita porque a violência contra os inimigos está na essência da revolução. Repare que, enquanto o pastor rogou aos Céus por uma solução mágica e violenta para o nosso problema político, um assessor da ex-presidente Dilma Rousseff rogou a seus camaradas algo parecido, mas muito mais real. Elias Jabbour defendeu abertamente a pena de morte para quem discordasse do comunismo. Esse aí que Flávio Dino tanto ama. E ficou por isso mesmo.

O terceiro e último esclarecimento diz respeito ao título. Novamente. As aspas estão ali porque realmente penso o contrário do pastor ou do consequencialista Schwartsman. Desejo a Lula, aos ministros do STF e Flávio Dino vidas longas. Ou melhor, vidas que durem o suficiente para que eles reconheçam seus erros, se arrependam e, de alguma forma, encontrem a redenção. É o que, aliás, desejo a mim mesmo e a todo mundo que está lendo.

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