Editorial
Por
Gazeta do Povo
Cristiano Zanin e os senadores Randolfe Rodrigues e Davi Alcolumbre durante sabatina na CCJ do Senado.| Foto: Pedro França / Agência Senado
Uma das características que mais saltam aos olhos em qualquer governo petista é a depredação institucional que o partido realiza quando assume o poder. Ao longo dos 13 anos e meio de sua primeira passagem pelo Planalto, isso ocorreu das mais diversas formas, do aparelhamento generalizado à corrupção escancarada. Não haveria de ser diferente neste terceiro mandato de Lula, para quem todos os poderes da República, instituições, órgãos de investigação, o que for, existem a serviço não do Estado, não do cidadão brasileiro, mas do partido e de seu líder maior. Assim, o fato de o mesmo presidente que no passado indicara um ex-advogado do PT para a suprema corte repetir a dose, agora com seu advogado pessoal, só surpreende quem realmente quis ser surpreendido – temos, aqui, Lula sendo Lula, e nada pode ser mais previsível que isso. Triste, profundamente triste, é que o Senado tenha se rebaixado ao ponto de dar seu endosso a esse acinte.
Cristiano Zanin agora está confirmado como o mais novo integrante do Supremo Tribunal Federal, em substituição a Ricardo Lewandowski. Em um processo que durou apenas 20 dias entre a formalização da indicação no Diário Oficial à aprovação definitiva do nome – um recorde que contrasta com os quase cinco meses que André Mendonça levou para chegar ao Supremo –, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou Zanin por 21 votos a 5, enquanto o plenário da casa referendou a indicação por 58 a 18. As razões para sua escolha podem ser facilmente explicadas; por mais que no campo dito “progressista” haja juristas respeitados em suas áreas e donos de extensa produção acadêmica (ainda que possamos discordar de suas ideias), nenhum deles fez o que Zanin fez: convencer ministros do Supremo a anular as condenações de Lula, fazendo dele um ficha-limpa apto a disputar e vencer a eleição de 2022. E nada mais que isso. Se usar uma cadeira no STF como forma de retribuição a seu advogado não viola frontalmente o princípio da impessoalidade, um dos cinco que regem a administração pública de acordo com o artigo 37 da Constituição, então tudo está realmente permitido no Brasil.
A sessão dessa quarta-feira diz pouco sobre Lula e sobre Zanin, mas diz muito sobre um Senado em que quase três quartos de seus membros se prestam a esse tipo de imoralidade
Apenas essa agressão explícita ao princípio da impessoalidade já deveria bastar para que a CCJ, que sabatinou Zanin durante esta quarta-feira, e o plenário do Senado, que votou a indicação na sequência, rejeitassem o nome. Mas o advogado também se mostrou estar muito distante do perfil de que o país necessita em seus ministros da mais alta corte do Judiciário: duro com a corrupção; defensor da vida e da família; protetor intransigente das liberdades e garantias democráticas como elas realmente devem ser entendidas, e não segundo concepções pessoais equivocadas; e ciente do papel de cada poder, rejeitando o ativismo judicial. Para ficar em apenas um exemplo desta quarta-feira, quem haverá de acreditar na defesa da liberdade de expressão feita durante a sabatina por quem, durante a campanha eleitoral, não perdia uma oportunidade de pedir censura a críticos de Lula?
Em 2012, às vésperas de ser julgado por lavagem de dinheiro no mensalão, o ex-deputado federal petista Paulo Rocha fez uma afirmação emblemática: “os ministros do Supremo não foram colocados lá para apenar como estão apenando”. Em outras palavras, ao menos os indicados por Lula tinham sido “colocados lá” para outra coisa – por esse raciocínio, exemplar foi Dias Toffoli, que não se declarou impedido de julgar antigos chefes e, mesmo quando derrotado, ajudou com seu voto a formar minorias que davam aos condenados direito ao julgamento de embargos infringentes, muitos dos quais resultaram, depois, em redução de penas ou anulação de condenações. Com Zanin, é isso que Lula pretende ter: mais um aliado fiel no Supremo.
A sessão dessa quarta-feira diz pouco sobre Lula (de quem não há muito mais de novo a se dizer), e pouco também sobre Zanin, mas diz muito sobre um Senado em que quase três quartos de seus membros se prestam a esse tipo de imoralidade – especialmente os que foram eleitos por uma população que certamente viu com revolta mais esta atitude patrimonialista de Lula. Aplauda-se, por outro lado, a coragem dos 18 parlamentares que souberam dizer “não” a esse absurdo. São os proverbiais “poucos, mas bons” com quem o Brasil espera poder continuar contando; que não esmoreçam diante desta derrota e sigam oferecendo à nação o exemplo que muitos de seus pares não souberam dar.
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