Tragédia
Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo
O submarino Titan da Ocean Gate: eu não entraria num treco desses nem se me pagassem!| Foto: Ocean Gate/EFE
Eu aqui entretido com o naufrágio da política brasileira e o Luciano Trigo não para de me mandar notícias sobre um submarino. “Não tô sabendo de nada, cara. Submarino? Titanic?”, pergunto, um tanto quanto irritado. Deve ser a maldita andropausa. Com a paciência que lhe é característica, o colunista e gentleman me explica o que você a essa altura já deve estar sabendo: um submarino que pretendia dar uma espiadinha nos destroços do Titanic, a 3843 metros de profundidade, afundou.
Mas submarino afunda, você deve estar pensando? Afunda. Afunda mais, digo. Afunda até não conseguir desafundar. Afunda de vez. O dia avança e eu, entretido com Zanin e Bolsonaro, me esqueço de submarino. Mas espere um pouco. Tem mensagem nova do Luciano Trigo me dizendo que esquerdistas estão celebrando a morte da tripulação que pagou uma fortuna para ver o naufrágio do Titanic a bordo de um submarino de fundo de quintal.
“Comemorando o quê?”, pergunto, mesmo sabendo de antemão a resposta. Quero puxar conversa. Sou carente. E o Trigo é um bom papo, sem ser farinha do mesmo saco. (Não resisti). Ele educadamente me explica que os militantes esquerdistas estão comemorando a morte dos bilionários. Até o Luciano Huck surgiu para chamar as pessoas de idiotas. E eu pensando que a dignidade é inerente a todo o ser humano. Até aos Hucks da vida.
De repente me lembro de um evento do final da Guerra Fria. Em 1988, um esquimó avistou duas baleias cinzentas presas no gelo perto de Point Barrow, no extremo norte do Alaska. Naquela época pré-redes sociais, a notícia se espalhou relativamente rápido e, em pouco tempo, o mundo todo estava acompanhando os esforços dos soviéticos para, em solo americano, libertar os animais. Foi um momento singelo da humanidade. O que isso tem a ver com a história do submarino? Não faço a menor ideia.
Outra mensagem do Trigo
Recebo outra mensagem do Trigo. Um áudio. São supostas batidas no casco do submarino. Tento conter a imaginação e me concentrar na desgraça da política nacional, mas não consigo. E, quando percebo, já me vejo lá dentro do submarino, a sei lá quantos metros de profundidade, batendo desesperadamente no casco da embarcação, na esperança remotíssima de um resgate.
Sendo bilionário ou não, o que passa pela cabeça de um homem nessa hora? Será que ele pensa no aquecimento global, na guerra da Ucrânia, na derrota da seleção para o Senegal? E pedindo desde já perdão pela rima inevitável: será que pensa na aposta de Pascal? O que eu faria nessa situação? O que você faria? Quando dou por mim, estou afundado em perguntas. E, concluindo que minha imaginação não é capaz de alcançar o desespero da circunstância, aciono uma alavanca e emerjo na superfície do texto. Ufa!
Até que me chega a notícia triste de que os destroços do submarino foram encontrados. Todos morreram. Penso na tragédia maior do que a simples perda de cinco vidas. Afinal, são pessoas que pagaram caro para morrer de uma forma crudelíssima. E a troco de quê? Não é no patrimônio das vítimas que deve estar o foco da indignação; e sim no que os levou à aventura mórbida. Que desejos estavam envolvidos na expedição? Que prazeres?
E, em assim pensando, cometo o grave erro de dar uma olhada nas redes sociais. Até receber outra mensagem do Trigo. “Paulo, acabaram de confirmar. Todos os que estavam a bordo do submarino Titan morreram 🙁 ” , escreve. Mas espere aí que agora ele está digitando. Digitando. Digitando mais. Digitando ainda. Não terminou de digitar. Agora, sim: “Mas tá um festival de crueldade. NÃO ENTRE NO TWITTER”, aconselha ele. Tarde demais.
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