Esta intervenção estatal aumenta a já séria instabilidade regulatória e a insegurança jurídica para quem quer abrir ou ampliar seus negócios no Brasil
Por Rubens Barbosa – Jornal Estadão
O governo Lula decidiu criar o Imposto de Exportação, por um período de quatro meses. Por meio de medida provisória, que reduziu alíquotas de contribuições sobre operações realizadas com gasolina, álcool, gás natural e querosene de avião, foi também criado o Imposto de Exportação de 9,2%. A justificativa dada foi a necessidade de aumentar a arrecadação e atenuar os impactos sobre a inflação pelo aumento do preço da gasolina na bomba. Mas também de que o lucro da Petrobras está muito alto. “As empresas estão com lucros extraordinários por causa do aumento dos preços do petróleo. Lucros exorbitantes”, disseram as autoridades fazendárias.
A criação desse imposto poderá trazer consequências muito negativas para a economia como um todo. Além de representar uma quebra de compromissos contratuais relacionados com os leilões para concessão de blocos petrolíferos, nos quais não se previa a taxação de exportação, a medida vai afetar a disposição de investimentos em pesquisa, exploração e produção de petróleo. Essa intervenção estatal aumenta a já séria instabilidade regulatória e a insegurança jurídica para quem quer abrir ou ampliar seus negócios no Brasil. A possibilidade de a medida estimular o refino nacional não é certa e está sendo contestada pelo setor.
A medida não é nova, mas se trata de um precedente recente, advogada sem sucesso por economistas desenvolvimentistas nos últimos anos. A história econômica brasileira mostra que, nas primeiras décadas do Brasil independente, a tributação sobre as exportações de algodão para gerar recursos para o governo central teve um efeito fortemente negativo e o Brasil, então líder na produção e na exportação do produto, a partir de 1830 perdeu o mercado para a produção do sul dos EUA. Hoje, pelas incertezas da economia global e do cenário geopolítico instável, existe restrição da oferta de petróleo e o Brasil se encontra em posição positiva para exportar, pelo aumento da produção e estabilidade da demanda interna. A taxação vai contribuir para a perda da competitividade do petróleo brasileiro, afetando um setor que gera cerca de R$ 170 bilhões para o Estado.
Na América do Sul, o exemplo mais recente da imposição de Imposto de Exportação é o da Argentina, com a reintegra. As retenciones a las exportaciones, ou DEX (derechos a la exportación), na Argentina, são instrumentos tributários que incidem sobre produtos agrícolas exportáveis. Aplicadas pela primeira vez no final do século 19, as retenciones têm sido usadas, de tempos em tempos, como uma das formas de aumentar os recursos do governo de Buenos Aires, em crise financeira e com problemas cambiais em virtude das baixas reservas. Mais recentemente, em 2007, com Cristina Kirchner como presidente, foi introduzido um sistema de retenciones móveis à exportação. Como consequência, houve forte reação empresarial e uma greve patronal no setor agropecuário que se estendeu por 129 dias e incluiu o bloqueio de estradas e o desabastecimento das cidades. Em 2015, com o presidente Mauricio Macri, as retenções foram reduzidas e em 2016 foram eliminadas no tocante à mineração. Em 2018, em meio à crise cambial, o governo voltou a aumentar as retenciones em todos os produtos em 12%, com teto de 4 pesos para cada dólar exportado. Em 2019, Alberto Fernández aumentou novamente os direitos de exportação, que passaram para a soja em 33%, o trigo e o milho (12%), a carne (9%) e os lácteos (15%). A exportação de serviços, também taxados, sofreu mudanças, com taxa de 5%. Em março de 2022, o governo argentino oficializou o aumento das retenções para óleo e farelo de soja: para 33%, mesma porcentagem cobrada para a exportação de soja em grão. Como resultado desse histórico, em 2020 o agro pagou US$ 5.240 milhões e, em 2021, alcançou o recorde de US$ 10.128 milhões.
A situação da economia no Brasil está longe de poder ser comparada com a da Argentina, que passa há vários anos por uma crise muito aguda, com baixo crescimento, inflação, restrição cambial e baixa reserva. Mas a experiência argentina mostra que, uma vez introduzida a cobrança do Imposto de Exportação, é difícil eliminá-la. Ao contrário, tende a ser estendida para outros setores da exportação e a ser mantida sem prazo para terminar.
É o que estamos vendo agora. Na discussão da reforma tributária, foi incluído artigo que permitirá aos Estados criar uma contribuição sobre produtos primários e semielaborados. Na prática, contra o disposto hoje na Constituição, os Estados poderão cobrar imposto de exportação sobre minérios, produtos agrícolas e a indústria de petróleo. O texto prevê que os Estados que já têm essa contribuição possam continuar a cobrá-la até 2043. Se aprovado, o imposto acarretará uma renovada guerra fiscal entre Estados. Se o texto for mantido pelo Senado, aumentará a instabilidade, pela sua previsível judicialização, a exemplo do que já ocorreu com o novo Imposto de Exportação. Grandes empresas petroleiras entraram com pedido de liminar contra a tributação na Justiça Federal. A competitividade do comércio exterior brasileiro ficará afetada, quando o que se busca é simplificar o regime tributário e reduzir o peso dos impostos para tornar os produtos brasileiros mais competitivos no mercado externo.
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É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)